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quinta-feira, 20 de junho de 2024

Cair em graça ou ser engraçado?

 

No passado dia 14 de junho o Papa reuniu, no Vaticano, cerca de cem convidados da área do humor e durante trinta minutos expôs-lhes alguns aspetos daquilo que ele considerou quase uma missão neste mundo.

Esta iniciativa foi promovida pelos dicastérios para a cultura e educação e também o da comunicação.
«Olho com admiração para os artistas que se exprimem através da linguagem da comédia, do humor, da ironia. Quanta sabedoria aí se manifesta. De todos os profissionais que trabalham na televisão, no cinema, no teatro, na imprensa escrita, com canções, nas redes sociais, vós estais entre os mais queridos, procurados e aplaudidos. Certamente porque são bons, mas também por outra razão: têm e cultivam o dom de fazer rir».
O Papa elencou alguns dos aspetos da missão dos humoristas: ‘tem poder de difundir serenidade e sorrisos’, são ainda dos ‘poucos que têm capacidade de falar para muitas pessoas diferentes, de distintas gerações e procedências culturais´.
Francisco deteve-se, por alguns momentos, a falar sobre o ‘riso contagiante’, pois, na sua interpretação ‘é mais fácil rir juntos do que sós: a alegria permite partilhar e é o melhor antídoto contra o egoísmo e o individualismo’. Na sua função social, ‘o riso também ajuda a romper barreiras sociais e a criar vínculos entre as pessoas. Permite-nos exprimir emoções e pensamentos, ajudando a construir uma cultura compartilhada e a criar espaços de liberdade’. Assim se compreende que o ‘homo sapiens’ também é ‘homo ludens’.
Para exemplificar a importância e a vivência do sentido de humor, o Papa reportou-se a uma prática pessoal de há de quarenta anos, em que reza diariamente uma breve oração a São Tomás Moro, que cita na nota 101 da exortação apostólica ‘Gaudete et exsultate’ (de 2018) que qui deixamos para orientação da nossa conduta pessoal e social:
«Dai-me, Senhor, uma boa digestão e também qualquer coisa para digerir. Dai-me a saúde do corpo, com o bom humor necessário para a conservar. Dai-me, Senhor, uma alma santa que saiba aproveitar o que é bom e puro, e não se assuste à vista do pecado, mas encontre a forma de colocar as coisas de novo em ordem. Dai-me uma alma que não conheça o tédio, as murmurações, os suspiros e os lamentos, e não permitais que sofra excessivamente por essa realidade tão dominadora que se chama “eu”. Dai-me, Senhor, o sentido do humor. Dai-me a graça de entender os gracejos, para que conheça na vida um pouco de alegria e possa comunicá-la aos outros. Assim seja».

Este encontro do Papa com essa centena de humoristas de todo o mundo, uns mais conhecidos do que outros, deixou-me algumas questões:
- Será que precisamos de convidar tais artistas para as nossas coisas (religiosas e de formação), quando alguns deles ganham a vida a mofar com as nossas cerimónias?
- Como poderemos atualizar o aforisma - a rir se castigam os costumes’ (ridendo castigat mores)?
- Sabemos enquadrar as piadas que dizem sobre nós da mesma forma como poderemos apreciar o que dizemos dos outros?
- A aprendizagem da arte do humor não exigirá mais sabedoria do que aquela que, por vezes, usamos ou imitamos?

Mal vai o nosso (parco) humor, se não somos capazes de rir de nós mesmos, embora não nos consideremos os palhaços de serviço...



António Sílvio Couto

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