Mais um
dia de incêndios. As coisas não melhoram antes se complicam com a onda calor
que varre o país há dias. Quase todos os canais de televisão fazem ‘diretos’ a
toda a hora e momento. Eis que, num desses diretos, toca a um jornalista com
quem tive contacto noutras circunstâncias…em razão sua atividade profissional.
Chamado a falar percebemos que a voz é diferente e as condições pessoais do cidadão-jornalista
estão sob bastante pressão. Depois de termos ouvidos um certo relato dos
acontecimentos, ouvimos a referência ao irmão do jornalista, como tendo sido um
daqueles que tinha estado no socorro àquelas populações. Ele não foi capaz de
conter a emoção e sentiu-se destabilizado pela alusão às vítimas daquele
incêndio…seus conhecidos, vizinhos, familiares e até à referência às perdas pessoais
pelas chamas…
1. Quase pela primeira vez senti
que isto de ser repórter – neste casos de incêndios – fica condicionado quando
isso nos toca de perto ou mesmo na própria pele. Nem tudo é indiferente, quando
aquilo de que falamos nos emociona, nos faz cair a máscara da distância e
vivemos a proximidade das situações, das pessoas e até nos faz cair na noção de
perda ao vivo…
2. A panóplia de intervenções em
maré de incêndios – é assim todos os anos – por parte de alguns jornalistas dá
a impressão de fazer da maioria uma espécie de autómatos sem sensibilidade,
truncados de sentimentos e numa quase-frieza a roçar o desumano. O enfoque das
reportagens deixa um pouco a desejar sobre se não estaremos com pessoas que não
passam de pés-de-microfone debitando números, casos ou possíveis intrigas.
3. O excesso de imagens, de perdas,
de misérias, de consequências trágicas…sobre os incêndios parecem retratar um
mundo onde os sentimentos foram narcotizados por uma espécie de espetáculo
entre o tétrico e o feérico. Por muito que se pretenda fazer da informação
quanto ao incêndios um espetáculo de baixa moral, não podemos pactuar com o
recurso até à exaustão de quanto magoa e fere quem é vítima – direta ou
indireta – dos incêndios de verão, cada ano e em cada época.
4. Embora possa ser considerado de
algum interesse público os incêndios não podem ser aproveitados só para trazer
à liça as povoações onde eles acontecem, pois, se não aparecessem as
localidades onde ocorrem, ninguém falaria daquelas terras, perdidas o resto do
ano no esquecimento, no abandono e na desertificação crescente. Tenho a
impressão – há longo tempo – que a maioria dos incêndios não se dariam com
tanta vulgaridade, se deixassem de ser noticiados e de serem referidas as
terras onde se verificam… Nalguns casos parece mais uma publicidade barata e
com descontos…ao longo de algum tempo.
5. Um problema se coloca em cada
ano; qual a origem dos incêndios? Serão ‘naturais’ ou terão origem criminosa?
Haverá quem ganhe com estas tragédias recorrentes em cada verão? A serem – como
parecem na maior parte dos casos – de incidência humana, como poderão ser essas
pessoas salvaguardadas do perigo na época dos incêndios? Não haverá alguma
displicência, por parte das autoridades, com a desculpa do tempo quente-e-seco
para deixar tudo na mesma, ano após ano? Por que não questiona a panóplia de
meios exigidos de combate (carros, meios aéreos, pessoas e recursos) com tão
reduzidos resultados?
6. Neste fatídico ano de seca
extrema, continuo a não compreender que se façam tantos momentos de diversão,
quando uma significativa parte do país, sofre com os resultados dos incêndios.
Tenho a impressão que será preciso mobilizar muito mais para a comunhão de
sentimentos entre todos e não deixar à solta uns tantos que se consideram acima
do resto, num misto de sobranceria e de insensibilidade ao sofrimento alheio:
festivais e concertos, arraiais e romarias, foguetório e religião à mistura…dão
a impressão de que o mundo rural, agrário e florestal é o parente pobre de um
país vazio de critérios humanos, de posições cívicas e de espaços de
compromisso de tudo com todos…
O
jornalista em lágrimas deveria merecer mais atenção e consideração!
António Sílvio Couto
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