Os mais recentes acontecimentos na Europa e no mundo – atentados e
terrorismo, medos e cataclismos – trouxeram à luz do dia uma espécie de
pantanal em que temos vivido e em que estamos a afundar-nos: o acentuar da
visão singular (individualista) de cada pessoa perante os constantes desafios à
força comunitária de todos.
Vivemos, com efeito, num ambiente onde cada um quer ver valorizada cada vez
mais a sua pessoa nem que para isso tenha de molestar/ofender os outros…da
forma que lhe for mais ou menos conveniente. Vivemos numa (quase) irremediável
tentação de nos apegarmos a nós mesmos, impondo aos outros os nossos gostos,
feitios e modos de ser…egoístas, egocêntricos e melindrosos!
Nos mais variados campos de presença da pessoa humana, vemos serem impostos
a todo o custo os direitos individuais, criando uma atmosfera de imensos egos
em conflito e com ânsias de protagonismo… desmedido e intolerante à oposição.
As mais recentes leis de teor fraturante, aprovadas no Parlamento, não passam,
nesta perspetiva, de tentáculos duma certa ‘ditadura do eu’, onde os interesses
minoritários mais agressivos e contestatários se sobrepõem ao todo mais sensato,
de bom-senso e culturalmente humanista.
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Misericórdia: da assunção das falhas à vitória…com Jesus
Estando a preparar, no Advento, a celebração do Natal, sentimos que temos
de descobrir nos outros aqueles/as a quem estendemos a mão e que nos acolhem e
suportam em suas mãos. Daí surgirá uma abertura à cadeia de simplicidade, que
nos faz sentir os outros em fraternidade e a vivenciar o que há de mais
genuíno: apesar de limitados temos uma história comum, iniciada, mais
radicalmente, em Jesus Cristo e continuada em Igreja pela comunhão na fé, pela
esperança e na caridade.
A vivência do ‘ano jubilar da misericórdia’ – que tem início no próximo dia
8 de dezembro – será, então, uma oportunidade para descobrirmos nas nossas
falhas, erros e até pecados, a imensa possibilidade de construirmos, onde quer
que nos possamos encontrar, uma vitória das marcas divinas mais profundas: no
rosto de cada homem/mulher havemos de descortinar a beleza da compaixão, do
perdão e da paz. Com efeito, há sinais que temos de fazer brilhar, valorizando
mais aquilo que nos une do que aquilo que nos possa separar. Somos mendigos da
misericórdia, mas somos enviados a testemunhá-la, se a tivermos experimentando
em nós mesmos.
Será quando nos sentirmos amados que poderemos difundir, ao longe e ao
largo ou ao perto e muito próximo, a misericórdia divina nas relações humanas…mais
básicas e essenciais.
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Compaixão: abertura à diferença…
A ‘invasão’ de refugiados com que a Europa tem estado lidar, deveria
levar-nos a refletir sobre múltiplas dimensões de abertura à diferença. Com
efeito, muitos daqueles que conseguiram chegar ao espaço europeu não passam de
uns tantos beneficiados com as possibilidades em porem-se a caminho, fugindo às
agruras – que vamos conhecendo, noticiosamente, muito mal! – económicas e
sociais, às perseguições políticas e religiosas…à confusão que certos interesses
europeus criaram ao depor ‘ditadores’ e opositores ao expansionismo ocidental,
abandonando, posteriormente, as populações aos destinos mais incertos e
inseguros.
Sobretudo, nós portugueses, com mais de cinco milhões de emigrantes, temos
de saber acolher quem nos possa procurar. Há razões de teor humanista que nos
devem fazer estar nesta abertura. Há razões até de âmbito demográfico, pois o
envelhecimento ultrapassa os nascimentos. Há razões de natureza económica, pois
o futuro da segurança social corre risco de colapso à falta de novos
descontantes. Há situações de justiça, pois, se antes fomos recebidos, agora
temos de retribuir a outros o que nos fizeram…
Só quando formos capazes de sair do nosso casulo egocêntrico é que
perceberemos as necessidades dos outros. Só quando passarmos do singular – individualista,
materialista e hedonista – para a dimensão do outro/a em convivência
comunitária é que seremos pessoas livres e responsáveis, atentas e solidárias…capazes
de dar e de receber. Estendamos a mão aos outros!
António Sílvio Couto
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