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segunda-feira, 17 de junho de 2024

E se o futebol fosse como um jogo de crianças!

 

Foi ao ver os jogadores da nossa seleção trocarem a bola em jeito de descontração que me aflorou este desejo: talvez seja demasiado infantil ou comporte algo de temerário, pior ainda se isso revelar desilusão quanto àquilo a que já chamaram de ‘desporto’, mas agora apelidam de indústria, podendo até parecer um grande comércio...com contornos duvidosos.

1. Há dados que nos fazem concluir que o futebol não é mais desporto e muito menos diversão, pelo contrário, se guia e faz com intuitos de competição, desde a mais tenra idade até aos mecanismos que o suportam e dele vivem. O amor à camisola – de jogadores, treinadores e/ou dirigentes – foi trocado pelo ‘profissionalismo’, incluindo ganhos-e-custos de uma panóplia de interesses, mais ou menos visíveis, aceitáveis ou toleráveis. Embora seja uma profissão de desgaste rápido – até há pouco tempo um jogador acabava a sua validade pelos trinta e cinco anos – tem sido apresentada como de grande sucesso económico, social e quase cultural. Os que vingam e têm sucesso têm tudo e não fazem por menos mostrá-lo, por vezes, de forma um tanto provocatória. Já vimos a subida e queda de tantos e nem mesmo assim os outros aprendem!

2. Sempre me pareceu que a ‘compra-e-venda’ de jogadores é nitidamente uma nova escravatura e continuamos calados sobre o assunto, portanto cúmplices na negociata, parecendo que tudo é legítimo desde que atinja o clube da minha simpatia, como adepto, como sócio ou como acionista. Os milhões envolvidos na aquisição, troca ou dispensa de um jogador de futebol para além de escândalo comportam autênticos atentados à dignidade da pessoa humana: por vezes na mesma cidade se investem tais montantes e coabitam situações de degradação da vida e da sobrevivência de outras pessoas. Até quando continuaremos a fazer de conta que isto é correto, sendo coniventes pelo silêncio e pelos aplausos aos novos escravos de luxo?

3. O tempo dedicado na comunicação social a este tema do futebol é pornográfico: jogos em direto, antes depois; declarações e comentários de outros que nada tiveram a ver com os jogos; informações dos clubes e contradições dos adversários (internos ou exteriores); tricas e truques, discussões e provocações... Certos órgãos de comunicação gastam mais tempo a limpar o osso do que a comer a refeição. Algo vai mal nisto tudo que podemos ver e assistir, mesmo que sendo intoxicados pela quantidade de falsas notícias que aí se apresentam...

4. Nas cidades os estádios e complexos (ditos) desportivos são os espaços mais amplos, de maior capacidade de acolhimento de público e mais dignos, melhor servidos de acessos, com investimentos faraónicos (que pouco tempo depois se tornam elefantes brancos)... Em tempos as autarquias investiam muito nas coisas dos futebol, julgando com isso conquistar votos, mas com os casos de conluio e de corrupção, entretanto, descobertos e levados à justiça – embora demorada na sua execução – foi caindo tal aposta e conveniência.

5. Por estes dias tudo roda em volta da seleção (portuguesa de mais vinte e três na Europa) de futebol de onze-masculino, criando-se um tal ambiente de euforia que é nitidamente uma espécie de alienação coletiva. Valerá a pena escogitar sobre o valor – dizem de mercado – económico dos jogadores portugueses na atual seleção: 1.044,8 milhões de euros. A seleção portuguesa ocupa o terceiro lugar, antecedida pela Inglaterra (1,67 mil M €) e a França (1,25 mil M €). O resto do top 5 é composto pela Espanha (906 M €) e Países Baixos (874 M €), com a Alemanha a ficar de fora, no sexto lugar, com 799 M €. A campeã da Europa em título, a Itália, é sétima classificada com um valor de mercado a rondar os 761 M €.

6. Ao vermos tanto dinheiro envolvido, o futebol – masculino e feminino; de onze ou futsal; de praia ou amador – movimenta milhões de pessoas, mas trará felicidade a todos? Se fosse mais simples valeria ainda mais.



António Sílvio Couto

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