É um
novo fenómeno que perpassa pela nossa sociedade: decorridas as eleições
autárquicas é bem de ver a flutuação de pessoas – do mesmo partido – para
concelhos da mesma cor, mesmo que numa distância razoável, podendo parecer uma
espécie de transvaze à semelhança da seca, que por agora grassa em todo o território
continental… As mudanças nem sempre respeitam os que lutaram pela derrota dos
anteriores e não veem agora recompensado o seu esforço…
1. Esta política de transvazes era
conhecida entre autarquias ligadas a uma tal esquerda – defensora dos
‘trabalhadores e do povo’ – onde um presidente era técnico superior (como
quadro) noutro concelho e, quando não era eleito, por exemplo como vereador,
logo era acolhido numa outra instância da mesma coloração e a curta distância…
Assim já se via a dança de pessoas e de pelouros ao sabor do que mais convinha,
desde que servisse para manter a superioridade (dita) sociológica, mesmo que
não fosse mais eleitoral…A rotação das peças era gerida a contento e, nalguns
casos, gerada em contentamento…pensavam eles!
2. Este mecanismo de transvaze como
que explica que vejamos pessoas como assessores numa autarquia e passados
breves tempos surjam como candidatos ou chefes noutras ao lado…e, casos há, até
já fora do mesmo partido. Cresce, então, a sensação de que há uma nomenclatura que
governa, conduz e até alicia para que se pense ser tudo igual ou ao menos com
aceitação tácita. Temos vivido neste ambiente nas últimas quatro décadas e com
uma naturalidade tal que destoar parece ofensivo e/ou antidemocrático.
3. Ao tomarmos conhecimento deste
puzzle percebemos as expressões populares:
são todos iguais; só mudam as moscas; é uma questão de chegar ao poder; se
queres conhecer o vilão, põe-lhe o pau/mando na mão; não peças a quem pediu nem
sirvas a quem serviu…Numa palavra: a diferença não está nas políticas, mas
nas pessoas, pois são estas que executam aquelas. Com efeito, o nível e a
qualidade tem vindo a decrescer a olhos vistos, dado que, cada vez menos, vemos
pessoas a pensarem nos outros, mas antes a olharem para si e para os seus
interesses. Se acontecer algo ou aparecer alguém que não seja deste modo, será
de acolher, aceitar e de ajudar a ser isso que pretende: estar ao serviço e não
a servir-se…
4. Um exemplo de transvaze
sociopolítico surgiu nas recentes eleições: por ‘acordo entre todos’, os
partidos concorrentes aceitaram que os votos dos emigrantes – só no círculo da
Europa – que não fossem acompanhados da respetiva identificação do eleitor
poderiam ser aceites…e misturados com outros que tinham cumprido a lei.
Descoberta a ilegalidade é preciso repetir o ato eleitoral.
Digamos
que aqueles que fazem as leis, os deputados, são os primeiros a incumpri-la,
estaremos na proporção dessa ideia de colocar a raposa de guarda à capoeira… A
imagem não foi colocada ao acaso, mas poderemos, assim, compreender, que o
local da discussão da democracia é isso mesmo: posto onde uns tantos se
consideram galos e outros franganitos à mistura com galinhas e pintainhos mais
cordatos e submissos… numa espécie de capoeira nem sempre alinhada com os
interesses nacionais mínimos.
5. Agora que foi anunciado o
desagravamento da maior parte das medidas anti-covid, parecem emergir ideias de
que tudo vai voltar a ser igual. Por certo isso não seria sério considerá-lo,
pois, decorridos dois longos anos de sofrimento, temos de aprender a estar no
trato – convívio, contato, confraternização, etc. – uns com os outros. Tendo em
conta períodos anteriores desta pandemia como que soa a má organização,
deficiente programação ou razoável manipulação quanto foi (mais uma vez)
anunciado… Agora que têm maioria governativa falem mais verdade, não iludam com
trejeitos de conveniência, pois quem engana facilmente perderá a ilusão
quase-ditatorial. Façam o transvaze da liberdade, sem deixarem de não pensar
que nunca se descobrirá as manigâncias mais subtis…
António Sílvio Couto
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