Reza a História, que, em 139 a.C., depois de uma longa guerra contra os romanos, Viriato enviou Audax, Ditalcus e Minurus (que não eram lusitanos) para negociarem os termos de um possível tratado de paz. Mas, tendo estes sido subornados pelos romanos, apunhalaram à traição Viriato enquanto este dormia. Após o crime, dirigiram-se os três a Roma onde pretendiam receber a recompensa prometida. Porém, segundo diz a mesma história, o general romano Servilius Caepio, em vez de pagar o suborno, ordenou a sua execução na praça pública, ficando os corpos expostos com a seguinte inscrição: ”Roma traditoribus non premiae” – Roma não paga a traidores.
1. Ora, vários episódios na nossa história coletiva (mais antiga ou até recente) trazem-me à lembrança esta espécie de axioma – a traição não tem preço! De facto, em diversas áreas vemos emergirem situações que podem configurar o cumprimento daquela frase: na justiça – delação premiada, na troca de clube por outro melhor pago, na mudança de seguimento religioso, na alteração de candidatos, tanto nas listas gerais quanto (e são cada vez mais) se pode captar nas de incidência local e autárquica. Sem pretender entrar nas causas e tão pouco antecipar as consequências destes atos de quase cobardia, traição ou deslealdade, sinto por certos transfugas mais do que pena, antes um certo desdém, pois tendo estado com aqueles de quem eram (ou foram) comparsas, tornam-se adversários, senão inimigos para sempre.
2. Deixo de novo aqui uma referência a uma conversa ecuménica que tem quase trinta anos. Um dia, em Viena, um pastor senior de uma Igreja protestante disse-me: em nós, os protestantes, um pensa de um modo, faz uma Igreja, onde exprime a sua forma de pensar e de ser; outro apresenta outra coisa diferente e faz outra Igreja e por aí adiante... Vós, os católicos, sois muito interessantes – um pensa de uma maneira, faz um movimento; outro pensa de outra forma, faz uma congregação religiosa; outro não se entende com os do seu grupo, cria outra coisa qualquer, onde continua a mandar... e dizeis-vos todos católicos porque dizeis obedecer todos ao mesmo Papa... Vejamos, como católicos, a imagem que damos inconscientemente!
3. Efetivamente, estamos cada vez mais esfacelados, querendo cada um manifestar a diferença, sem se integrar no conjunto com outros, unindo esforços e criando laços que se fortalecem para conseguir conquistas comuns e – no caso de quem está na vida política (no sentido premigénio do termo) – servir aqueles a quem querem atrair para o seu projeto de bem comum. É aqui que sinto repulsa e quase repugnância: os (pretensos) independentes, na sua maioria, não passam de alguém ressabiado, que quer fazer o seu caminho ‘a solo’, quando só brilhava no contexto com outros, nessa tal orquestra mais ou menos afinada a que já pertenceram. Grande parte dos ‘independentes’ – nalguns casos renegando a agremiação a que deram contributo e da qual muito auferiram – deveriam repensar o seu posicionamento, pois, ao dividirem forças e votos, correm o risco de entregar o ‘poder’ àqueles de quem já foram adversários, e criarão cisões irreparáveis no futuro...nem sendo sequer eleitos. De pouco interessa apelar à unidade, quando, quem se separou, dividiu!
4. Os tempos não são de tentativas de exaltação de egos, mas de consertação de forças, pois será nesta união que poderemos todos construir algo melhor e mais consentâneo com as aspirações daqueles a quem querem servir. Até onde irá a capacidade de impor ‘projetos pessoais ou de grupos’ ao resto das populações? Certos afãs de protagonismo não esconderão lóbis subterrâneos ou pouco claros? Que adianta dizer-se democrata, se o objetivo é vingar as suas pretensões nem sempre claras?
5. O futuro se vai encarregar de premiar ou de castigar – verdadeiramente – quem traiu Roma! Por episódios idênticos sabemos as consequências, não seria melhor ter colaborado na renovação do que ter idealizado a irremediável cisão? O tempo esclarecerá as pretensões de todos!
António Sílvio Couto
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