«A globalização da indiferença, que hoje pesa sobre a
vida de tantas irmãs e de tantos irmãos, requer de todos nós que nos façamos
artífices duma globalização da solidariedade e da fraternidade que possa
devolver-lhes a esperança e levá-los a retomar, com coragem, o caminho através
dos problemas do nosso tempo e as novas perspetivas que este traz consigo e que
Deus coloca nas nossas mãos».
Estas palavras terminam a mensagem do Papa Francisco para
o 48.º dia mundial da paz, a celebrar no dia 1 de janeiro, subordinado ao tema:
‘Já não escravos, mas irmãos’.
Partindo duma análise da condição humana onde, por vezes,
se verificaram ‘múltiplas faces da escravatura’ -- trabalhadores menores,
exploração dos migrantes, na prostituição, nos raptos – até aos nossos dias –
pobreza, corrupção, conflitos armados, violências, criminalidade e terrorismo –
o Papa aponta a causa: «hoje como ontem, na raiz da escravatura, está uma
conceção da pessoa humana que admite a possibilidade de a tratar como objeto
(…) Com a força, o engano, a coação física ou psicológica, a pessoa humana –
criada à imagem e semelhança de Deus – é privada da liberdade, mercantilizada,
reduzida a propriedade de alguém, é tratada como meio e não como fim».
Deixamos, a título de interpelação, duas breves propostas
– mais culturais do que meramente moralizantes – para a vivência desta mensagem
do Papa Francisco:
= Erradicar a
cultura da servidão
«As organizações da sociedade civil têm o dever de
sensibilizar e estimular as consciências sobre os passos necessários para
combater e erradicar a cultura da servidão».
Quais são os sinais desta cultura de servidão? Podemos
encontrar sinais de natureza física, de índole psicológica, de âmbito
espiritual e mesmo de alcance ético/moral.
Na sua mensagem o Papa enumera alguns dos aspetos de
servidão física, que condicionam a liberdade das pessoas, desde os mais simples
como a escravatura exercida sobre crianças e mulheres… até aos mais complexos
como a subtração de documentos em casos de emigração ou à exploração sexual de menores
e mulheres sem direitos mínimos.
Ao nível psicológico, o servilismo é explorado desde as
seduções mais subtis e enganadoras até ao condicionamento nas escolhas
publicitárias e economicistas. A arte do marketing e da publicidade pode entrar
neste campo do servilismo consumista.
Nas vertentes espiritual e moral/ética a cultura da
servidão nota-se naquilo que o Papa fala de ‘tornar-se cúmplice deste mal’,
pois muitos silêncios como que se tornam ensurdecedores para com as vítimas das
mais diversas escravaturas, onde a ausência (negando, ignorando ou pela
indiferença) de Deus faz com que a pessoa humana deixe de valer pelo que é para
ser valorizada pelo que produz…
= Exorcizar a
indiferença
«Perguntemo-nos, enquanto comunidade e indivíduo, como
nos sentimos interpelados quando, na vida quotidiana, nos encontramos ou
lidamos com pessoas que poderiam ser vítimas do tráfico de seres humanos ou,
quando temos de comprar, se escolhemos produtos que poderiam razoavelmente
resultar da exploração de outras pessoas».
De fato, nós andamos muito distraídos com as nossas
preocupações diárias, fechando-nos uns aos outros, envolvidos que dizemos andar
com os nossos problemas e tentando resolver as questões mais imediatas. Na sua
mensagem o Papa Francisco aponta-nos breves desafios para irmos ultrapassando
esta conjuntura egoísta, individualista e egocêntrica: ‘praticando no dia-a-dia
pequenos gestos como dirigir a palavra, trocar um cumprimento, dizer ‘bom dia’
ou oferecer um sorriso’. Com efeito, o Papa refere que ‘estes gestos, que têm
imenso valor e não nos custam nada, podem dar esperança, abrir estradas, mudar
a vida a uma pessoa’… que vive e convive connosco.
Neste novo ano – e ainda em contexto de Natal – tentemos
semear fraternidade… para uma nova paz!
António
Sílvio Couto
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