Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sexta-feira, 4 de junho de 2021

Vacinas (6), abusos e ‘normalidade’

 


Num método quase rotineiro vamos tentando fazer uma espécie de ‘reset’ das coisas da pandemia – desde meados de fevereiro de 2020 até à data em avaliação – recorrendo a vários itens: vítimas (contagiados, recuperados ou falecidos), passando pelas possíveis soluções (regras sanitárias, testagem, vacinação ou imunidade) e interpretando os diversos aspetos…mais ou menos percetíveis.

Se, na maioria das situações, boa parte da população cumpre as regras, noutros casos vemos emergirem abusos e quase atentados à saúde pública…colocando muitas dúvidas sobre a pretensa normalidade.

 1. Depois da confusão generalizada instalada na sociedade sobre o ‘sars-cov-2’ vimos emergirem um tanto rapidamente projetos de vacinas: BioNtech.Pfizer, Moderna, Oxford.Astrazeneca, Janssen/Johnson&Johnson, Novavax, SputniK V… as mais divulgadas e usadas, com as três primeiras na dianteira na sua administração ao nível mundial, europeu e português. Até final de fevereiro deste ano havia um total de 69 vacinas, entre as que estão já em utilização e as que se encontram em ensaios clínicos. É nítido o esforço para combater esta pandemia, dado que ainda não sabemos bem como e onde começou, tão pouco vislumbramos a total irradicação, se tal poder acontecer! 

 2. A população já vacinada tem vindo a decrescer, isto é, começou pelos mais velhos – dizem que os mais vulneráveis à contaminação – e vai descendo em idade e – assim o desejamos – em eficiência naquilo que alguns apelidam de imunidade (ou bolha) de grupo. Neste sentido foram-se verificando situações de alguma irresponsabilidade por parte de grupos etários mais baixos, criando-se, deste modo, algo suscetível de não ser corretamente controlada a disseminação do vírus…

 3. Desde meados de maio deste ano fomos verificando momentos coletivos de menor atenção aos cuidados primários para a não-difusão do vírus: por sinal ligados ao fenómeno do futebol, na capital, na região norte do país e também no Algarve. De todos o mais bizarro foi o que envolveu pessoas vindas do estrangeiro: sem máscara, em grupos de ‘arruaceiros’, sob forte influência do álcool e provocando as autoridades policiais. Aos de cá faz-se cumprir as regras, colocam-se limitações e restrições várias… aos de fora fez-se vista grossa, como se tivessem vindo trazer dinheiro às carradas, quando o que deixaram foi lixo, destruição e má influência para os prevaricadores… Desgraçado país que faz o seu turismo de copo – com muita cerveja mais alcoólica do que a deles – na mão e de toalha ao sol! Basta um pequeno percalço e treme o esqueleto da nossa incipiente economia…

4. Desse mesmo país – de quem dizem ser o nosso mais velho aliado comercial – vieram, menos de uma semana decorrida, novos condicionamentos às deslocações de-lá-para-cá e de-cá-para lá. As explicações governamentais são de uma pífia resolução. As medidas a tomar não têm consequências. As vítimas – por vezes ufanas do sucesso residual – contentam-se com umas ajudas prometidas e quase nunca recebidas. Enquanto alicerçarmos a nossa economia em expedientes da restauração estaremos sempre a começar do zero e andaremos a querer vender um produto que facilmente fica fora de validade…

 5. Mais uma vez estamos a perder a oportunidade de fazermos uma reestruturação séria dos nossos critérios de conduta pessoal, familiar e social, pois continuamos a adiar essa reflexão que saiba viver mais no sistema da poupança e do que no regime dos empréstimos, valorizando o trabalho que produz e não os gastos na sedução da preguiça… Continuam a enganar-nos ao lançar dinheiro sobre os problemas e não em sabermos reconfigurar o nosso tecido social, económico, cultural e moral, segundo as nossas reais possibilidades e não alimentando as ambições consumistas, materialistas e de baixa felicidade.

