Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sexta-feira, 29 de julho de 2022

Por que não há preces pela chuva?

 


Em tempos não muito recuados era costume, quando não chovia o suficiente, os responsáveis da Igreja católica promoverem preces públicas e privadas em favor da chuva, suplicando esse dom divino – vindo do Alto – para os campos e o necessário à vida em condição terrena.

Agora que o país está em seca extrema – algumas barragens estão a menos de 10% de cota habitual – não vimos o mínimo aceno para esta faculdade de fé seja posta em ato… nada nem nas zonas mais rurais e, segundo se julga, mais crentes nas coisas da natureza…

 1. Em anos de grande estiagem – como por exemplo em 2017 ou em 2005 – foram tomadas iniciativas de oração pela chuva, numa súplica muito mais do que mágica para com este dom da natureza. Por que razão não se desenvolveram iniciativas idênticas este ano: por falta de fé ou por medo de cairmos num certo ridículo de elevarmos ao Céu nossos pedidos? Não andaremos mais racionalistas e, por isso, menos voltados para o divino e a confiança n’Ele? Até onde irá este clima de não-crença e de não recorrermos ao Céu para nos que nos dê a chuva que tanto precisamos?

 2. Deixamos uma proposta de oração pela chuva, que nos foi deixada pelo Papa Paulo VI, no Angelus de 4 de julho de 1976.

Deus, nosso Pai, Senhor do Céu e da Terra (Mt 11, 21),
Tu és para nós existência, energia e vida (At 17, 2).
Criaste o homem à Tua imagem (Gn 1, 27-28)
a fim de que com o seu trabalho ele faça frutificar
as riquezas da terra colaborando assim na Tua criação.
Temos consciência da nossa miséria e fraqueza:

nada podemos fazer sem Ti (Jo 15, 5).
Tu, Pai bondoso, que sobre todos fazes brilhar o sol (Mt 5, 45)
e fazes cair a chuva,
tem compaixão de todos os que sofrem severamente
pela seca que nos ameaça nestes dias.
Escuta com bondade as orações que Te são dirigidas
com confiança pela Tua Igreja (Lc 4, 25),
como satisfizeste súplicas do profeta Elias (1 Rs 17, 1)
que intercedia em favor do Teu povo (Tgo 5, 17-18).
Faz cair do céu sobre a terra árida a chuva desejada

a fim de que renasçam os frutos (Tg 5, 18)
e sejam salvos homens e animais (Sl 35, 7).
Que a chuva seja para nós o sinal da Tua graça e da Tua bênção:

assim, reconfortados pela Tua misericórdia (cf. Is 55, 10-11),

dar-te-emos graças por todos os dons da terra e do céu,
com os quais o Teu Espírito satisfaz a nossa sede (Jo 7, 37-38).
Por Jesus Cristo, Teu Filho, que nos revelou o Teu amor,

fonte de água viva, que brota para a vida eterna (Jo 4, 14).

Amen.   

 3. Creio que está na hora de deixarmos cair as peias/teias da nossa incredulidade e de nos voltarmos para o Céu. Basta de queremos controlar tudo – incluindo a mãe-Natureza – sem deixarmos uma nesga de fé nas coisas do nosso quotidiano.

Como dizia alguém que participou num tempo de prece pela chuva: rezemos e levemos o guarda-chuva com a mesma fé e confiança…

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 28 de julho de 2022

De perdão em ‘perdões’... até onde?

 


Temos vindo a assistir, sobretudo por parte da Igreja católica e dos Papas em particular, a inúmeros pedidos de ‘perdão’, pelas mais diversas razões, sob a tutela de díspares razões e ao alcance de holofotes públicos sem imoderação. Embora não sejam questões do foro teológico-dogmático, muitos desses ‘perdões’ estão – na minha perspetiva – eivados de um forte erro: a descontextualização histórica.

Não está, minimamente, em causa o questionamento da utilidade – nalguns casos mais social e moral (ética) do que com outra tonalidade – destes ‘perdões’, mas podemos colocar uma outra leitura que não poderá (ou não deverá) ficar fora da repercussão desses gestos… na Igreja e para com o mundo.

