Parece
ter chegado a hora, tão ansiada e necessária: por ocasião da pandemia de
‘covid-19’ a maioria das festas religiosas foram suspensas – pelo menos na
forma mais comum e habitual – e muitas outras um tanto reformuladas à mistura
com a possibilidade de corrigir tantos dos erros que fomos somando…
Vou
contar uma experiência vivida por estes dias.
Em razão
de articular as datas para uns dias de descanso ou mais de mudança de ares,
mais uma vez pude estar nas festas da padroeira da minha terra-natal. Só
participei na missa, celebrada no aprazível adro da igreja paroquial, onde
dezenas de pessoas estavam em relativo silêncio e compostura, sob um intenso
calor que nos fustigou nos dias mais recentes. Foi o principal ato da festa e à
hora em que, habitualmente, saía a procissão. Registo vários aspetos que me
edificaram, tanto mais que nos anos transatos tudo foi bem diferente: a
quantidade e o respeito das pessoas – noutros anos era tal a bagunça dentro da
igreja, que mais parecia que estávamos numa feira mal organizada; a serenidade
de todos, desde os celebrantes até à assembleia – noutros anos mais pareciam
baratas-tontas em frenesi desconexo; a postura de silêncio, mesmo no espaço
exterior ao templo – noutros anos era confrangedor o desrespeito e até a banalidade
dos atos religiosos â mistura com alguma superficialidade (de gestos ou de
atitudes) durante a procissão, mais parecendo um desfile etnográfico do que uma
celebração religiosa…
Atendendo
a estes aspetos de diferença entre a ‘festa’ deste ano e as de anos anteriores,
creio que poderemos sugerir algumas vertentes a ter em conta na organização,
vivência e prossecução das ‘festas religiosas’ naquilo que têm de específico e
no que é (ou deve ser) a honra dos santos/as, da veneração de Nossa Senhora ou
no culto a Jesus… Estamos a falar das festas religiosas e não das de índole
popular onde esta vertente de alguma fé não está claramente presente.
* Custos das festas – naquilo que são os
gastos económicos teremos de saber os montantes que são envolvidos em
foguetório, em diversões ditas de interesse público, em ‘artistas’ pagos a peso
de encomenda…sem esquecer se percentagem com as coisas religiosas está correta
e adequada àquilo que dá cobertura à festividade…mais do que verificar as
contas é essencial não deixar estas por mãos ardilosas para o lucro ou, pior,
para o desvio sem prestação final e pública dos resultados… Há defeitos a
corrigir antes que continuemos a dança de novos episódios…menos dignos no passado.
* Sinais populares da festa – com que
rapidez se escondem os motivos de fazer festa (imagem do festejado/a),
emergindo do cartaz figuras e figurões quase transversais a outros locais,
ficando ofuscado quem motiva a festa e aquilo que é mais específico em cada
terra…vender-se aos cançonetistas de má qualidade não faz isso ser festa
religiosa e muito menos marca a diferença pela positiva.
* Cuidar das manifestações de fé –
reduzidas nem que seja à versão de ‘missa e procissão’ não se podem confundir
com cerimónias secundárias, na medida em cada uma se deve distinguir das
outras. Por isso, não se pode entregar a habilidosos/as mais ou menos
tradicionais (ignorantes quanto baste) a feitura e execução desses momentos
específicos de cada festa, mesmo em cada ano… Torna-se urgente saber quem vai
na procissão, identificando os santos/as e outras figuras, pois deixar o
desfile passar sem nexo pode tornar-se uma perda de oportunidade de
evangelização cristã e católica.
* Investir na preparação – todos sabemos
que qualquer acontecimento vale mais pela preparação do mesmo do que pela sua
execução. Também as festas religiosas precisam de serem bem preparadas através
de um tempo próximo, de novena, de tríduo ou mesmo de vigília. Isso é muito
mais do que alindar as ‘pratas’ ou limpar os mantos, passa pela motivação
pessoal e comunitária para a celebração da festa. Se temos, normalmente, ao
nível humano algo que nos faz estar em festa por antecipação, quanto mais isso
deve acontecer ao nível espiritual… de outro modo a festa não passará de um
episódio e não de algo marcante de todos…ao ritmo anual e social.
= Numa
palavra: o povo precisa de festa, mas não pode aceitar que lhe deem o que é
mais fraco ou até de má qualidade. Agora que podemos reformular tantos dos
aspetos menos bons do passado, seria perder esta oportunidade de renovar e não
de recauchutar o já visto. Assim sejamos dignos de identificar os sinais de
mundanismo nas nossas festas religiosas e de corrigi-los sem apelo nem agravo!
António Sílvio Couto
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