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quarta-feira, 12 de junho de 2024

Teremos ‘cruz’ sem a haste vertical?

 

Quando vemos uma cruz sabemos o significado dos dois traços (ou hastes) - vertical e horizontal - que a compõem? Que tem isso de simbólico? Andaremos – pessoal, social e eclesialmente – ou não a dar o devido relevo a ambos os aspetos representados na cruz?

Vejamos, brevemente, alguns destes aspetos. Os dois traços da cruz representam a confluência de dois mistérios: a haste vertical simboliza a ‘encarnação’ (o Verbo de Deus fez-se homem), isto é, a relação entre Deus e a pessoa humana, enquanto a haste horizontal nos refere a dimensão fraterna, que Cristo exaltou por excelência no mistério da sua paixão-morte-ressurreição. Assim, a cruz é a interseção entre a dimensão divina e a referência humana em Cristo, por Cristo e com Cristo.

1. Numa leitura algo apreensiva tenho vindo a aperceber-me que alguns (pessoas e setores) querem fazer da ‘cruz’ – sinal e símbolo, interpelação e provocação – algo que realça mais a haste horizontal do que a haste vertical. Certas linguagens e atitudes recorrem a uma expressividade de questões de teor mais material, acentuando a eucaristia como sacramento do pão, mas quem faz desse pão algo mais do que simplesmente coisa material? Valorizar gestos laterais de simpatia, podendo descentrar os participantes da vivência do sacramento da eucaristia. Não será, por isso, exagero certos cumprimentos e agradecimentos em contexto celebrativo da missa? A excessiva colocação de crianças a fazer as coisas – leituras, recolha das ofertas e ofertório ou mesmo intervenções pelo canto – não polarizará a atenção em aspetos mais humanos do que divinos? Será que esse atrativo para a presença dos adultos favorece todo o processo espiritual da eucaristia, enquanto sacramento de Cristo e não mero ato fraternal?

2. Desgraçadamente vem-se a vulgarizar o convite à presença de elementos das entidades civis – autarcas e membros de associações não-eclesiais – a estarem presentes nas celebrações da missa, seja por ocasião de alguma festa mais representativa da localidade, seja pela presença do bispo (visita pastoral ou crisma). Muitas vezes os ‘convidados’ são colocados nos lugares da frente, deixando-os em mau desempenho, pois, não sendo frequentadores das cerimónias religiosas, nem sabem estar. Eis mais uma banalização horizontalista que faz da vivência dos sacramentos um ato social como se fosse uma sessão civil, embora realizada no espaço religioso e que se presume seja de fé. Pior: tiraram (e bem) dos atos civis os representantes das entidades religiosas (sobretudo eclesiásticos) e agora (e mal) somos nós, os católicos, a dar-lhes (laicos) destaque, quando eles não têm aquilo que se pressupõe para participar nas celebrações: fé, mínima e assumida.

3. Depois dessa espécie de debandada generalizada no tempo pandemia e nos tempos subsequentes, talvez devêssemos criar outro ambiente mais cristológico e eclesiológico de fé proclamada e celebrada. Com efeito, não basta a festa para que aquela se manifeste, será preciso e muito que saibamos onde queremos chegar ou nunca chegaremos a lado nenhum e com muito poucos a participarem...ainda. Se não se deram conta é bom tomar consciência de que, muitos destes sinais de horizontalismo, estão infestados de tiques e retoques da ‘nova era’ (new age), essa poderosa arma que fascina os mais incautos e pretensamente modernizados nas formas de atrair... Valerá a pena rever os conteúdos de tantos das nossas celebrações, tentando expurgá-las de tiques e toques que não são de Deus e tão pouco estão inseridos no espírito das coisas da Igreja católica.

4. A cruz precisa das duas hastes, por isso, depreciar a haste vertical fará com que a haste horizontal fique por terra e rebole sobre os fazedores da sua promoção e propagação.
Citamos: «A cruz não é um fim em si mesma: ela eleva-nos para as alturas e revela-nos as realidades superiores. Por isso ela não é somente um símbolo; ela é a arma poderosa de Cristo» (Santa Teresa Benedita da Cruz).



António Sílvio Couto

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