Parece ser cada vez mais grave este fenómeno do desperdício alimentar, sobretudo, no contexto europeu. Vejamos os ‘nossos’ números quase escandalosos: 131 quilogramas de resíduos alimentares anual por cidadão da União Europeia, o que perfaz cerca de 58 milhões de toneladas de resíduos alimentares por ano. Segundo percentagens fiáveis serão estes os dados por setores de atividade: 40% de desperdício doméstico; 39% da indústria agroalimentar; 14% da restauração e 5% da distribuição…
1. Será que isto quer significar que a continuidade da fome ou mesmo da má alimentação tem causas e culpados e que não houve ainda capacidade nem interesse em enfrentar quem assim procede? Qual o resultado dos projetos europeus para atenuar ou debelar esta chaga social da fome com o correspondente desperdício alimentar? Estaremos todos a fazer o nosso melhor para que todos tenham o essencial da alimentação para viver dignamente? Não será que a ‘europa rica’ esbanja o que outras partes do Planeta precisam para terem uma condição de vida humanamente respeitada? Até onde iria o contributo de cada um de nós para que o desperdício alimentar seja revertido em função dos que precisam do que esbanjamos?
2. Por diversas formas têm surgido iniciativas de combate ao desperdício alimentar, em muitos casos tornando-se ‘movimentos’ internacionais com ramificações mesmo no nosso país. Como não recordar a já consagrada fórmula de atrair, cativar ou mobilizar do ‘banco alimentar contra a fome’, que, pelo menos duas vezes por ano, faz as suas campanhas e recolhe donativos em géneros alimentícios em largas toneladas, posteriormente distribuídos por centenas de instituições que prestam serviço àqueles que cuidam – na linguagem por vezes usada – como mais desfavorecidos.
Reefood e ’zerodesperdício’, contribuem pelas suas acções para a redução do desperdício alimentar. Com base no voluntariado, estas organizações recolhem a partir de uma vasta rede de doadores – supermercados, restaurantes, cafés, hospitais, hotéis, entidades públicas – alimentos perecíveis de consumo quase imediato. Por seu turno, algumas cadeias de distribuição, em Portugal, têm também inovado neste campo, com ações como a dos ‘legumes feios’, dos ‘produtos com desconto’, das ‘receitas desperdício alimentar zero” ou da doação de alimentos...
3. Sensibilização tem havido, mas talvez falte um plano mais abrangente e/ou ousado: ensinar as pessoas – individuais ou famílias – a poupar, a reaproveitar os excedentes das refeições e mesmo das doações que lhes são facultadas. Há casos em que as pessoas/famílias recebem ajudas em excesso – não pela quantidade mas pela escassa validade dos produtos – e podem ocorrer desleixos que se tornam também desperdício para quem precisava com maior regularidade e continuação. Efetivamente é urgente dar indicações para que as pessoas não entrem numa espiral de má gestão até porque, na maior parte das vezes, têm meios mas não os sabem gerir.
4. Sem outro objetivo que não seja o do querer acautelar, reparemos nos imensos programas de confeção de comida – deveriam ser muito mais do que disputas de culinária e de concursos de conquista – em que se podiam dar ‘dicas’ para o bom aproveitamento dos meios e das promoções em que todos possam ganhar em saúde, nas economias e mesmo na valorização cultural dos espetadores. Não haverá uma espécie de contradição entre o tal combate ao desperdício e a ênfase dada a certas formas de querer entreter, quando deveriam ser também pedagógicas e abertas às possibilidades de quem segue os programas.
5. «Soluções enérgicas para enfrentar e resolver os problemas alimentares do nosso tempo exigem que consideremos os princípios de subsidiariedade e solidariedade como fundamentos dos nossos programas e projetos de desenvolvimento, para que nunca se adie a verdadeira escuta das necessidades que vêm de baixo, dos trabalhadores e dos agricultores, dos pobres e dos famintos, e daqueles que vivem com dificuldades em áreas rurais isoladas» (Mensagem do Papa Francisco para o ‘dia mundial da alimentação’ 2024).
António Sílvio Couto
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