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segunda-feira, 24 de junho de 2024

Descodificar o jogo

 

Decorrido que está um terço do campeonato europeu de futebol masculino, na Alemanha, poderá parecer que vamos olhar para as análises, as tácticas, as mudanças ou a subtilezas dos jogos vistos... tendo em conta as disputas em campo ou as multidões arregimentadas com suporte. Nada mais enganoso: o jogo em que pretendo centrar a atenção é o decorrente disso a que chamaram o ‘caso das gémeas luso-brasileiras’. Este sim, é um jogo com muitas intrigas, com manobras de bastidores, com intervenientes que não parecem respeitar as regras da civilidade mínima e - pior - usam estratégias pouco lícitas e humanamente duvidosas...

1. Tudo começou por ser um caso de pretensa investigação jornalística, onde duas crianças nascidas no Brasil tinha ‘adquirido’ a nacionalidade portuguesa para hipoteticamente terem acesso a um medicamento muito caro (dizem quatro milhões de euros) e raro, pois inseridas nos hospitais portugueses salvariam a vida às beneficiadas. Segundo fontes envolvidas no processo terá havido ‘cunhas’ - isto é, favorecimentos diversos - atendendo aos envolvidos em acelerar a questão. No topo da pirâmide de intervenientes - diretos ou enviesados - poderia estar o mais alto dignitário da Nação, por interposta pessoa do filho...
O assunto anda a ser noticiado desde finais de 2023. Já passaram sobre ele a queda de um governo, dois atos eleitorais, alguns réus e outros acusados, decorre um inquérito parlamentar com audições e diversas figuras e figurinhas, foram-se dizendo coisas e atrocidades, deixando no ar a sensação de que o jogo parece estar viciado no conteúdo e na forma. Nota-se que, desde os proponentes da investigação até a presença dos inquiridos, alguém quer vencer a sua, mesmo que isso lhe possa custar muitos votos em próximos atos eleitorais.

2. Foi crescendo em mim uma interrogação: não seria preferível deixar morrer aquelas crianças antes de lhes facultar um medicamento - por muito caro que seja - que lhes possibilitasse sobreviver à doença? O ar pidesco com que certos participantes têm intervido não deixa à mostra a sua desumanidade travestida de legalismo? Com tanto afinco em combater a (pretensa) corrupção não andará no inconsciente de uns tantos a tentativa de disfarçar as vezes que pediram ou facultaram ‘cunhas’ e favorecimentos? Qual é o limite aceitável entre a moralidade e a falta de ética, nas lutas partidárias mais encarniçadas? As armas usadas neste caso não serão algo desconexas com o intrínseco valor da vida?

3. Desgraçadamente temos andado a ser manipulados por forças que se consideram de superior moralidade, mas no fundo deixam escapar, em pequenos indícios, o mais reles da condição humana que é o de não olhar a meios para atingir os seus fins, mesmo que esses possam ser ridículos e de baixa ética. Repugna-me ver que tais figuras se reclamam de cristãos, mas disso não têm mais do que o verniz, que estalado deixa a manifesto o caruncho religioso... Outros/as do outro lado da barricada enchem a boca de igualdade de todos e para todos, mas, de verdade, não servem o bem comum, antes se servem para flutuar ainda na sua insignificância eleitoral, embora barulhenta na rua... Alguma comunicação social tem vindo a descer nos critérios noticiosos e a arrastar os que por ela são intoxicados, fazendo crescer a desconfiança social e arrastando todos para o lamaçal das suas convicções... Basta de insistir nesse ‘quanto pior, melhor’, pois um dia ficarão sós e sem que haja quem os aceite ou suporte...

4. O jogo está viciado. Importa deixá-los a digladiarem-se no seu circuito fechado, pois ficarão a morderem-se quais lacraus venenosos em disputa pela vitória... de morte certa.



António Sílvio Couto

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