Este vírus ainda não nos ensinou a compreender a nova normalidade, pois parece que queremos refazê-la sem mudar de valores, de critérios e de condutas…         

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 2 de junho de 2021

Festas em tempo de pandemia


 Pelos mais recentes exemplos – jogos e comemorações do futebol, de âmbito nacional ou com trejeitos mais internacionais – teremos de reconsiderar se já estaremos capacitados para aliviar as medidas de contenção neste tempo de pandemia.

Desde fevereiro do ano passado que muito do convívio social foi posto em suspenso: da recusa do mínimo contato até às higienizações quase doentias, o recurso contínuo à máscara, os distanciamentos compulsivos…fomos sobrevivendo e até lidando com os cuidados pessoais à mistura com os alheios.

Percorrida a fase da testagem e ensaiando a etapa da vacinação foi-se criando a sensação de quase segurança no controle do vírus, mesmo que desconfiando de tudo e de quase todos…Ténues esperanças se vislumbram e a pretensa normalidade parece dar pequenos e titubeantes passos.

 1. Eis que fatores menos bem controlados deixaram o medo no ar… Sim, é no ar que paira o vírus fatal. E pelo ar de descontração de uns tantos – talvez mais prevenidos ou até inconscientes – poderemos correr o risco de deitar meses de sacrifício a perder. Não ficamos indiferentes aos atropelos de nacionais em festejos do futebol nem foi digno de convivência social mínima assistir aos abusos de ingleses por estes dias à boleia do futebolês… Vimos policiamento, mas onde estava a autoridade?

 2. Surgidos os primeiros laivos de calor eis que as praias se foram enchendo de pessoas mais ou menos respeitadoras das regras sanitárias. Por outro lado, também quase de forma recorrente emergiu o medo de que somos um povo menos atento e logo seria necessário implementar medidas repressivas, vigilâncias policiais e até coimas para os incumpridores. Pintado o cenário mais atroz, não se verificou… Dá a impressão de que não confiamos nos outros porque somos inseguros e estamos de mal connosco mesmos. Fantasmas a precisaremos de serem exorcizados…

 3. Num mês rotulado de ‘santos populares’ parece que está algo em suspenso: umas vezes parece a espada de Dâmocles sobre a cabeça de todos, noutros casos vivemos na apreensão de que o pior ainda não veio e, regra geral, a culpa é de quem não decide porque eu sou responsável e os outros que se desenrasquem como eu vou tentar fazer… Pode vir a fiscalização, que iremos fintá-la nem que seja com mentiras e subterfúgios quase-infantis… pensarão alguns.

 4. Arrolhados que foram os momentos de convivência social, por ocasião das festas mais significativas no ano passado, nota-se uma certa apreensão sobre o que vai acontecer este ano… Ainda não aprendemos a lidar com a diferença, julgando que vai ser um retomar do que era antes, em vez de sabermos aprender com as novas e exigentes circunstâncias. O fatídico slogan – ‘vai ficar tudo bem’ – tem de ser rasgado e lançado ao lixo do oportunismo ou da ignorância mais imbecil. Precisamos de aprender a adequar-nos à diferença, sabendo ler, interpretar e viver com olhos novos, lavados e sinceros…

 5. Tudo quanto nos aconteceu – e vai continuar a ser permitido conhecer – traz exigências diferentes dos tempos do passado recente: quase nada daquilo que antes tínhamos vai ser vivido da mesma forma, após este intervalo de provação de todos e para todos. Para aqueles que têm a esperança num tempo novo será urgente reaprender a estar, nesse entrecruzamento de leituras e perante a busca de respostas…Ninguém dará lições a ninguém, antes vamos aprendendo com os sinais da vida o que esta nos trará de sempre novo.

 6. À memória de crente me vem o poema de Manuel de Jesus Ferreira – ‘se me envolve a noite escura e caminho sobre abismos de amargura, nada temos porque a luz está comigo’. É isso: poderemos ansiar fazer festa, mas esta só acontece quando estamos centrados no essencial. Em tudo isto que fomos tentando perceber, fica a sensação: Deus está a falar. Já O compreendemos?