 1. Não estaremos – à semelhança de outras visões da História – a distorcer a leitura dos factos sem os enquadrarmos no seu tempo? Não estaremos a servir mais os intentos de certas ideologias, mesmo na revisão que fazem da ‘sua’ história? Não andaremos a gastar tempo com revisionismos mais ou menos perigosos, quando não soubemos interpreter a nossa posição ao tempo dos acontecimentos? Não parece que nivelamos os ´perdões’, como se fossem todos iguais ou tivessem o mesmo alcance histórico, moral ou espiritual?

 2. A vaga de ´perdões’, por parte da Igreja católica, teve um maior incremento por ocasião do «Jubileu do ano 2000» e protagonizada pelo Papa João Paulo II, ao tempo inserida na vertente da purificação da memória como um dos itens da vivência jubilar. Nessa época boa parte dos ‘perdões’ configuravam questões de índole religiosa, quando ao passado da Igreja e do relacionamento com outros grupos religiosos. Aqui se situaram o tema recorrente da inquisição e a forma como o papado tinha lidado com os judeus, ao tempo da segunda guerra mundial…  

 3. Foi com o novo milénio que emergiram em catadupa acusações – muitas delas silenciadas e/ou encobertas por longo e demasiado tempo – envolvendo feridas, mau-comportamento (à luz dos valores cristãos de sempre), injustiças e, porque não, crimes contra pessoas indefesas, em especial crianças e adolescentes… numa onda de ‘abusos’ transversais em várias partes do mundo. Foi num misto de espanto e de incredulidade que vimos serem apresentados casos e situações, referidas pessoas e muitos responsáveis que sairam do anonimato pelas razões mais execráveis e quase-incompreensíveis.

 4. De uma forma neo-inquisitorial tudo e todos ficaram sob suspeita, quase tendo quem quer que seja de provar o contrário. Esta onda varreu inaplacavelmente quase todas as estruturas da Igreja católica, desde paróquias a seminários, de colégios a congregações, movimentos laicais e estruturas de assistência…ao nível diocesano ou mesmo na Santa Sé, notando-se um farejar acusatório a roçar o doentio em certos setores na Igreja e mesmo da sociedade em geral.

 5. Num esforço titânico, o Papa Francisco como que se lançou a traçar linhas de denúncia, a criar mecanismos diocesanos e da Igreja universal, por forma a não deixar a mais pequena sensação de que (se) estaria de acordo com o passado recente (umas vezes próximo e noutras mais alargado nas intenções) de concordância com este flagelo dos membros da Igreja. Se isso colheu alguma concordância e admiração das entidades seculares, no seio da Igreja foram surgindo engulhos – sobretudo na abrangência ao questionar o sigilo de confissão – quanto à utilidade, à serenidade e à razoabilidade – de tais medidas. Qual a fronteira entre o conhecer tais casos em função do sacramento da confissão e à exigência de reportar o que se sabe às autoridades judiciais do mundo?

 6. Desgraçadamente temos visto uma leitura excessivamente social da função da Igreja católica no mundo. Certas forças (de dentro e de fora) quedam-se mais pelo trabalho horizontal da Igreja e como que se esquecem da função evangelizadora – da Palavra e da missão – em que a Igreja foi investida por Jesus. Não teremos,em breve, de pedir perdão a Deus e aos outros por nos andarmos a esquecer desta tarefa específica?   

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 25 de julho de 2022

Esbanjar comida, até quando?

 


A cena conta-se de forma breve…as reflexões podem ser mais extensas e complexas.

Na esplanada de um café, numa região de veraneio, estavam mãe (jovem) e filha de poucos anos (talvez menos de três) diante de um prato com piza. Passada cerca de meia hora, ambas saem, ficando no prato a piza quase inteira – a petiz mal tocou na comida – e ambas abalaram, deixando atrás de si um rasto de comida abandonada, certamente tendo pago e um restolho de questões…pelo menos para mim, mais em nítido juízo e em busca de ter capacidade de compreensão.

