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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Qual é a pressa?


 Em tempos não muito recuados esta frase – qual é a pressa? – fez algum furor nos meios políticos.

Valerá a pena recordar o texto e o contexto, até para captarmos o que esta mesma frase pode significar nos nossos dias... e quais as implicações se não respeitarmos não o andar (mais) devagar, bem como a compreensão e a vivência que pode estar subjacente ao sem-pressa... que não é indiferença.

 1. Eis factos históricos sobre a procedência daquela frase.

No início de 2013, um ex-ministro do governo-Sócrates e ajudante privilegiado da estratégia de António Costa para substituir o então secretário-geral socialista lançou um desafio para a realização de um congresso extraordinário do partido com o objetivo de escolher um novo líder. Com serenidade António José Seguro – eleito secretário-geral em 2011 e reeleito em 2013 – repetiu várias vezes: qual é a pressa?
Entretanto, realizaram-se eleições para o Parlamento Europeu e o tal ex-ministro foi eleito. Essas eleições foram ganhas pelos socialistas, mas a facção opositora ao secretário-geral em funções considerou que foi ‘por poucochinho’... e, depois de várias peripécias, foram convocadas ‘eleições diretas’, em 2014, nos socialistas, tendo António Costa ganho a António José Seguro... Como consequência disso, e depois de um congresso, António Costa fez o seu caminho e desde 2015, numas eleições que perdeu (e não foi por poucochinho), mas que se fez governar através da geringonça, durante 2178 dias... até à mais recente vitória. Aquela pressa de 2013 deu nítidos resultados... 

 2. No rifoneiro popular encontramos: ‘depressa e bem, há pouco quem’! Com efeito, a pressa é, muitas vezes, inimiga da qualidade e, raramente, se consegue fazer bem e depressa. Não querendo sequer insinuar sobre os factos (ou fatores) políticos supra aduzidos, dá a impressão que a pressa favorece quem defende (ou mesmo atua) sob a condição de atingir os (seus) fins sem olhar a meios. De facto, quando os fins pressionam os meios com facilidade se dá prioridade à pressa e não à consistência e ao amadurecimento das causas para que surtam os verdadeiros efeitos. A paciência na espera é capaz de colidir com mecanismos mais ou menos atrozes de pressa. Dar tempo ao tempo, será outra faceta que a pressa não terá tempo de cuidar. Ser demasiado apressado talvez seja de mau conselho e de pior vivência...

 3. Ao nível das imagens bíblicas há uma que se adequa a esta reflexão anti-pressa: a construção da casa... e esta entendida em diversas vertentes, desde o edifício material até à casa de família, passando pela personalidade de cada pessoa e mesmo pelo amadurecimento humano, tanto psicológico como espiritual.

«Portanto, quem ouve estas minhas palavras e as pratica é como um homem prudente que construiu a sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, e ela não caiu, porque tinha seus alicerces na rocha. Mas quem ouve estas minhas palavras e não as pratica é como um insensato que construiu a sua casa sobre a areia. Caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, e ela caiu. E foi grande a sua queda" (Mt 7, 24-27).

Eis a escolha, mesmo que nem sempre clara e efetiva: o alicerce diz muito do edifício, quanto mais alto se pretender fazer mais fundo deverá ser... Teremos ainda de ter em conta o terreno onde queremos erguer a ‘casa’. Nota-se que, ao nível humano, se vai negligenciando o fator cultural mínimo, mesmo no âmbito de compromisso de vida, como no casamento ou na vida sacerdotal...

 4. Não andaremos a construir – na maior partes das vezes – mais sobre a areia, sem alicerces mínimos e suficientes? Não seremos mais fatores de inconstância do que de serenidade, mesmo nas horas de provação? Nessa espécie de ‘querer mostrar serviço’ não andaremos mais ao sabor da (boa) impressão do que da real execução? Todos saberão, de verdade, aquilo com que tentam impressionar os outros?

Sem pressa haveremos de aprender a amadurecer os mais básicos princípios da nossa vida simples e leal. 

 

António Silvio Couto

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