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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Seca: maldição ou sinal?

 


Eis que, de repente, se passou a falar de algo, embora essencial, andou bastante esquecido: começa a faltar água. As barragens, na sua maioria, estão a cerca de 10% da sua capacidade. As imagens de terra seca e gretada deixam antever algo de muito grave, a curto e médio prazo. Os mais fundamentalistas do clima saem das suas tocas de convicção para reclamarem contra tudo e todos... Mas se não chover nos próximos dois meses muito será posto em causa, tanto na agricultura, como no meio ambiente e mesmo nos recursos hídricos básicos... de acesso à água.


1. No final de janeiro, mais de um terço do continente (34%) encontrava-se em seca severa, mais de metade (54%) em seca moderada, enquanto que 11% do território estava em seca extrema e só 1% em seca fraca.
Em Portugal continental, a seca meteorológica mais intensa desde o início do século foi registada em 2005. Comparando a situação atual com a de 2005, verifica-se que o grau de severidade da seca atual é ligeiramente inferior com a situação em final de janeiro de 2005. Com efeito em 2005, todo o território também se encontrava em seca meteorológica no final de janeiro, mas com maior percentagem nas classes de seca severa e extrema (22% em seca extrema, 53% em seca severa e 25% em seca moderada).

2. Perante esta situação tão complexa, onde está subjacente a presença da água ou a falta dela (seca), podem surgir algumas perguntas, umas mais de teor científico, outras na linha popular, outras ainda de âmbito religioso ou mesmo de cariz mítico-fatalista... A que se deve esta situação de seca? As alterações climáticas explicam tudo ou confundem as razões com as consequências? Já teremos uma boa aprendizagem para o uso e não para o desperdício da água? Como poderemos salvaguardar que haja água para todos, sem deixarmos de ser injustos e de corrermos riscos quanto ao futuro? Estaremos todos conscientes de que a água é um bem perecível? Quando se fará uma correta educação para termos água no futuro próximo? Já captamos a abrangência da expressão: ‘água é vida’? Será que podemos interpretar a seca como castigo divino? Que significado tem essa visão na linguagem bíblica?

3. Para ser desenvolvida uma ‘política do uso da água’ talvez possa ser útil considerar a água em quatro níveis: uso na alimentação e na higiene (pessoal e social), dimensão económica (energia elétrica, agricultura e jardinagem), nos desportos náuticos e ações de lazer tendo presente a água.
É (ou devia ser) diferente a água que usamos na alimentação (beber, cozinhar ou como recurso necessário para a atividade humana) com essa outra que poderíamos usar na higiene ou em trabalhos que não necessitem de água potável. Por vezes usamos desta para coisas que não o exigiriam. Falta, por exemplo, formas de reaproveitar as águas da higiene pessoal (banho ou lavar das mãos) para as descargas sanitárias, onde desaproveitamos tanta água potável...
Somos um país com uma frente de mar de milhares de quilómetros e, enquanto noutros países se recorre à dessanilização como meio de aproveitar a água que é preciso, por cá rara ou nunca se fala deste método do bom uso dos recursos hídricos. Talvez momentos de crise em seca - como este que estamos a vivenciar -  possam alertar-nos para aspetos que precisam de ser estudados por quem olha as coisas com futuro e não se limita a remendar com objetivos do passado.

4. Sem dramatismos podemos ainda considerar que, nalgumas circunstâncias bíblicas, a falta de água - sobretudo de forma prolongada, através da seca - foi considerado ‘castigo divino’ ou forma de correção quanto ao afastamento para com Deus, particularmente, na visão do Antigo Testamento. «Entre os ídolos inúteis das nações, existe algum que possa trazer chuva? Podem os céus, por si mesmos, produzir chuvas copiosas? Somente tu o podes, Senhor, nosso Deus! Portanto, a nossa esperança está em ti, pois tu fazes todas essas coisas» (Jr 14, 22).  Que sinal nos estará Deus a dar com mais este tempo de seca?

 

António Silvio Couto

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