 1. Não havia necessidade de desperdiçar daquela forma comida, que podia servir para tantos outros – crianças incluídas – que, a essa mesma hora, passavam fome sem culpa nem razoabilidade. Terá havido desconexão entre o que se desejava comer e a capacidade de absorção do repasto apresentado? Houve erro de cálculo ou, como se diz na expressão: ‘mais olhos do que barriga’? Será admissível que, desde pequeno, não se seja educado para não confundir os desejos com as possibilidades? Até que ponto aquela mãe será capaz de exigir à filha que seja comedida naquilo que quer, se não é suficientemente pedagógica para articular os gastos com os proveitos? Mesmo que possam ter meios económicos para esbanjar, há sempre um pouco de senso que é preciso minimamente exercitar…

 2. Poderá alguém contrapor que aquela mãe tem direito a fazer do seu dinheiro o que bem achar e que estas preocupações um tanto moralistas podem esbarrar com os direitos individuais e o usufruto de tais regalias. Não está em causa saber conciliar as posses com os excessos, mas tão-somente questionar eu sociedade estamos a criar, onde se olha mais para os interesses de circunstância do que para as possibilidades geridas ou a gerar. Efetivamente temos vindo a notar que as pessoas se limitam mais ao reivindicar dos seus direitos do que para a abrangência da sua situação em sociedade. Os tempos são outros, as pessoas não foram educadas para a parcimónia, mas antes para a exibição; não foram ajudadas para a contenção, mas para uma quase-concorrência sem olhar a meios; não foram instruídas na poupança, mas antes no gastar-sem-olhar-a-meios, dando quase a entender que alguém (abstrato, sem rosto nem figuração) há de pagar quando elas entrarem em incumprimento… Será isto utopia ou já é forma de ver e de viver de tantos dos nossos contemporâneos?

 3. Escrevo por ocasião do ‘dia dos avós’ e neles vejo muito do contrário ao episódio supra referido. De facto, boa parte dos nossos avós vive mais na contenção e na poupança do que no esbanjamento e na irreflexão sobre o amanhã. Com efeito, já passaram as suas dificuldades e quase nada lhes foi dado sem muito sacrifício.

Bastará aqui lembrar a breve conversa de dois velhos (avós ou não) com outros mais novos, quando estes questionavam a forma como eles aproveitavam as coisas, não deitando fora nada nem mesmo as loiças partidas; ao que os mais velhos responderam: fomos habituados a consertar tudo e a não deitar fora nada, mesmo nas relações de uns com os outros…aprendemos a remendar.

 4. Diria que é algo que configura a faceta de criminoso aquilo que se tem vindo a verificar no nosso país e de uma forma mais ostensiva com certas tendências ideológico-partidárias – como aqueles que nos governam desde há quase uma década – criando-se a visão de que se pode ganhar mais, mesmo sem se produzir mais; de ter melhores salários, sem haver riqueza que tal suporte; de lançar dinheiro sobre os problemas, sem se perceber qual o engano em que se labora ou a mentira em que se vive… Vemos mais ser acirrado o consumo do que incentivada a poupança – por mui parca que possa ser – numa feira de vaidade, onde cada um parece mais querer mostrar o que parece do que ser o que, de verdade, é.

 5. A curto prazo pagaremos a fatura de tal esbanjamento, pois não tendo sido educados para a dificuldade, muitos dos mais novos entrarão em colapso psicológico e mental. Como diziam os mais velhos, anos após os racionamentos da segunda guerra mundial: Deus queira que esse tempo não volte…mas seria útil por um dia!    

