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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Elegia da ignorância

 

Etimologicamente ‘ignorância’ vem da palavra latina ‘ignorantia’ - ‘in’ (não) e ‘gnarius’ (sabedor) - isto é, ‘ignorância’ significa não-sabedor de uma determinada matéria ou assunto...falta de ciência ou de saber, incompetência.
Daqui se pode depreender que ‘ignorância’ reveste algum significado pejorativo, podendo distinguir-se ainda entre ‘agir por ignorância’ e ‘agir em ignorância’. Ora quem atua ‘por ignorância’ pode fazê-lo por falta de conhecimento e de modo involuntário, enquanto ‘quem age na ignorância’ atua de forma não-civilizada e voluntária.
Poder-se-á dizer também que uma pessoa ignorante vive e atua de acordo com a sua ignorância, podendo basear o seu comportamento em preconceitos, superstições e ideias sem razão...isto podê-lo-á condicionar a ver as suas limitações e a necessidade de aprender, de se educar e de se instruir...mais.
Atribui-se a Aristóteles este pensamento: ‘o ignorante afirma, o sábio dúvida e o sensato reflete’. Por isso, se alguém pensa – e como tal atua – que sabe tudo não terá motivação nem capacidade para querer aprender, pois crê que nada tem a estudar, a pensar ou a questionar.

1. Vamos servir-nos, em jeito de paráfrase, do texto bíblico que faz o elogio da caridade (cf. 1 Cor, 13,4-8), para abordarmos esta temática da ignorância...com as suas caraterísticas mais significativas:
A ignorância é impaciente, a ignorância é maldosa; tem inveja, é orgulhosa, é arrogante e escandalosa.
A ignorância procura o próprio interesse, irrita e irrita-se; guarda rancor, alegra-se com a injustiça, rejubila com a mentira.
A ignorância nada desculpa, em nada acredita, desespera e é insuportável. A ignorância nunca acabará?

2. Dá a impressão que se torna um tanto difícil distinguir quem atua e vive guiado pela ignorância ou quem ainda não se apercebeu do seu estado de ignorante e se considera uma espécie de sabichão do nada. Com efeito, não andará por aí muita gente que consegue disfarçar a sua ignorância com a prosápia de bem-falante? Não andaremos a adular ignorantes que nos iludem com trejeitos de vendedores de ilusões? Não cultivaremos ainda mais a ignorância, ao promovermos tantos/as que fazem da preguiça modo-de-vida e da fachada o comportamento habitual? Em tantas das nossas ações não pactuaremos mais com a ignorância do que com a necessidade de um saber contínuo e crescente?

3. Circula em certos meios eclesiásticos que a ignorância funciona como se fosse um ‘oitavo sacramento’ e com tal evidência que os outros sete quase se subjugam a ele. De facto, fomos confrontados com tantas situações de ignorância que se torna arrepiante ultrapassar a carapaça do interlocutor. Nalguns casos parece ser um ’agir em ignorância’, pela forma desadequada em colocar as questões, mas noutros momentos dá para compreender que é um ‘agir por ignorância’, tal a convicção com que os desejos religiosos são apresentados para serem resolvidos.
Sobretudo nos apelidados ‘sacramentos sociais’ – batismo e matrimónio – bem com nos atos religiosos de caraterísticas mais profanas – como certas etapas da catequese ou mesmo por ocasião de um funeral – vemos tantas pessoas manifestarem a sua ignorância que corremos o risco de aliviar as soluções para não termos problemas mais ou menos inconsequentes. Não será isto pactuar com a ignorância? Não será isto fugir para o lado menos correto da resolução dessa ignorância?

4. Fique claro: não devíamos confundir ignorância com nesciência, isto é, não é certo meter no mesmo saco quem não sabe e talvez não seja obrigado a saber, com que não sabe e deveria saber, que é o que significa a tal ‘nesciência’. Com efeito, o desconhecimento do ‘ignorante’ é muito diferente daquele que o ‘néscio’ manifesta, pois neste há algo que não desculpa as debilidades daquele. Por isso, deveríamos – na nossa conduta eclesial – tratar tantos dos problemas na linha da nesciência – deveria conhecer e estar apto a querer aprender – e não tanto no rótulo da ignorância. Dizem e com verdade: a ignorância é atrevida!

António Sílvio Couto

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