No dia 2 de fevereiro celebramos a festa da ‘Apresentação do Senhor’ com a possibilidade de dois momentos diferentes e complementares: a bênção e procissão das velas, com subsequente eucaristia, onde se faz direta referência à purificação de Maria e a apresentação de Jesus no Templo de Jerusalém.
O primeiro momento celebrativo faz, desde logo,
alusão ao tema da luz, que Simeão acolhe, agradece e anuncia: Jesus. Na
eucaristia somos chamados a inserir a vivência da entrega, feita por Maria e
profeticamente interpretada por Simeão e Ana… Esta ‘entrega’ de Maria tem vindo
a dar conteúdo eclesial a esta festa, na vertente da ‘consagração ao serviço do
Reino de Deus’.
Previamente devemos considerar ainda que estamos
perante dois momentos rituais da religião judaica: a circuncisão (oito dias depois do
nascimento) e a apresentação-purificação no Templo (quarenta dias após o dito
nascimento). Nesta passagem bíblica faz-se referência, por quatro vezes, a que eles
– José e Maria – desejavam cumprir aquilo que estava prescrito pela Lei do
Senhor (cf. Lc 2, 22.23.24.27).
Nesta pequena reflexão vamos tentar
refletir sobre o significado mais profundo para nós, hoje, de modo a melhor
vivermos estes dois momentos da revelação de Jesus.
«21 Quando se completaram os
oito dias, para a circuncisão do menino, deram-lhe o nome de Jesus indicado
pelo anjo antes de ter sido concebido no seio materno.
22 Quando se cumpriu o tempo da sua
purificação, segundo a Lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém para o
apresentarem ao Senhor, 23 conforme está escrito na Lei
do Senhor: «Todo o primogénito varão será consagrado ao Senhor» 24 e
para oferecerem em sacrifício, como se diz na Lei do Senhor, duas rolas ou duas
pombas.
25 Ora, vivia em Jerusalém um homem chamado
Simeão; era justo e piedoso e esperava a consolação de Israel. O Espírito Santo
estava nele. 26 Tinha-lhe sido revelado pelo Espírito
Santo que não morreria antes de ter visto o Messias do Senhor. 27
Impelido pelo Espírito, veio ao templo, quando os pais trouxeram o menino
Jesus, a fim de cumprirem o que ordenava a Lei a seu respeito.
28 Simeão tomou-o nos braços e bendisse a Deus, dizendo:
29 «Agora, Senhor, segundo a tua palavra,
deixarás ir em paz o teu servo, 30 porque meus olhos viram a
Salvação 31 que ofereceste a todos os povos,
32 Luz para se revelar às nações e glória de
Israel, teu povo.»
33 Seu pai e sua mãe estavam admirados com o
que se dizia dele. 34 Simeão abençoou-os e disse a
Maria, sua mãe: «Este menino está aqui para queda e ressurgimento de muitos em
Israel e para ser sinal de contradição; 35
uma espada trespassará a tua alma. Assim hão-de revelar-se os pensamentos de
muitos corações.»
36 Havia também uma profetisa, Ana, filha de
Fanuel, da tribo de Aser, a qual era de idade muito avançada. Depois de ter
vivido casada sete anos, após o seu tempo de donzela, 37
ficou viúva até aos oitenta e quatro anos. Não se afastava do templo,
participando no culto noite e dia, com jejuns e orações. 38
Aparecendo nessa mesma ocasião, pôs-se a louvar a Deus e a falar do menino a
todos os que esperavam a redenção de Jerusalém.
39 Depois de terem cumprido tudo o que a Lei
do Senhor determinava, regressaram à Galileia, à sua cidade de Nazaré. 40
Entretanto, o menino crescia e robustecia-se, enchendo-se de sabedoria, e a
graça de Deus estava com Ele»
(Lc 2, 21-40).
Após o nascimento é-Lhe dado, ritualmente
oito dias pela circuncisão, o nome de Jesus, conforme tinha sido indicado pelo
anjo (v. 21). O texto abre com a expressão – ‘quando se completaram’ – numa
alusão àquilo que se pode designar como a realização das profecias’ do Antigo
Testamento. Por seu turno, a referência à circuncisão é o cumprir de Gn
17,12-13: «Oito dias depois de nascer, toda a criança do sexo masculino, das
vossas gerações futuras, será circuncidada por vós; os servos, nascidos em casa
ou estrangeiros adquiridos a dinheiro, serão também circuncidados, ainda que
não pertençam à tua raça. Tanto o indivíduo do sexo masculino nascido em casa,
como o que for adquirido a dinheiro, deverão ser circuncidados; e, desta forma,
será marcado na vossa carne o sinal da minha aliança perpétua» e ainda em Lv
12,3.