 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 22 de julho de 2022

Mentalidade, linguagem… (in)compreensão


Parece, cada vez mais acentuada, a dessincronia de linguagem entre tantas expressões culturais em confronto: com facilidade são usadas as mesmas palavras, mas os significados atribuídos são díspares; são utilizadas as mesmas palavras (mais parecem só fonemas), mas cada qual lhes dá a significância que lhe interessa; são colocadas na linguagem de conversa ideias que não passam de atropelos de uma certa mentalidade mais ou menos capciosa quanto ao interlocutor, que mais parece inimigo…

 1. Fique desde já uma declaração de desinteresse: muitos dos factos, das situações e dos episódios deambulam pelas (ditas) ‘redes sociais’, que não frequento, mas das quais ouço ressonância dos casos mais virais – termo perigoso, pois pode ser um desses vírus que minam a sociedade, sem nos darmos conta – isto é, aos quais dão interesse e/ou importância, mas que não passariam de notas de rodapé numa cultura de maior respeito de todos por todos…

 2. Numa reportagem sobre uma ‘missa nova’ – celebrada depois da ordenação do padre, normalmente, na sua terra natal – a mãe de dois padres gémeos referiu uma coisa que me deixou a refletir: se a pessoa não for católica, com dificuldade compreenderá que isto de dar um filho (no caso são dois) a Deus para ser padre é uma graça… Efetivamente para a maior parte das pessoas, imbuídas de espírito do mundo e com mentalidade hedonista de posse, com critérios materialistas de felicidade e, sobretudo, com comportamento onde Deus não conta, aquilo que esta mãe disse e fez soa a anacrónico, senão incompreensível…para muitos/as!  

 3. Circula nas tais redes sociais um pequeno vídeo, no qual se vê um padre a recusar dar a comunhão – isto é, em colocar na mão a hóstia consagrada a um ‘noivo’ que não estaria minimamente preparado para o ato, tendo recebido uma ténue bênção, dada pelo padre e sob um certo esgar de riso do não-comungante.

Por sinal conheço o dito padre. Não me parece que entraria numa brincadeira como aquela que quiseram passar no breve excerto de segundos. Pior foi a ‘inspirada’ e contundente reação do apresentador de programa televisivo, onde estavam presentes os tais ‘noivos’. Do alto da sua ignorância, ousou pronunciar-se: o que o padre fez merece repulsa, pois não se deve negar a comunhão a ninguém, seja ou não batizado, tenha-se ou não confessado…Deus veio para todos!

Esta declaração do tal apresentador – que se declara ‘católico’, quando lhe convém – está eivada de vários erros, de preconceitos e, sobretudo, de muita ignorância.

- Erros: a comunhão eucarística é para batizados, que manifestem as devidas disposições de receber a comunhão. A aproximação à comunhão eucarística tem exigências de preparação condigna do Senhor que nos é dado, entre as quais a confissão sacramental.

- Preconceitos: lavrar a sentença de condenação sobre quem não faz aquilo que acha que lhe é favorável. Com efeito, o padre deverá cuidar que, quem recebe Jesus na comunhão eucarística, o faça nas devidas disposições e não só para a fotografia, como se depreende do vídeo divulgado.

- Ignorância: estes temas trazidos para a vulgaridade de certos programas televisivos não ajuda nem credibiliza a seriedade de ninguém…e muito menos de quem de praticante só manifesta a intenção!

 4. É incontornável a dificuldade que vemos em ser aceite por uma razoável maioria as orientações da Igreja católica. Para muitos isso funciona como desculpa, pois, enquanto se demarcam dessas orientações – regras, leis, dogmas ou normativas morais – cada qual pode fazer o que lhe apetece e – como dizia o Papa Bento XVI – viver como se Deus não existisse. Seria como essa imagem da avestruz que, metendo a cabeça na areia, o perigo passaria. A dita ‘cristandade profana’ semeou muitos tiques de fazer o que quero e não me submeter ao que me constrange. Ainda mais abusivo será: recebo os benefícios de uma pretensa sociedade cristã, mas vivo ao ritmo daquilo que quero e me agrada. Veja-se o que acontece com os ‘feriados religiosos’, que implicam a participação nos atos religiosos católicos ‘de preceito’ (isto é, de regra), mas cada um faz desses dias para usufruir um certo descanso que não teriam se não houvesse ‘feriado’!

