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segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Abrir ‘porta santa’ numa cadeia…no ano jubilar

 


«No Ano Jubilar, seremos chamados a ser sinais palpáveis de esperança para muitos irmãos e irmãs que vivem em condições de dificuldade. Penso nos presos que, privados de liberdade, além da dureza da reclusão, experimentam dia a dia o vazio afetivo, as restrições impostas e, em não poucos casos, a falta de respeito. Proponho aos Governos que, no Ano Jubilar, tomem iniciativas que lhes restituam esperança: formas de amnistia ou de perdão da pena, que ajudem as pessoas a recuperar a confiança em si mesmas e na sociedade; percursos de reinserção na comunidade, aos quais corresponda um compromisso concreto de cumprir as leis.

Trata-se de um apelo antigo que, provindo da Palavra de Deus, permanece com todo o seu valor sapiencial ao invocar atos de clemência e libertação que permitam recomeçar (…). A fim de oferecer aos presos um sinal concreto de proximidade, eu mesmo desejo abrir uma Porta Santa numa prisão, para que seja para eles um símbolo que os convida a olhar o futuro com esperança e renovado compromisso de vida» (Francisco, ‘Spes non confundit’, bula de proclamação do Jubileu ordinário do ano 2025, n.º 10).

1. Esta citação da bula papal fez-me vir à lembrança e trouxe-me à reflexão, perante os acontecimentos recentes da evasão de uns presos – dizem que perigosos – de uma cadeia de alta-segurança, em Portugal. Com efeito, precisamos de estar mais atentos a esta realidade humana e social. Os cerca de doze mil presos nas quase cinco dezenas de cadeias deveriam merecer mais atenção de todos, desde a família até aos responsáveis políticos e judiciais, sem esquecer as sociedades de onde são provenientes esses encarcerados. Quantas vezes, os ‘nossos presos’ são ostracizados por aqueles que os conhecem, como se fossem novos leprosos, irrecuperáveis e perdidos para sempre. Esta mentalidade é bem mais comum do que se julga, tanto consciente como inconscientemente.

2. De facto, a passagem de alguém pela cadeia para corrigir os erros, para reparar as falhas, para compensar a sociedade deixa marcas nas pessoas que foram vítimas ou réus de encarceramento. Por vezes somos tentados a olhar mais para as consequências do que para as causas que levaram alguém à ‘escola da cadeia’: o ambiente, as condições ou as circunstâncias que conduziram à delinquência podem contar menos do que a criação de condições de recuperação de quem entrou no mundo da criminalidade. Já dizia S. Agostinho na sua sábia experiência: em cada um de nós reside o maior santo ou o pior criminoso, tudo depende das circunstâncias de cada qual….

3. Apesar das contingências de trabalho com presos, há em muitas dioceses, pessoas que se ocupam com os detidos e também com as suas famílias: aos primeiros se vai chamando visitadores, aos segundos pouco de visível se vê na prática. É cada vez mais necessário olhar par este setor humano e social, procurando fazer com que os presos, nas suas diferentes etapas de recuperação, sintam que nem todos os condenam, mesmo que possam ter praticado algo que os levou a serem privados da liberdade.

4. Colhemos uma sugestão do Papa Bento XVI, na exortação apostólica pós-sinodal ‘Sacramentum caritatis’ sobre a Eucaristia, fonte e ápice da vida e da missão da Igreja: «A tradição espiritual da Igreja, na esteira duma concreta afirmação de Cristo (Mt 25, 36), individuou na visita aos presos, uma das obras de misericórdia corporais. Aqueles que se encontram nesta situação têm particularmente necessidade de ser visitados pelo próprio Senhor no sacramento da Eucaristia; experimentar a solidariedade da comunidade eclesial, participar na Eucaristia e receber a sagrada comunhão num período da vida tão especial e doloroso pode seguramente contribuir para a qualidade do seu caminho de fé e favorecer a plena recuperação social da pessoa. Interpretando votos formulados na assembleia sinodal, peço às dioceses para providenciarem que haja, na medida do possível, um conveniente investimento de forças na atividade pastoral dedicada ao cuidado espiritual dos presos». Temos um largo e longo caminho a fazer. Não adianta julgar os presos, precisamos de os ajudar a fazer o seu caminho de fé, descobrindo Deus que os ama e a Igreja que cuida deles.



António Sílvio Couto

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