Decorria, por estes dias, uma entrevista-memória
com um político recém-retirado da vida ativa, quando, ele mesmo, citou uma
frase que o pai lhe terá dito algures: por que tens sempre essa cara de
trombalazanas? Achei adequado o termo aplicado à figura em causa e ainda me
detive até final do programa para ver como tal epíteto se conferia ao réu…tendo
ajudado a mudar a minha impressão (não julgamento) sobre a pessoa.
1. Consultei, então, o dicionário sobre o significado
de ‘trombalazana’ (ou trambalazana) e pude reconhecer que o termo define –
dizem que num regionalismo português – alguém trombudo, de má cara, algo
ingénuo, que exibe cara fechada (tromba será um adjetivo de outros animais),
carrancudo… Se alargarmos ao sentido mais conotativo poderemos dizer que é
alguém que faz meças à simpatia, pouco simpático – ao menos na versão exterior
– e de feições duras ou endurecidas…
2. Não andará por aí muita personagem trombalazana,
que se transfigura quando quer ‘vender’ a sua imagem, nas mais diversas
circunstâncias e situações? Será benéfico ou contraproducente alguém ser
trambalazana? Não será, antes, mais prejudicial vermos figuras a tentarem
impingir aquilo que não são, mesmo que possam ascender na tabela das simpatias?
Nunca nos desiludimos, quando conhecemos alguém mais na proximidade, na
familiaridade ou na intimidade…respeitosas?
3. Se, por momentos, nos detivermos a analisar a
imagem: essa que temos de nós mesmos; a que queremos dar de nós aos outros; a
que os outros têm de nós; a que seria desejável ou ainda a possível… teremos um
longo e árduo trabalho de autoanálise e de avaliação dos outros. Com efeito,
nem que isso nos desgoste, há um artefacto que todos temos em casa que, no
mínimo, engana-nos e com isso achamos que conseguimos ludibriar os outros: o
espelho. Claro que ninguém, conscientemente, usar a autocontemplação atribuída
à ‘velha bruxa’ da fábula: espelho meu, espelho meu, haverá alguém mais bela do
que eu? E se reparássemos que o espelho nos dá as coisas em contraste,
dar-lhe-íamos tanto significado e importância nos enfeites que diante dele
produzimos?
4. Efetivamente vivemos num tempo onde o culto da
imagem – identidade, identificação, apresentação e (boa) impressão – como que
vai fazendo a (nossa) cultura da aparência, seja ao nível pessoal ou social,
seja pela competência profissional, seja ainda pelos penachos com que nos vamos
enfeitando ou deixando adular. Num país de baixa instrução, um titulozito
amanhado à pressa poderá fazer jeito até que se descubra a farsa. Num país onde
se confunde cultura com títulos ‘académicos’ corremos o risco de patrocinar
incompetentes, malformados e oportunistas…à la carte.
5. Quem não descobrirá, desgraçadamente, a ausência
de uma cultura do mérito e da competência sem olhar à cor do cartão partidário
ou ainda à bolha social em que nos colocamos ou somos colocados? Quem não sente
náuseas e arrepios por ser relegado para fora do circuito da valorização só
porque não se vendeu às pretensões nem sempre claras dos avaliadores? (Tudo
isto é asqueroso no âmbito socio- político-económico, mas torna-se abjeto
quando o vemos acontecer nas teias da Igreja e nos círculos religiosos)…
6. Ninguém é como é ou como se apresenta sem ter
razões para tal. Quantas vezes encontramos uma pessoa que é retraída porque
nunca foi valorizada, mas antes reprimida. Quantas vezes conhecemos pessoas à
defesa ou na desconfiança, no trato com os outros, porque se desiludiram,
quando confiaram, foram magoadas ou ofendidas. Quantas vezes confundimos identificar
– o rosto, o nome ou qualquer outra condição – alguém com o conhecer esse
alguém.
7. Qual o contrário de trambalazana? Será simpático,
de cara sorridente, bem-disposto, sem azedume nem rosto aferrado, não
destilando fel, vinagre nem limão sobre os outros? Como poderemos mudar, já?
António
Sílvio Couto
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