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quarta-feira, 4 de setembro de 2024

É pecado grave rejeitar os migrantes

 


«Nesses mares e desertos mortais, os migrantes de hoje não deveriam estar – e infelizmente estão. Mas não é através de leis mais restritivas, não é mediante a militarização das fronteiras, não é através de rejeições que alcançaremos este resultado. Ao contrário, só o conseguiremos ampliando as rotas de entrada seguras e regulares para os migrantes, facilitando o refúgio para quantos fogem das guerras, da violência, da perseguição e de muitas calamidades; só o conseguiremos favorecendo, em todos os sentidos, uma governance global das migrações fundamentada na justiça, na fraternidade e na solidariedade. E unindo forças para combater o tráfico de seres humanos, para impedir os traficantes criminosos que exploram sem piedade a miséria dos outros».

Este excerto da audiência semanal do Papa Francisco de 28 de agosto passado – dia litúrgico de S. Agostinho (santo do norte de África, hoje não-cristão) – contém denúncias e desafios, projetos e provocações, riscos e recomendações.

Vejamos cada um destes paralelos:

1. Denúncias e desafios. Que grande contraste encontramos nestas palavras do Papa com as posições de certos políticos ditos da área do cristianismo: essas posições cheiram mesmo a pecado. Diz o Papa: «há quem trabalhe sistematicamente com todos os meios para afastar os migrantes – para afastar os migrantes. E isto, quando é feito de modo consciente e responsável, é um pecado grave». Digo, do ponto de vista da prática religiosa e concretamente ao abeirar-se para a comunhão eucarística: se, um desses políticos que têm vindo a acirrar as pessoas contra os imigrantes, viesse para comungar, recusar-lhe-ia dar a hóstia (com Jesus sacramentado), pois não pode receber o Cristo feito comunhão quem gera e faz divisão e mesmo anuncia atrocidades para com os seus irmãos, mesmo que estes nem sejam crentes e tão pouco cristãos. Não podemos brincar com conceitos nem ser fomentadores da violência tácita ou explícita…como alguns políticos são e, desgraçadamente, se comportam.

2. Projetos e provocações. De muitas e variadas formas o Papa Francisco tem vindo a colocar no centro das suas preocupações tantos e tantos concidadãos do mundo que sucumbem ao procurarem melhores condições de vida ou ao fugirem da perseguição e da miséria. Referiu na audiência que estamos a seguir: «Na era dos satélites e dos drones, há homens, mulheres e crianças migrantes que ninguém deve ver: escondem-nos. Só Deus os vê e ouve o seu clamor. E esta é uma crueldade da nossa civilização». Isto dever-nos-ia envergonhar como cultura e como civilização, na medida em que uns tantos exploram outros e uma fatia significativa de pessoas continua a ser explorada. Esses seres humanos são desumanizados em razão dos mais funestos e ignóbeis interesses e com a conivência silenciosa de quase todos…

3. Riscos e recomendações. Segundo dados disponíveis, em Portugal, atualmente, os imigrantes asseguram muitos dos serviços e trabalhos: na construção civil, na restauração e turismo, pesca e agricultura… e noutros serviços que os portugueses já não querem fazer e que, em tempos remotos, foram realizar nos países para onde emigraram. Efetivamente, as coisas mudam e as tarefas menos agradáveis são deixadas para outros que, por vezes, são considerados numa escala social inferior. Como referiu o Papa na audiência que estamos a seguir: «estes homens e mulheres corajosos são sinal de uma humanidade que não se deixa contagiar pela cultura negativa da indiferença e do descarte: o que mata os migrantes é a nossa indiferença, a atitude de descarte». De facto, entraríamos em colapso social e demográfico se nos faltassem os imigrantes. Por isso, soa a falta de senso o que certas forças partidárias dizem dos imigrantes, embora alguns nada seriam se não tivessem sido emigrantes ou quando estudaram no estrangeiro.

4. Urge, portanto, mudar de registo, aprendendo com as circunstâncias de cada tempo e com as condicionantes de cada lugar. Se assim não for estaremos sempre desarticulados da História, toda ela feita de grandes ou de pequenas migrações… Esta riqueza engrandece-nos e faz-nos ser humildes!



António Sílvio Couto

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