Creio que todos sabemos que a língua (falada ou
escrita) revela o que somos e que as palavras manifestam o que pensamos,
tentando adequar a nossa linguagem àquilo que queremos dizer de forma mais
percetível ao nosso interlocutor. O surgir de ‘novas’ palavras poderá querer
significar que desejamos exprimir algo que se tornou diferente e, por isso,
aparecem expressões, vocábulos, termos ou modos de falar com ou sem sotaque.
1. Em tempos não muito recuados, para entendermos
algumas palavras, precisávamos de ter noções de filologia grega ou latina, pois
muitas das nossas palavras – simples ou eruditas, habituais ou mais elaboradas,
de linguagem popular ou literária – tinham a sua origem em termos dessas
culturas clássicas e, para nos entendermos, necessitávamos de recorrer a essas
fontes…Nos tempos mais recentes vemos aportuguesar inúmeras palavras
estrangeiras, tanto pela transcrição da palavra, como pela adaptação à
sonoridade… surgindo neologismos ou estrangeirismos introduzidos na linguagem,
sobretudo, de âmbito popular, mas que bem depressa se tornam ‘normais’…
2. Há setores onde a introdução na cultura de
neologismos é mais frequente: em matérias de desporto – quantas modalidades
foram adequando a sua designação pela sonoridade à portuguesa – nos campos da
informática, na vida comercial e em tantas outras atividades, funções e
mecanismos de transferência entre o que se fala e o que se vive. Os ‘puristas’
da língua resistem a tais mudanças, exorcizam a todo o custo o pretenso ‘acordo
ortográfico’ e fazem questão de mostrar o desacordo quanto a tudo isso que tem
influenciado a língua portuguesa e a sua evolução… assim parece.
3. Numa espécie de metonímia popularizada vemos
marcas de produtos assumirem quase-designação do mesmo produto. Por exemplo quem
duvida que, quando dizemos ‘quispo’ (marca de um casaco dos finais da década de
setenta do século passado) não estamos a designar um impermeável com capuz à
maneira dos esquimós…que deveria dizer-se anoraque. Um produto fabricado em plástico,
com variados tamanhos, formas e soluções, designámo-lo de ‘taparuere’… e
estamos a designar um recipiente usado para acondicionar desde alimentos até
produtos… Quando uma marca ainda substitui toda a produção ou modo de calçar ou
de vestir – ‘ténis’ ou ‘jeans’ – para falarmos das várias formas de sapatilhas
ou de calças de ganga.
4. Por estes dias estava a ouvir um depoimento, de há
cerca de uma década, de um escritor português que viveu na Holanda – agora
designada de ‘países baixos’, que traduzem ‘neder-landen’ – e escreveu a sua
história. Ele bem tentava encontrar uma palavra que caraterizasse aquele povo na
sua resistência, capacidade de organização e mesmo de luta, percebendo-se que
na frase calhava bem essa outra palavra recentemente introduzida no nosso
vocabulário: ‘resiliência’. Com efeito, esta palavra exprime a capacidade,
sobretudo psicológica, de enfrentar e de superar as adversidades, tentando
conciliar, pela positiva, dois fatores: crise e superação… Se bem que este
termo ‘resiliência’ ocupe farta referência às condições económicas, ele pode (e
deve) abranger mais campos, situações e vivências… desde pessoais até
familiares, sociais e políticas.
5. Uma breve abordagem a um termo talvez agora mais
facilmente entendível na sua compreensão, se o compararmos com a experiência
mais atualizada. Na teologia católica – sobretudo na doutrina de São Paulo –
aparece-nos por várias vezes a expressão de sermos configurados a Cristo (cf.
Fl 2,5; Rm 1,1; Gl 3,27), na linha de sermos revestidos de Cristo, numa
aceitação d’Ele na nossa vida e da nossa vida estar n’Ele. Embora não seja nem
de perto nem de longe algo semelhante, quem trabalhe com questões tecnológicas
saberá o que é ‘configurar’ um telefone ou um computador e talvez possa entrar
com mais sentido naquilo que a doutrina católica nos refere ao configurar-se a
Cristo… Deste modo a linguagem técnica serviria os intentos
religiosos-espirituais… Não sendo um neologismo, ‘configuração’ ganharia novo
significado a partir da experiência humana atualizada!
António
Sílvio Couto
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