 

António Sílvio Couto

domingo, 30 de maio de 2021

Homilia na celebração do matrimónio

 


Recordo, num misto de espanto e de interrogação, o que dizia um padre septuagenário numa reunião com outros padres: investi tanto em fazer tão bem os casamentos que tinha, e, afinal, dá a impressão que perdi o meu tempo… Ora, esse padre deveria ter, à época, mais de duas centenas de casamentos anuais… tal era procura da sua paróquia, nos diversos e aprazíveis lugares de culto.

Agora que tais eventos religioso-sociais vão rareando – e não é só por causa da pandemia – deu comigo a refletir sobre qual a função da homilia – esse momento de palavra, tanto humana como divina – na celebração do matrimónio, seja qual for a instância de vivência, pois, hoje, muitos dos matrimónios já são celebrados com o casamento (civil) feito ou ainda nalguns casos, de forma ‘natural’, os filhos estão presentes, com maior ou menor idade…

1. O que diz o ritual do matrimónio sobre o assunto em análise? Lemos nas rubricas: «Segue-se a liturgia da Palavra, segundo o modo habitual, tomando os textos propostos… escolha-se sempre pelo menos uma leitura que fale explicitamente do matrimónio. Em seguida o ministro fará a homilia, na qual, inspirando-se no texto sagrado, exporá o mistério do Matrimónio cristão, a dignidade do amor conjugal, a graça do sacramento e os deveres dos cônjuges, tendo em conta, porém, as diversas circunstâncias das pessoas» (Ritual Romano, ‘Celebração do matrimónio’, n. os 90-91). Uma ressalva: quando falamos da celebração do matrimónio refiro-me àquele que é realizado ‘sem missa’… pois esta têm outros requisitos nem sempre devidamente atendidos…pelo menos em certas regiões (ditas) tradicionais religiosas.

2. Será, por isso, de questionar: a quem se deve dirigir a homilia – aos noivos ou aos outros; a uns e a outros? Dada a subtileza de tantas situações, mesmo diante de noivos bem formados e conscientes, dever-se-á acentuar tanto a altíssima dignidade do matrimónio, se podem estar ali ‘traumatizados’ de experiências anteriores de casamento? Não será preferível deixar as exortações – mais diretas e personalizadas – aos noivos para momentos posteriores, cuidando das feridas de quantos – e por vezes são tantos/as e tão diversificados/as – ali podem estar sob reserva quanto ao matrimónio, por experiências de menos bons casamentos?  

3. O ministro/oficiante do sacramento pode estar presente em razão do múnus (no caso de ser pároco ou outra função pastoral equiparada), por amizade aos noivos ou por convite circunstancial. Já estive nas várias possibilidades… Ora, como deverá ser a postura do oficiante: de distância ou de proximidade, mais ou menos hierático, criando solenidade ou mais à-vontade? Por vezes, certas atitudes dos participantes podem condicionar a postura, mas sem fazer do ato algo tão fútil que possa parece um mero acontecimento humano e não um acontecimento com a marca e o selo do divino…

4. Ora, atendendo ao acentuado processo de desconhecimento (por ignorância ou por nesciência) do mistério do matrimónio, refere-se ainda no Ritual do matrimónio: «embora os pastores sejam ministros do Evangelho de Cristo para todos, contudo devem ter em atenção de modo particular aqueles que nunca ou raramente participam na celebração do matrimónio e da eucaristia, quer sejam católicos ou não. Esta norma pastoral vale antes de mais para os próprios esposos» (n.º 37). Quer isto dizer que na celebração do matrimónio católico se pode verificar um caldo de misturas com diversas vivências espirituais e religiosas, devendo ser respeitadas as dinâmicas e mesmo as influências de todos, mesmo dos não-crentes…

5. Sendo uma comunicação verbal, a homilia na celebração do matrimónio pode e deve ter em conta as caraterísticas culturais onde se insere… tão diversificadas quão influenciadas por critérios mais mundanos do que verdadeiramente cristãos. Por isso, a palavra dita e escutada nem sempre terão consonância entre o emissor e o recetor. Saber dizê-la tem arte e engenho. Saber escutá-la poderá ser um exercício de humildade, tentando apreender aquilo que é dito e não estando à espera que se confirme o que mais possa convir.

6. Como me dizia um velho padre com muita experiência de vida de contato com as pessoas: bastará reparar como se benzem (ou não) – logo no princípio da celebração – para ficarmos a saber com quem estamos. Palavras sábias e acrisoladas no tempo, ontem como hoje! 

