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quarta-feira, 17 de abril de 2024

Favores e desculpas não se pedem, evitam-se

 


Estes dois conceitos – favores e desculpas – podem (e em muitos casos) revelam uma espécie de cultura mais ou menos assimilada nos nossos meios e ambientes. Com relativa facilidade ouvimos falar do pedido de favores a alguém com mais poder ou com idêntica subalternidade encontramos referência a quem se quer pedir desculpa por algo que não foi tão conforme quanto o desejado... Embora possam ser gestos e atitudes de uma certa educação – dada, recebida e exercida – há, no entanto, nestes dois motivos razões para que antes que se peçam, se evitem...

1. Decorridas cinco décadas sobre o ’25 de abril’ parece que não conseguimos exorcizar a tendência de recurso aos favores. Hoje como nunca, é preciso uma grande ‘cunha’ para que um favor resolva aquilo que deveria ser um direito num consequente dever. Diziam que certos lugares eram atingidos por intercessão de favores. E agora, algo mudou e se fez mais democrático? Nitidamente o cartão do partido se sobrepõe ao simples ‘cartão do cidadão’, onde constam vários números (fiscal, de segurança social e mesmo de saúde...associado ao dito do cidadão), que se entrecruzam para fazer de cada um de nós um pacóvio sem préstimo, se não tiver conhecimentos que lhes respaldem os favores pretendidos... Não nos usem para continuarmos na ditadura dos favores a pedido... Não será neste campo dos favores que medram as condições para a corrupção? De que adianta denunciá-la, se depois prestamos culto ao favorecimento mais ou menos explícito? Parafraseando a expressão bíblica: quem não tiver pecado, atire a primeira pedra!

2. Se há sinal de que pouco ou nada mudou é esse da censura que é lançada como labéu sobre quem discorda ou toma posição: não dizer amén a quem manda torna-se uma espécie de ofensa de difícil perdão. Vemos nos diversos campos de atividade humana gestos, atitudes, posicionamentos, insinuações, perguntas e respostas... que estragam o relacionamento entre as pessoas, os grupos, as associações (grandes ou pequenas, de bairro ou nacionais, dentro e fora da Igreja). Nota-se, mesmo à vista desarmada, um razoável clima de crispação, onde à mais pequena palavra menos bem dita, emergem acusações, dislates e provocações. Poderíamos usar uma imagem para simbolizar esta hiper-sensibilidade: seria como balões que se vão enchendo em crescendo, até que, numa qualquer ocasião de tão cheios que estão, chispam uns nos outros e com facilidade explodem, tal a incontinência verbal e de recurso em que andamos... e não só os outros, é cada um de nós! Os egos são tão opulentos que se obstruem mutuamente e ensombram o desempenho alheio...

3. Ainda dentro do primeiro ano do seu pontificado (foi em outubro de 2013), o Papa Francisco trouxe para a vida pública a inserção na linguagem e, sobretudo, no comportamento, de três palavras, que ele reputa de essenciais para o trato humano: com licença, desculpa, obrigado. Referiu mesmo a preferência no uso destes termos no contexto da família...

Nestas três palavras – atitudes de vida se pode perceber que o centro não é o eu, mas os outros. Estes merecem ser a referência e não a minha circunstância por muito respeitadora que ela possa parecer. Vivemos, muito mais do que julgamos, na conjugação das frases: primeiro eu, depois eu e sempre eu; ou ainda: o que é meu é meu, o que é dos outros é nosso (meu). Repare-se no clima de egolatria em que vivemos, talvez sem nos darmos conta. Já será registado como algum avanço na moderação se a minha ‘bolha’ contiver outros com quem não tenho afinidade de cor (clubística ou partidária), de opinião, de tertúlia ou mesmo de religião...

4. A melhor forma de combater esta sociedade dos favores, é colocar as pessoas – que ainda aceitem expor a sua vida – mais pelo mérito do que pela ideologia. Já começam a ser tão poucos os aproveitáveis, que será preciso despir a camisola colorida para que saibamos ainda dar futuro a este país, afundado por incompetentes oportunistas. Dizer a verdade nua e crua também é serviço aos outros, sem desculpas...



António Sílvio Couto

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