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terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Na hora da despedida

 


Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.

Conheço agora já quão vã figura
Em prosa e verso fez meu louco intento.
Musa!... Tivera algum merecimento,
Se um raio da razão seguisse, pura!

Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:

Outro Aretino fui... A santidade
Manchei!... Oh! Se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!

Este belíssimo soneto de José Maria Barbosa du Bocage pode ajudar-nos a ler, a interpretar e a colher sinais na hora da despedida do ‘presidente dos presidentes’ do FCPorto.


Não está em causa qualquer julgamento mas antes uma apreciação de uma das figuras mais marcantes – despojados de cor clubística – dos últimos anos na esfera do desporto e do futebol em particular, qual ariete anti-centralismo na visão social, política ou mesmo económica.

Num tempo – e não é só ao nível desportivo no clube que sempre serviu – em que pululam sinais de não-unidade, torna-se importante que olhemos para as qualidades mais do que para os defeitos de quem procura estar ao serviço dos outros.

Sobre a figura em causa apareceram mais os substantivos do que os adjetivos. Estes costumam ser usados para adular, enquanto aqueles descrevem quem quis ou desejou incentivar outros, envolvendo-os num projeto. De facto, depois de JNLPC – na linha daquilo que preconizava o fundador do escutismo – algo mudou e ficou um pouco melhor, senão na forma ao menos no conteúdo, depois dele ter passado por este mundo.

Fique claro: não sou simpatizante nem adepto do clube a que presidiu, mas sinto que homens como este são necessários para tirar o nosso país de um certo cinzentismo acomodado e até de um cristianismo adormecido.

À semelhança do soneto de Bocage é preciso reconhecer os méritos e os erros, sem menosprezar aqueles e tão pouco negligenciar estes: o equilíbrio fará com que todos tenhamos uma missão a cumprir, enquanto estivermos nesta Terra e que saibamos acrescentar um pouco que seja à melhoria dos espaços em que nos movimentamos…

À boa maneira da vida provada pela história, que a memória desta personagem perdure na sociedade portuguesa, colhendo o que ele fez de bem em favor dos outros e que sejam purificadas as agruras próprias de quem é humano, logo frágil, limitado e (porque não) pecador.

RIP.



António Sílvio Couto

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