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 27 de maio de 2021

Todos juntos, agora!

 


‘All together now’ (todos juntos agora) é nome de um programa televisivo, que faz desfilar concorrentes perante cem jurados, votando estes em conformidade com o seu gosto, preferência ou influência…musical e cultural. Pretendido como algo pulverizador das atenções do público nas noites de sábado à noite, tornou-se uma espécie de fiasco do canal, colocando nitidamente à prova a fanfarronice da apresentadora.

Mas não é do tal programa que pretendemos falar. Tão-somente retiramos o título para sugerirmos algumas questões, situações e problemas que precisam de ser encarados com esse espírito de ‘todos juntos, agora’…

Vejamos as propostas:

* Todos juntos, agora poderemos vencer a pandemia, fazendo cada um de nós o que lhe compete, sem atirar para outros o que se deve à sua participação consciente, atenta e sincera…

* Todos juntos, agora enfrentaremos os estragos caídos destes meses de provação pessoal, familiar, social… estrutural, conjuntural ou alienatória…

* Todos juntos, agora temos maior capacidade para resistir às investidas do desânimo, que foi povoando os meses mais recentes, não deixando ninguém derrotado pelas feridas psicológicas, morais ou mesmo espirituais…

* Todos juntos, agora vamos cuidar mais atentamente dos mais frágeis e fragilizados, particularmente os mais velhos, os doentes, os marcados pelo vírus ou até as vítimas indiretas, como os familiares e as instituições que perderam os seus utentes… 

* Todos juntos, agora queremos dar as mãos aos que não conseguiram chorar condignamente os seus falecidos ou nem tiveram tempo de cumprir o seu luto com a serenidade necessária, aconselhável ou recomendável…

* Todos juntos, agora queremos unir esforços quanto aos dias carpidos sem a comunidade dos irmãos da mesma fé, pelo fechamento das igrejas (templos) ou pelo excesso de rigor colocado no cumprimento das regras higiene-sanitárias…

* Todos juntos, agora desejamos contribuir para a normalização do tempo e do espaço do trabalho, criando novos laços para enfrentarmos as questões económicas, sem reduzirmos a nossa vida ao mero economicismo, para voltarmos a construir o tecido da vida em comum, sem nos deixarmos confundir pelas visões imediatistas e algo suscetíveis de nos quedarmos só pelo que rende…em cifrões.

* Todos juntos, agora sentimos que ainda não aprendemos a lição tão simples da nossa vulnerabilidade, da nossa condição de estarmos – como tem sido dito – ‘todos no mesmo barco’, que pode adornar se for colocada a carga só de um dos lados, isto é, se não descobrirmos que somos muito mais do que matéria em decomposição…ou com prazo curto de validade.

* Todos juntos, agora temos uma missão a cumprir: não se consegue vencer nada nem em nenhuma circunstância sem união nem se faz uma sociedade mais humana onde nem todos se empenham em ajudar os outros num intercâmbio de emoções, de sentimentos e de corações…

* Todos juntos, agora queremos olhar o Céu sem esquecermos a Terra que pisamos fraternal e solidariamente…onde as lições não se dão, aprendem-se humilde e diariamente.

* Todos juntos, agora precisamos de voltar a reunir as assembleias de fé, sem medos nem temores, mas mais alicerçados na confiança uns nos outros e ancorando-nos todos em Deus…

* Todos juntos, agora queremos acreditar nos meios que são postos à nossa disposição – testagem, vacinação e múltiplos programas de saúde – sabendo que o bem alheio depende do nosso cuidado e que cada um beneficiará da atenção de todos…numa cadeia pública de verificações e de prestação de serviços mínimos e suficientes.

Todos junto, agora e mais conscientemente!


António Sílvio Couto

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Do linguajar às inconsequências

 Não basta saber o que foi dito, é preciso conhecer quem o disse. Não basta chamar ‘bandido’ (ou outro termo), é preciso reconhecer o sujeito e mesmo o predicado, dado que o complemento tanto pode ser direto como indireto…isto nas designações sintáticas de antanho…

Nota-se que certas forças têm um tratamento algo discricionário, ao menos por uma substancial parte da comunicação social, tendencialmente eivada de velhos tiques esquerdistas, senão mesmo de um substrato marxista ressabiado…sem atualização aos valores democráticos mínimos…isto é
, de aceitação da diferença dos outros…sufragados em eleições (ditas) em democracia.

