Certamente
já todos refletimos sobre a implicação dos nossos atos na vida dos outros e da incidência
da forma de estar dos outros na nossa vida. É nesta independência que, por
vezes, as festas coletivas interferem nas coisas mais ou menos simples do nosso
quotidiano e não só.
As
ditas ‘festas populares’ são um exemplo de como algo que pretensamente é para o
bem de todos – diversão, convívio, partilha, alegria, etc. – podem ser úteis
para uns tantos (maioria) e criarem incómodo, perturbação, desagrado de outros
(minoria), interferindo na correta convivência social e/ou de grupo.
1. Será que
os promotores das festas se advertem das consequências dos seus atos? Não será
que, na maior parte das vezes, fazem festa longe do lugar onde moram, não
sentindo os efeitos – menos bons ou até nefastos – de tais atividades? Haverá o
direito de constranger o bem-estar alheio pela pretensa festa? As diversas
poluições não deveriam ser acauteladas para com as (potenciais) vítimas das
tais festas?
2. Depois de
dois anos de pandemia parece que as manifestações de festa estão mais ruidosas
e quase desrespeitadoras de uns para com os outros. Notam-se sinais de alguma
agressividade no festejar, levando a alguns exageros. Mesmo quem ande um tanto
distraído poderá perceber que se tenta recuperar o perdido, vendo-se excessos
de comida e de bebida, de quase provocações ou de ultrapassar de limites, que
antes não se colocavam nem se viam tão na fronteira...de
quase-falta-de-educação-mínima.
3. Na reintrodução
de algumas festas ou na proposta de outras que foram tiradas das memórias mais
ou menos antigas, temos vistos emergirem festas de sabor neopagão, em certas
situações trazendo à liça manifestações pré-cristãs, senão mesmo anticristãs. O
pior é que autarquias e comissões de festas colhem boa aceitação junto das
populações como que relegando para as franjas do cultural aquilo que foi
acrisolado pela mensagem cristã ou talvez bem camuflado durante séculos e agora
assumido sem pejo nem rebusco.
Neste
contexto poderá ser útil a releitura da mensagem da pregação de S. Martinho de
Dume e aprofundar as causas para atendermos às consequências daquilo que se
está a passar. Será de grande utilidade humana, cívica e cultural aprofundar as
razões da sua obra – ‘De correctione rusticorum’ (sobre a correção dos rústicos)
– onde se faz uma severa e atenta doutrinação contra certos hábitos eivados de
paganismo e onde a mensagem cristã não conseguiu atingir o cerne dos problemas
culturais e mesmo éticos...ontem como hoje.
4. Será que
a onda de mundanismo, que tem invadido a maior parte das nossas festas
religiosas, pôs a manifesto que o processo de evangelização da Igreja católica
abriu fendas ou deixou escapar uma espécie de falência? Não teremos andado a
permitir que as (ditas) festas religiosas pouco mais não têm que um certo
verniz, que, entretanto, estalou e deixou perceber o caruncho sobre o qual
estava alicerçado? Não teremos andado a enganar-nos – consciente ou
inconscientemente – com rituais vazios de fé, embora eivados de devoção e de
outros adereços facilmente revertidos e outras coisas laicistas? Para além dos
gastos irrisórios com as atividades de teor religioso, não andaremos a enganar
o nosso povo com trejeitos de oportunismo de uns tantos sobre o resto mudo e
surdo?
5. Agora que
parece ter passado a pandemia seria muito útil peneirar das nossas festas
religiosas (ou com teor dito cristão) resquícios de paganismo tolerado. Mesmo
que se reduza ao número de andores – nalguns casos parecia mais um motivo de
vaidade do que de compromisso em fé – será urgente tornar cada santo/santa
mensageiro/a de conversão na vida e não deixar que continue a procissão como um
desfile de coisas menos adequadas à mensagem do Evangelho. Já reparamos que a
maior dos ‘assistentes’ ao cortejo processional não conhece as imagens nele
figuradas? Use-se de inteligência para apresentar, informar e educar quem
participa (ou vê) na procissão...
Que
a fé faça festa, mas que esta festa contenha fé consciente, esclarecida e
comprometida!
António Silvio Couto
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