 

António Sílvio Couto 

quarta-feira, 20 de julho de 2022

‘Óculos de Penafiel’

Foi com surpresa que ouvimos um treinador de futebol luso a dizer no Brasil: procurem entender o que significa – ‘óculos de Penafiel’… Ele falava num comentário à apreciação que dele tinham feito, na comunicação fofoqueira do outro lado do Atlântico, uns certos detratores da sua prestação – embora bastante vencedora – a consideravam mesmo assim suscetível de críticas…

1. A expressão ‘óculos de Penafiel’ deu-me nos ouvidos e quis saber mais sobre a fundamentação social, económica e cultural da mesma. Colhi o seguinte de uma consulta na internet: ironicamente, os habitantes de Penafiel (Portugal) são conhecidos como "albardeiros" porque o fabrico de albardas era uma atividade tradicional naquela cidade. Por este motivo, os «óculos de Penafiel» correspondem às palas que os burros usam nos olhos de modo a que concentrem a atenção no caminho, visto que os herbívoros têm um largo campo visual lateral e, por isso, dispersam facilmente a atenção.

2. Que lições podemos recolher desta descrição? Que elementos compõem esta expressão? Onde poderemos entender, então, o recurso a esta expressão pelo tal treinador de futebol, por sinal oriundo daquela região? Quais serão as talas ou entreolhos que impedem certas pessoas de ver? Haverá entreolhos de vária qualidade e possível diversidade? Aqueles ‘óculos’ são recomendáveis ou dispensáveis?

3. É um facto que, hoje, as pessoas têm razoáveis dificuldades em serem capazes de perceberem as milhentas distrações a que estão submetidas. Com relativa dificuldade não conseguem concentrar-se ou fixarem a sua atenção no essencial. Precisamos de incentivar a educação para a capacidade de não nos derramarmos por coisas e/ou assuntos dispersos, que nos distraem e não nos permitem cuidar daquilo que é importante, isto é, de fazermos o essencial e de não andarmos ao ritmo do urgente.

4. Claramente temos de ter uma disciplina que não nos deixe viver na superficialidade, mas que tenhamos um método de mergulhar no mais importante das coisas, das situações, das pessoas e mesmo de nós mesmos. Com efeito, a capacidade de tocar vários instrumentos ao mesmo tempo não é tão comum como alguns desejariam, mas temos de aprender uma espécie de mentalidade de parafuso, que aperta sempre mais porque está interessado em ir ao fundo das questões, dos problemas, tanto pessoais como alheios.

5. Se quisermos convencer seja quem for não será com futilidades da era do ‘coppy-paste’, mas teremos de estar mais alicerçados na construção do pensamento e de uma linha de vida que pese bem as palavras a dizer e, particularmente, seja mais capaz de fazer pensar do que querer entreter com vulgaridades ou inutilidades sem consequência… Quem gasta tempo a cultivar a reflexão no seu dia-a-dia? Não seremos mais da verborreia do que do pensamento?

6. Os ‘óculos de Penafiel’ poderão e deverão ser recomendados muito mais do que só para os asinos da nossa praça, mas aconselháveis a quantos têm de atender ao bem dos outros, sem se derramarem pelas banalidades facebokianas com que tantas vezes nos entretemos e com as quais ocupamos muito do nosso tempo.

7. Felizmente o tal treinador português de futebol trouxe para a luz do dia uma expressão que contém mais do que críticas às críticas, mas faz-nos aprender a ver muito para além do visível aos olhos em observação. Tirem ou ponham os óculos, mas vejam em dimensão de mais Além…

António Sílvio Couto

domingo, 17 de julho de 2022

Festa de uns – incómodo de outros

 


Certamente já todos refletimos sobre a implicação dos nossos atos na vida dos outros e da incidência da forma de estar dos outros na nossa vida. É nesta independência que, por vezes, as festas coletivas interferem nas coisas mais ou menos simples do nosso quotidiano e não só.

