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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Vinga quem se vinga?

 


Às vezes nota-se mais do que noutros casos essa sensação de vingança, seja pelas palavras, seja pelos atos ou mesmo percorrendo o âmbito dos desejos. Embora possa parecer algo revelador do espírito de Caim, a vingança tem raízes culturais ‘nacionais’ bem mais profundas do que somos capazes de imaginar.

1. Em quantas situações se pode perceber que o sentimento de vingança faz mais furor do que a perceção de harmonia social. As causas de tal ambiente de vingança podem ser várias e muito diversas. Desde logo o ressentimento faz com que sejamos mais propensos para denegrir do que para elogiar ou mesmo de sermos compreensivos uns para com os outros. Recordemos o episódio bíblico dos irmãos Caim e Abel (Gn 4,1-10): Adão conheceu Eva, sua mulher. Ela concebeu e deu à luz Caim, e disse: «Gerei um homem com o auxílio do Senhor». Depois, deu também à luz Abel, irmão de Caim. Abel foi pastor, e Caim, lavrador. Ao fim de algum tempo, Caim apresentou ao Senhor uma oferta de frutos da terra. Por seu lado, Abel ofereceu primogénitos do seu rebanho e as suas gorduras. O Senhor olhou com agrado para Abel e para a sua oferta, mas não olhou com agrado para Caim nem para a sua oferta. Caim ficou muito irritado e andava de rosto abatido. O Senhor disse a Caim: «Porque estás zangado e de rosto abatido? Se procederes bem, certamente voltarás a erguer o rosto; se procederes mal, o pecado deitar-se-á à tua porta e andará a espreitar-te. Cuidado, pois ele tem muita inclinação para ti, mas deves dominá-lo». Entretanto, Caim disse a Abel, seu irmão: «Vamos ao campo». Porém, logo que chegaram ao campo, Caim lançou-se sobre o irmão e matou-o. O Senhor disse a Caim: «Onde está o teu irmão Abel?» Caim respondeu: «Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?» O SENHOR replicou: «Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama da terra até mim

2. Em quantas situações nós podemos ver o rosto ensimesmado das pessoas…na rua, nas fotos dos jornais, nas reportagens televisivas, nas conversas cara-a-cara…Será que isso denuncia algo idêntico ao que Caim fez a seu irmão Abel? Será que isso expõe os sentimentos de vingança subjacentes em tantas pessoas com quem nos cruzamos? Até que ponto a vingança – como sói dizer-se – se serve fria e não transparece muito mais do que seria desejável? Não estará a nossa sociedade mais alicerçada na vingança do que na compreensão e na tolerância? Esta não serve mais para aquilo que nos interessa do que para o que nos compromete?

3. Ao avaliarmos certos comportamentos sócio-políticos podemos encontrar tantos sinais cainitas – seguidores da mentalidade de Caim, lá o da Bíblia das origens – que espreitam a oportunidade de engendrar a vingança, pensando com isso vingar-se da sua incapacidade de fazer algo em favor dos outros. Com que subtileza vemos a proliferação de casos em que o que mais importa é deixar os escortinados sob a alçada da má-fé popular. Quantos que nada fazem nem investem, mas que escarafuncham a vida alheia até que se possa desacreditar o adversário, na maior parte dos casos consagrado como inimigo…ao menos da incompetência e da mediocridade.

4. Quando um país está assente na teoria da vingança com facilidade poderá colapsar, se nada for feito para suster esta sensação, agora diz-se ‘perceção’. Quem não recorda a ‘lenda’ ainda antes da nossa nacionalidade, quando um grupo adversário do principal lutador lusitano foi traído por alguns daqueles que o conheciam e, ardilosamente, se ofereceram aos romanos para que ele fosse eliminado. Tendo executado a pretensão foram solicitar o pagamento junto dos ocupantes romanos, ao que lhes foi respondido – Roma não paga a traidores! Não será essa costela de vingança que campeia na mentalidade de tantos dos nossos contemporâneos, muitos deles meros fabricantes de má-língua, de mau ambiente e de provocação para com quem faz avançar o país e não se entretém com lamúrias, suspeitas e críticas baratas.

5. Muitos dos que andam a excogitar infrações nunca produziram riqueza nem promovem a meritocracia, antes fomentam o clientelismo, o compadrio, o suborno e, na sua expressão mais subtil, a corrupção. Basta!



António Sílvio Couto

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