Na nossa vida há momentos que deixam marcas. Na nossa
experiência de vida podemos viver, muitas vezes, situações que nos fazem
refletir (sobre o presente, diante do passado e para com o futuro), criando
condições para nos irmos conhecendo e com a repercussão daquelas pessoas que se
cruzam no nosso caminho… de forma esporádica ou modo mais ou menos estável.
Tenho por princípio que não me ofende quem quer, mas a
quem eu deixo… pois, pode haver circunstâncias e fatores que fazem com que quem
me pretende ofender possa esbarrar na barra da indiferença – esta é uma
virtude, como nos ensina a espiritualidade inaciana e não o defeito do desprezo,
à maneira do mundo – e outros momentos em que uma simples palavra ou um gesto
de quem esperávamos compreensão e ânimo nos possa destruir senão o espírito ao
menos a alma, melindrando até a dimensão corporal.
Nem tudo pode ser valorizado de igual modo, mas há etapas
da nossa vida em que podemos estar mais vulneráveis e sensibilizados para pequenas
(que não mesquinhas) ‘ofensas’… quantas delas caldeadas com a necessidade de
sabermos entender a vida e os sinais da condução de Deus para connosco.
= Em jeito de
balanço… e projeção
Tudo isto pode ser mais acutilante ao final de um ano
civil, pois os dias e os meses acumulam em nós boas e más experiências, razoáveis
e diversas vivências, onde cada aspeto pode ganhar outro significado devido às
expetativas que podemos ou não alcançar.
Pelo espaço de cinco anos aconteceu na mesma data – isto
é, por estes dias – a perda de dois padres bastante idosos. Num como noutro
caso senti-me entristecido, tanto pela perda, quanto pelas consequências na
não-substituição por outros mais novos nos seus lugares…
Há cinco anos como agora, tenho estado a rezar a
via-sacra para a próxima quaresma. É um hábito que tenho vindo a viver: no
tempo de natal estou a preparar a vivência da páscoa. É algo interessante e de
frutuosa ‘ginástica’ espiritual: o nascimento e a morte de Jesus unem-se em
mistério de encarnação redentora.
Neste ambiente como que se sacode a consciência: como
podemos ser insensíveis aos outros, quando Jesus veio tomar carne humana e pelo
sofrimento redentor deu sentido aos pequenos achaques do nosso dia-a-dia! Há
como que uma luta contra a superficialidade com que tantos correm para sorverem
a espuma do espumante e do tempo que escorre, deixando perder a possibilidade
de viver o essencial… Não há nisto qualquer juízo sobre nada nem sobre ninguém,
mas antes uma simples inquietação para perceber como, no tempo que passa, podemos
deixar escapar (ou não) a eternidade em cada momento de vida.
De alma retalhada vejo e sinto tanta gente que sofre
(doenças e solidões)… e poucos lhe ligam, pois estão ocupados consigo mesmos.
De alma retalhada vejo e acolho as vítimas da difamação…
enquanto os acusadores se escondem.
De alma retalhada escuto e sinto quantos são vítimas do
ódio humano e das tragédias da natureza… e confio ao Deus da misericórdia que
lhes dê paz e consolo.
De alma retalhada observo as futilidades de tantos que se
divertem sem olhar a meios nem a recursos… como se não houvesse amanhã.
De alma retalhada sinto a dor de tantos que desconhecem,
abandonam ou desprezam Deus… Esse que é capaz de dar resposta e de motivar a
mudança de vida e de comportamentos, já.
António Sílvio Couto
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