Vamos a factos, com recurso à memória:

 1. Em consequência de umas declarações – diga-se infelizes – um deputado e, ao tempo, candidato presidencial, sobre altercações verificadas com a polícia, num bairro periférico e problemático da ‘margem sul’, em que apelidou de ‘bandidos’ uns tantos… foi condenado, por estes dias, a retratar-se publicamente, pedindo desculpa (escrita ou oral), ‘em razão das ofensas ao direito à honra e ao direito à imagem’ da família atingida…senão o fizer, após um mês de trânsito em julgado terá de pagar uma diária de quinhentos euros…Saídos da lura (buraco esconso, ignoto e subtil) das redes sociais muitos aplaudiram a condenação… Umas certas debutantes da música consideraram isso uma ‘boa noticia’, pairando a sensação que era uma espécie de caso do mês ou até do ano.

Fique claro: ofender não tem tez nem assume glória, seja para com quem for! Discordar não pode rimar com ofender, ultrajar ou vilipendiar.  

 2. Respiguemos, por outro lado, momentos (nem sempre fáceis de encontrar em arquivo) com que membros de um tal partido e de uma deputada em concreto têm dito palavras que não têm consequências, atendendo ao alcance subjacente: os negócios da máfia portuguesa, os gestores de um certo banco estão colocados sob suspeita, os capitais ofuscam as posições e estas aglutinam ataques mais ou menos intensos, constantes e indisfarçáveis a qualquer hora e em todo o tempo. O ar moralista insofismável quase colide com as palavras agressivas, azedas e provocatórias…

Quando celebrações religiosas tiveram espaços de metros, na convenção do tal partido da moralidade, vimos pouco mais do que centímetros a separar os fregueses. Já terão todos, imunidade de grupo? Pelo ar jovial de boa parte ainda não atingiram a idade! As exceções não se publicitam aos de casa!

 3. Vivemos num país onde quem não for – declarada ou tacitamente – de ‘esquerda’ (ou das esquerdas) está, quase sempre, sob suspeita, terá de provar que lhe assiste o direito a ter opinião ou a poder exprimir-se pelo voto. Para isso contribui uma sagaz comunicação social entretecida com saudosismos, critérios ou valores – creio eu – já ultrapassados, pelo menos noutros países e culturas. Com que facilidade se criam epítetos para quem não alinha com a manada de um certo pensamento uniforme e formatado para uma pretensa maioria votante, mas não realmente social. Com efeito, se somarmos a percentagem dos que não votam em formações partidárias (ditas) de esquerda – talvez trinta por cento dos recenseados – com aqueles que não votam (abstenção) – uns sessenta por cento, se nos ativermos às últimas eleições…embora se possam descontar os casos de falecidos e afins – onde está força dessa esquerda (ou esquerdas), que pretende impor-se tão radicalmente?

O país poderá ter uma tendência cultural de esquerda, mas sociologicamente a questão é de outro teor bem distinto…mesmo que de forma mais silenciosa.

 4. Urge criar, informar e formar pessoas que tenham opinião e que pensem pela própria cabeça. Mesmo no quadro dos partidos políticos fundadores da democracia temos de saber encontrar quem sente o país como seu ou se, pelo contrário, faz dele um antro propicio a que outros nos explorem. Enquadrados no eixo atlântico-áfrica-sul américa precisamos de fazer da nossa língua um veio cultural sem pejo nem rebuço…

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Coisas do reino da pascacilandia…

 


Conta-se de um eclesiástico fervoroso adepto do clube mais recentemente vencedor do ‘taça de Portugal’ em futebol masculino que ia para o velho estádio da cidade sempre rodeado de rapazes bastante novos, uns dizem que estes iam dependurados na sotaina e entravam para ver os jogos de graça, outros referem ainda que levava os bolsos da batina cheios de rebuçados, que ele dava aos miúdos sempre que o árbitro fazia alguma asneira em desfavor do seu clube, dizendo: chama-lhe tu (algum palavrão mais inapropriado), que eu não posso… e lá ia distribuindo os rebuçados ao longo do jogo…