As ditas ‘festas populares’ são um exemplo de como algo que pretensamente é para o bem de todos – diversão, convívio, partilha, alegria, etc. – podem ser úteis para uns tantos (maioria) e criarem incómodo, perturbação, desagrado de outros (minoria), interferindo na correta convivência social e/ou de grupo.

 1. Será que os promotores das festas se advertem das consequências dos seus atos? Não será que, na maior parte das vezes, fazem festa longe do lugar onde moram, não sentindo os efeitos – menos bons ou até nefastos – de tais atividades? Haverá o direito de constranger o bem-estar alheio pela pretensa festa? As diversas poluições não deveriam ser acauteladas para com as (potenciais) vítimas das tais festas?

 2. Depois de dois anos de pandemia parece que as manifestações de festa estão mais ruidosas e quase desrespeitadoras de uns para com os outros. Notam-se sinais de alguma agressividade no festejar, levando a alguns exageros. Mesmo quem ande um tanto distraído poderá perceber que se tenta recuperar o perdido, vendo-se excessos de comida e de bebida, de quase provocações ou de ultrapassar de limites, que antes não se colocavam nem se viam tão na fronteira...de quase-falta-de-educação-mínima.

 3. Na reintrodução de algumas festas ou na proposta de outras que foram tiradas das memórias mais ou menos antigas, temos vistos emergirem festas de sabor neopagão, em certas situações trazendo à liça manifestações pré-cristãs, senão mesmo anticristãs. O pior é que autarquias e comissões de festas colhem boa aceitação junto das populações como que relegando para as franjas do cultural aquilo que foi acrisolado pela mensagem cristã ou talvez bem camuflado durante séculos e agora assumido sem pejo nem rebusco.

Neste contexto poderá ser útil a releitura da mensagem da pregação de S. Martinho de Dume e aprofundar as causas para atendermos às consequências daquilo que se está a passar. Será de grande utilidade humana, cívica e cultural aprofundar as razões da sua obra – ‘De correctione rusticorum’ (sobre a correção dos rústicos) – onde se faz uma severa e atenta doutrinação contra certos hábitos eivados de paganismo e onde a mensagem cristã não conseguiu atingir o cerne dos problemas culturais e mesmo éticos...ontem como hoje.

 4. Será que a onda de mundanismo, que tem invadido a maior parte das nossas festas religiosas, pôs a manifesto que o processo de evangelização da Igreja católica abriu fendas ou deixou escapar uma espécie de falência? Não teremos andado a permitir que as (ditas) festas religiosas pouco mais não têm que um certo verniz, que, entretanto, estalou e deixou perceber o caruncho sobre o qual estava alicerçado? Não teremos andado a enganar-nos – consciente ou inconscientemente – com rituais vazios de fé, embora eivados de devoção e de outros adereços facilmente revertidos e outras coisas laicistas? Para além dos gastos irrisórios com as atividades de teor religioso, não andaremos a enganar o nosso povo com trejeitos de oportunismo de uns tantos sobre o resto mudo e surdo?

 5. Agora que parece ter passado a pandemia seria muito útil peneirar das nossas festas religiosas (ou com teor dito cristão) resquícios de paganismo tolerado. Mesmo que se reduza ao número de andores – nalguns casos parecia mais um motivo de vaidade do que de compromisso em fé – será urgente tornar cada santo/santa mensageiro/a de conversão na vida e não deixar que continue a procissão como um desfile de coisas menos adequadas à mensagem do Evangelho. Já reparamos que a maior dos ‘assistentes’ ao cortejo processional não conhece as imagens nele figuradas? Use-se de inteligência para apresentar, informar e educar quem participa (ou vê) na procissão...

Que a fé faça festa, mas que esta festa contenha fé consciente, esclarecida e comprometida!

