Parece, cada vez mais acentuada, a dessincronia de
linguagem entre tantas expressões culturais em confronto: com facilidade são
usadas as mesmas palavras, mas os significados atribuídos são díspares; são
utilizadas as mesmas palavras (mais parecem só fonemas), mas cada qual lhes dá
a significância que lhe interessa; são colocadas na linguagem de conversa
ideias que não passam de atropelos de uma certa mentalidade mais ou menos
capciosa quanto ao interlocutor, que mais parece inimigo…
1. Fique desde já uma declaração de desinteresse:
muitos dos factos, das situações e dos episódios deambulam pelas (ditas) ‘redes
sociais’, que não frequento, mas das quais ouço ressonância dos casos mais
virais – termo perigoso, pois pode ser um desses vírus que minam a sociedade,
sem nos darmos conta – isto é, aos quais dão interesse e/ou importância, mas
que não passariam de notas de rodapé numa cultura de maior respeito de todos
por todos…
2. Numa reportagem sobre uma ‘missa nova’ – celebrada
depois da ordenação do padre, normalmente, na sua terra natal – a mãe de dois
padres gémeos referiu uma coisa que me deixou a refletir: se a pessoa não for
católica, com dificuldade compreenderá que isto de dar um filho (no caso são
dois) a Deus para ser padre é uma graça… Efetivamente para a maior parte das
pessoas, imbuídas de espírito do mundo e com mentalidade hedonista de posse,
com critérios materialistas de felicidade e, sobretudo, com comportamento onde
Deus não conta, aquilo que esta mãe disse e fez soa a anacrónico, senão
incompreensível…para muitos/as!
3. Circula nas tais redes sociais um pequeno vídeo,
no qual se vê um padre a recusar dar a comunhão – isto é, em colocar na mão a
hóstia consagrada a um ‘noivo’ que não estaria minimamente preparado para o
ato, tendo recebido uma ténue bênção, dada pelo padre e sob um certo esgar de
riso do não-comungante.
Por sinal conheço o dito padre. Não me parece que
entraria numa brincadeira como aquela que quiseram passar no breve excerto de
segundos. Pior foi a ‘inspirada’ e contundente reação do apresentador de
programa televisivo, onde estavam presentes os tais ‘noivos’. Do alto da sua
ignorância, ousou pronunciar-se: o que o padre fez merece repulsa, pois não se
deve negar a comunhão a ninguém, seja ou não batizado, tenha-se ou não
confessado…Deus veio para todos!
Esta declaração do tal apresentador – que se
declara ‘católico’, quando lhe convém – está eivada de vários erros, de
preconceitos e, sobretudo, de muita ignorância.
- Erros: a comunhão eucarística é para batizados,
que manifestem as devidas disposições de receber a comunhão. A aproximação à
comunhão eucarística tem exigências de preparação condigna do Senhor que nos é
dado, entre as quais a confissão sacramental.
- Preconceitos: lavrar a sentença de condenação
sobre quem não faz aquilo que acha que lhe é favorável. Com efeito, o padre
deverá cuidar que, quem recebe Jesus na comunhão eucarística, o faça nas
devidas disposições e não só para a fotografia, como se depreende do vídeo divulgado.
- Ignorância: estes temas trazidos para a
vulgaridade de certos programas televisivos não ajuda nem credibiliza a
seriedade de ninguém…e muito menos de quem de praticante só manifesta a
intenção!
4. É incontornável a dificuldade que vemos em ser
aceite por uma razoável maioria as orientações da Igreja católica. Para muitos
isso funciona como desculpa, pois, enquanto se demarcam dessas orientações –
regras, leis, dogmas ou normativas morais – cada qual pode fazer o que lhe
apetece e – como dizia o Papa Bento XVI – viver como se Deus não existisse.
Seria como essa imagem da avestruz que, metendo a cabeça na areia, o perigo
passaria. A dita ‘cristandade profana’ semeou muitos tiques de fazer o que
quero e não me submeter ao que me constrange. Ainda mais abusivo será: recebo
os benefícios de uma pretensa sociedade cristã, mas vivo ao ritmo daquilo que
quero e me agrada. Veja-se o que acontece com os ‘feriados religiosos’, que
implicam a participação nos atos religiosos católicos ‘de preceito’ (isto é, de
regra), mas cada um faz desses dias para usufruir um certo descanso que não
teriam se não houvesse ‘feriado’!
António
Sílvio Couto