Por outro lado, gostaria de trazer à liça essa figura algo ficcionada (ou não tanto) que nos aparece nos livros de Eça de Queirós: um tal pascácio – rótulo entre o emblemático e o bizarro – que servia na literatura queirosiana para caraterizar o ‘conde de Abranhos’…um habilidoso, que saído da província, foi fazendo furor na capital, sobrevivendo num misto de oportunismo e de faz-de-conta, já em meados do século dezanove, nos meios políticos do governo emergente da carta constitucional…

 1. Que têm estes ‘episódios’ quase antagónicos a ver com a nossa condição atual? Que ligação poderemos encontrar entre o clérigo nortenho e o pascácio lisboeta? Como poderemos identificar situações similares na nossa conduta sócio-política-desportiva? Isso da pascacilandia rege-se por algum regime subterrâneo…com ou sem avental e afins? Os miúdos a vociferarem palavrões foram instrumentalizados naquele tempo ou deambulam, hoje, em certos meios? Como poderemos ler/ver/interpretar certas reuniões (chamem-lhe convenção, congresso ou sei lá o quê…) onde se fala mais de ausentes do que daquilo que pretendem fazer os presentes? Será este um dos requisitos da pascacilandia? Não andaremos a ser enganados com chilreios de mau agouro?

 2. Composto por duas palavras – pascácio e lande – a pascacilandia seria, assim, um misto onde os pascácios – isto é, tontos, cretinos, idiotas ou imbecis – têm uma ‘lande’ – isto é, terra, espaço ou território…arenoso, inculto e pouco produtivo – sendo, deste modo a terra/espaço/situação onde proliferam os pascácios, onde habitam sobretudo pascácios, onde estes se sobrepõem ao resto dos outros…numa conjugação para que possamos ser tomados todos por igual categoria…

 3. Cada vez mais o nosso país se está tornar uma pascacilandia onde parece que somos tratados como pascácios, não já na classificação queirosiana, mas sob influência de quem julga que é capaz de subverter as regras mesmo da convivência mínima social. Com efeito, à semelhança do outro adepto de futebol que desejava invetivar os árbitros com palavrões – agora até se diz ‘linguagem vernácula’ – mas, devido ao estatuto social lhe ficava mal, então fazia dos miúdos à sua volta os porta-vozes do seu descontentamento, assim vemos serem gastas horas a fio a atiçar os ouvintes (militantes ou não) contra forças que consideram perigosas para eles, não respeitando quem pensa diferentemente deles. Com tantos submissos pascácios pensarão continuar a falar sem se responsabilizarem pelo que dizem nem a assumirem os riscos incendiários das ações que protagonizam…

 4. Espero que este espírito de pascacilandia não atinja a alma da nação, pois seria o nosso colapso total. Nota-se que há espalhados pelo nosso contexto nacional quem defenda mais os seus apaniguados partidário-ideológicos do que quem é da sua nacionalidade. Com que facilidade vemos que uns tantos deputados alinham posições mais com os da sua cor – até no Parlamento Europeu – do que com os portugueses. Com eleitos destes teremos de saber mais de quem se servem do que a quem servem.

 5. Nesta pascacilandia em que temos vindo a converter o nosso país, há profetas da desgraça que parecem conjugar, em vários tempos e diversas circunstâncias, o princípio do ‘quanto pior, melhor’, pois do pântano poderá emergir a sua vitória…

Há boa maneira de outros tempos mais utópicos dizemos: acordai!     

 

António Sílvio Couto

sábado, 22 de maio de 2021

Derrota da estatização do ensino?