 

António Silvio Couto

quinta-feira, 14 de julho de 2022

Emoção na cobertura dos incêndios

 


Mais um dia de incêndios. As coisas não melhoram antes se complicam com a onda calor que varre o país há dias. Quase todos os canais de televisão fazem ‘diretos’ a toda a hora e momento. Eis que, num desses diretos, toca a um jornalista com quem tive contacto noutras circunstâncias…em razão sua atividade profissional. Chamado a falar percebemos que a voz é diferente e as condições pessoais do cidadão-jornalista estão sob bastante pressão. Depois de termos ouvidos um certo relato dos acontecimentos, ouvimos a referência ao irmão do jornalista, como tendo sido um daqueles que tinha estado no socorro àquelas populações. Ele não foi capaz de conter a emoção e sentiu-se destabilizado pela alusão às vítimas daquele incêndio…seus conhecidos, vizinhos, familiares e até à referência às perdas pessoais pelas chamas…

 1. Quase pela primeira vez senti que isto de ser repórter – neste casos de incêndios – fica condicionado quando isso nos toca de perto ou mesmo na própria pele. Nem tudo é indiferente, quando aquilo de que falamos nos emociona, nos faz cair a máscara da distância e vivemos a proximidade das situações, das pessoas e até nos faz cair na noção de perda ao vivo…

 2. A panóplia de intervenções em maré de incêndios – é assim todos os anos – por parte de alguns jornalistas dá a impressão de fazer da maioria uma espécie de autómatos sem sensibilidade, truncados de sentimentos e numa quase-frieza a roçar o desumano. O enfoque das reportagens deixa um pouco a desejar sobre se não estaremos com pessoas que não passam de pés-de-microfone debitando números, casos ou possíveis intrigas. 

 3. O excesso de imagens, de perdas, de misérias, de consequências trágicas…sobre os incêndios parecem retratar um mundo onde os sentimentos foram narcotizados por uma espécie de espetáculo entre o tétrico e o feérico. Por muito que se pretenda fazer da informação quanto ao incêndios um espetáculo de baixa moral, não podemos pactuar com o recurso até à exaustão de quanto magoa e fere quem é vítima – direta ou indireta – dos incêndios de verão, cada ano e em cada época.

 4. Embora possa ser considerado de algum interesse público os incêndios não podem ser aproveitados só para trazer à liça as povoações onde eles acontecem, pois, se não aparecessem as localidades onde ocorrem, ninguém falaria daquelas terras, perdidas o resto do ano no esquecimento, no abandono e na desertificação crescente. Tenho a impressão – há longo tempo – que a maioria dos incêndios não se dariam com tanta vulgaridade, se deixassem de ser noticiados e de serem referidas as terras onde se verificam… Nalguns casos parece mais uma publicidade barata e com descontos…ao longo de algum tempo.

 5. Um problema se coloca em cada ano; qual a origem dos incêndios? Serão ‘naturais’ ou terão origem criminosa? Haverá quem ganhe com estas tragédias recorrentes em cada verão? A serem – como parecem na maior parte dos casos – de incidência humana, como poderão ser essas pessoas salvaguardadas do perigo na época dos incêndios? Não haverá alguma displicência, por parte das autoridades, com a desculpa do tempo quente-e-seco para deixar tudo na mesma, ano após ano? Por que não questiona a panóplia de meios exigidos de combate (carros, meios aéreos, pessoas e recursos) com tão reduzidos resultados?

 6. Neste fatídico ano de seca extrema, continuo a não compreender que se façam tantos momentos de diversão, quando uma significativa parte do país, sofre com os resultados dos incêndios. Tenho a impressão que será preciso mobilizar muito mais para a comunhão de sentimentos entre todos e não deixar à solta uns tantos que se consideram acima do resto, num misto de sobranceria e de insensibilidade ao sofrimento alheio: festivais e concertos, arraiais e romarias, foguetório e religião à mistura…dão a impressão de que o mundo rural, agrário e florestal é o parente pobre de um país vazio de critérios humanos, de posições cívicas e de espaços de compromisso de tudo com todos…

O jornalista em lágrimas deveria merecer mais atenção e consideração!

 

António Sílvio Couto