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sexta-feira, 19 de abril de 2024

A Igreja e a política…nos últimos 50 anos

Considerada por alguns historiadores mais integristas como uma espécie de suporte do regime caído no ’25 de abril de 1974’, a Igreja – sobretudo na sua expressão católica – em Portugal viveu tempos conturbados na sua aferição aos tempos pós-revolucionários, não sendo uniforme a atitude de dentro para fora e de fora para com a instituição no todo do território nacional: nalgumas situações houve colaboração, noutros casos alguma conflitualidade e, na maior parte das vezes, uma espécie de mútua desconfiança no conteúdo e até na forma…

1. Situemo-nos: ao nível da Igreja católica universal estava-se o clima de renovação introduzido pelo Concílio Vaticano II, terminado em 1965 – menos de dez anos antes da revolução abrilina – e cujos eflúvios ainda não tinham assentados nas hostes eclesiásticas lusitanas, com muitos padres a saírem do exercício do ministério, os seminários em adaptação aos novos tempos eclesiais, com um laicado pouco motivado ou mesmo comprometido nas lides da Igreja. Eram bispos nas principais dioceses: D. António Ribeiro, em Lisboa – tinha sido nomeado patriarca em 1971; D. Francisco Maria da Silva, arcebispo em Braga; D. António Ferreira Gomes, bispo no Porto, regressado do ‘exilio’ em 1969; D. David de Sousa, arcebispo de Évora; bispo em Aveiro, D. Manuel de Almeida Trindade, que exerceu também a função de presidente da Conferência Episcopal… São estes alguns dos que assumiram, em momentos de alguma tensão – como por exemplo no designado ‘verão quente de 75’ – algum protagonismo tanto na defesa da Igreja como na afirmação desta perante o poder político, em certos casos com sabor neototalitário.

2. Por ocasião de momentos eleitorais, sobretudo a Conferência Episcopal, foi emitindo notas pastorais, chamando os cristãos à participação eleitoral e tentando corrigir certas opções fora dos valores católicos, como por ocasião dos referendos ao aborto… Ainda na década de setenta foram criadas três novas dioceses: Viana do Castelo, saída a arquidiocese de Braga, em 1977, cujo primeiro bispo foi D. Júlio Tavares Rebimbas, coincidindo com um novo arcebispo para Braga, D. Eurico Nogueira; saídas do patriarcado de Lisboa, foi criada a diocese de Santarém, em 1975, com o seu primeiro bispo D. António Francisco Marques e também a de Setúbal, cujo primeiro prelado foi, durante vinte e dois anos, D. Manuel Martins.

3. Interpretando as necessidades das populações ainda do tempo do ‘estado novo’ foram surgindo nas paróquias mais carenciadas e onde não havia já instalada alguma ‘santa casa da misericórdia’ alguns serviços de ajuda aos mais pobres, mesmo na linha dos princípios do Padre Américo, da casa do gaiato, em que cada paróquia devia cuidar dos pobres… como por exemplo as conferências vicentinas e até já alguns centros paroquiais sociais. Estes tornar-se-ão uma espécie de ‘moda’ para catapultar a capacidade de resposta aos pais/mães trabalhadores em certas regiões onde o desenvolvimento fabril se desencadeou. Isso foi fazendo algum caminho com riscos à mistura, na maior parte das vezes, com empobrecimento da ação pastoral da Igreja: os padres-párocos passaram a ser patrões – tarefa para a qual a maioria não estava preparada – e o Estado lavou daí as mãos no investimento da ação social que apregoava e lhe era devida… Para certos fazedores da política, a Igreja só é reconhecida pela ação social que faz, o que é, nitidamente, redutor.

4. Ao longo destes 50 anos houve vários momentos de mudança – alguns dão-lhe o rótulo de ‘crise’ – que obrigaram a Igreja a saber adaptar-se, fazendo o proposto ‘aggiornamento’ falado no Concílio: a quebra de vocações sacerdotais e religiosas, o boom do consumismo, uma nova moral eivada de individualismo (sexual ou outras), o desemprego e a migração, questões de teor sanitário (a covid 19 foi um expoente, mas houve outras situações), a confusão nas questões familiares (com o divórcio, o aborto, a eutanásia, a ideologia de género, a educação, a habitação, a demografia), a quebra na prática da missa dominical, certos escândalos sociais (dentro e fora da Igreja)… Surgiram novos movimentos religiosos (intra e extra eclesiais), tivemos cinco papas, quase todas as dioceses mudaram de bispo duas a três vezes… O Espírito continua a soprar!



António Sílvio Couto

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