 


Pela enésima vez o ranking das escolas pôs a nu uma realidade: as escolas do ensino não-público são melhores do que as autoapelidadas do ‘ensino público’… e nem a sanha persecutória de alguns membros do governo em funções conseguiu trazer outros resultados…

Vejamos alguns dos dados publicitados por estes dias: em 2020 realizaram-se 252.676 provas nas 640 escolas com ensino secundário; das 593 escolas em Portugal continental onde se realizaram exames, 479 são escolas públicas e 114 são privadas; há 43 escolas privadas e 7 públicas no top 50; os 274 concelhos do país com escolas secundárias tiveram média positiva, sendo a média mais baixa de 10,3 valores e a mais alta de 14,4 valores; há 20 anos que os rankings das escolas são publicados.

 

1. Depois de termos assistido à tentativa de liquidar as escolas privadas, pelo anterior elenco governativo, vemos que algo vai mal o reino dos pascácios. Recorde-se a figura emblemática e algo bizarra, do ‘pascácio’ dos textos de Eça de Queirós… numa obra da segunda metade do século dezanove, onde um tal alípio abranhos deambulava, na sua ignorância e petulância, na ordem política (constitucional) do tempo num misto de oportunismo e de faz-de-conta. Há quem considere que estamos a viver, nos nossos dias, numa espécie de ‘síndrome do conde de abranhos’… sobrevivendo-se num recolher de benesses públicas que a economia não pode pagar…por muito mais tempo, embora se tente usufruir ao máximo, enquanto der!

 

2. Se em muitos dos setores este ambiente de lançar grande quantidade de dinheiro pode fazer avançar a economia, na área da educação não funciona tão linearmente como essa teoria do máquina de refrigerante fresco, isto é, põe-se a moeda e logo sai o pretendido. Não, neste setor, que tem vivido mais ao ritmo das pretensões dos titulares e afins, vemos que custa a dar fruto o investimento feito. Fizeram proliferar escolas por tudo quanto era sítio e a qualidade regrediu. Lançaram cursos ao desbarato e agora uma boa parte fica sem concorrentes. Prometeram futuro a tantos estudantes e estes acabaram a emigrar, sobretudo os melhores…  

 

3. A estatização do ensino iludiu muita gente e alguns ainda vivem nesta nostalgia de que todos podem ser engenheiros e doutores, mas faltam-lhes alguma capacidade, um certo engenho e suficiente inteligência. O tal ‘processo de Bolonha’ (desde 1999) trouxe mudanças, na forma e mesmo no verdadeiro conteúdo… Se já anteriormente era preciso saber onde foi feito o curso, agora precisamos de ser elucidados sobre a data – antes ou já no processo de Bolonha – para que se não meta tudo no mesmo saco… Não está em causa a qualidade, mas tudo quanto possa ser feito para não embarcarmos em enganos de subtileza ao nivelarmos pelos pés e não potenciando mais e mais…

 

4. Seria utópico pretendermos ter uma escola somente pública e só dela fazermos irradiar a capacidade de escolarização uniforme. Tais pretensões soam a totalitarismo, tenha a coloração que lhe quisermos aduzir. Citamos dois textos programáticos de bons cidadãos e de cristãos – se a Constituição acentua o direito de ensino, o Catecismo realça a tónica da educação.

- «Todos têm o direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar. O ensino deve contribuir para superação de desigualdades económicas, sociais e culturais, habilitar os cidadãos a participar democraticamente numa sociedade livre e promover a compreensão mútua, a tolerância e o espírito de solidariedade» – Constituição da República Portuguesa, artigo 74.º.
- «Os pais são os primeiros responsáveis pela educação de seus filhos. Testemunham esta responsabilidade em primeiro lugar pela criação de um lar no qual a ternura, o perdão, o respeito, a fidelidade e o serviço desinteressado são a regra. O lar é um lugar apropriado para a educação das virtudes. Esta requer a aprendizagem da abnegação, de um reto juízo, do domínio de si, condições de toda liberdade verdadeira. Os pais ensinarão os filhos a subordinar ‘as dimensões físicas e instintivas às dimensões interiores e espirituais’. É uma grave responsabilidade para os pais darem bons testemunhos aos filhos. Sabendo reconhecer diante deles seus próprios defeitos, ser-lhes-á mais fácil guiá-los e corrigi-los» – Catecismo da Igreja Católica, n.º 2223.

Confundir direito com obrigação não estará a conduzir muitos dos nossos governantes? Não confundamos…     

 

António Sílvio Couto