A apresentação do Menino no templo não era requerida pela Lei, que apenas prescrevia
a purificação da mãe, como se refere em Lv 12, 6-8: «Quando terminar o tempo da
sua purificação, para um filho ou para uma filha, apresentará ao sacerdote, à
entrada da tenda da reunião, um cordeiro de um ano, como holocausto e uma pomba
ou uma rola, como sacrifício pelo pecado. O sacerdote oferecê-los-á ao Senhor,
fará o rito da purificação por ela, e será purificada do fluxo do sangue. Esta
é a lei relativa à mulher que dá à luz um filho ou uma filha. Se não tiver
meios para oferecer um cordeiro, tomará duas rolas ou duas pombas, uma para o
holocausto e outra para o sacrifício pelo pecado; o sacerdote fará a expiação
por ela e será purificada».
Nos vv. 22-24 de Lc 2 encontramos o cumprimento das prescrições legais quanto
ao após o nascimento de um filho, sobretudo naquilo que à mãe se referia. A
novidade aparece-nos nos versículos seguintes, onde interveem Simeão e Ana,
duas figuras que marcam a interpretação do cristianismo, mesmo no
relacionamento com os mais velhos. Digamos que se dá um encontro entre os
jovens e os anciãos: os jovens eram Maria e José, com o seu recém-nascido; e os
anciãos eram Simeão e Ana, duas personagens que frequentavam sempre o Templo.
«E o que diz são Lucas a propósito destes anciãos? Ressalta mais de uma vez que
eles eram orientados pelo Espírito Santo. Acerca de Simeão, afirma que era um
homem justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel, e que «o Espírito
Santo estava sobre ele» (2, 25); recorda ainda que «o Espírito Santo lhe tinha
revelado» que não ele morreria sem primeiro ter visto Cristo, o Messias (v.
26); e, finalmente, que foi ao Templo «impelido pelo Espírito Santo» (v. 27).
Depois, acerca de Ana, diz que ela era uma «profetisa» (v. 36), ou seja,
inspirada por Deus; e que estava sempre no Templo, «servindo a Deus noite e dia
com jejuns e orações» (v. 37). Em síntese, estes dois anciãos estão cheios de
vida! Estão repletos de vida, porque animados pelo Espírito Santo, dóceis ao
seu sopro, sensíveis aos seus conselhos...
(...) Trata-se de um encontro entre jovens cheios de alegria na observância da
Lei do Senhor, e de anciãos repletos de alegria pela obra do Espírito Santo. É
um encontro singular entre observância e profecia, onde os jovens são
observantes e os anciãos proféticos! Na realidade, meditando bem, a observância
da Lei é animada pelo próprio Espírito, e a profecia move-se ao longo do
caminho traçado pela Lei. Quem, mais do que Maria, está cheio de Espírito
Santo? Quem, mais do que Ela, é dócil à sua acção?» (Papa Francisco, ‘Homilia
na festa da Apresentação do Senhor, XVIII dia mundial da vida consagrada’,
Vaticano, 2 de fevereiro de 2014).
Numa palavra: esta passagem entre os jovens
Maria e José com Simeão e Ana como que resume o encontro a Lei e a profecia,
sendo esta uma nova leitura, segundo o Espírito Santo naquela... tendo sempre
Jesus por referência, ontem como hoje.
Sobretudo após a reforma litúrgica do
Concílio Vaticano II, em 1969, a celebração deste mistério da Apresentação do
Senhor quis, tanto ao nivel teológico como na incidência popular, dar uma marca
cristológica, mesmo com a ‘bênção das velas’ e respetiva procissão, onde se
quer afirmar Cristo como luz das nações. Outro tanto se diga da acoplação a
esta celebração de vertentes diversas do contexto sócio-religioso: como dia das
vocações consagradas ou de especial dedicação ao serviço de Deus e dos irmãos.
= O cântico de Simeão (Lc 2, 29-32)
«29 Agora,
Senhor, segundo a tua palavra, deixarás ir em paz o teu servo, 30
porque meus olhos viram a Salvação 31
que ofereceste a todos os povos, 32 Luz para se revelar às nações
e glória de Israel, teu povo.»
No contexto do Templo e por
ocasião da apresentação de Jesus, São Lucas deixa-nos este cântico simples e
programático da vida de Jesus. Servimo-nos, novamente, de uma homilia do Papa
Francisco por ocasião da celebração da Festa da Apresentação do Senhor.
«O cântico de Simeão é o cântico do homem
crente que, na reta final dos seus dias, pode afirmar: É verdade! A esperança
em Deus nunca dececiona (cf. Rm 5, 5); Ele não engana. Na sua velhice, Simeão e
Ana são capazes duma nova fecundidade e dão testemunho disso mesmo cantando: a
vida merece ser vivida com esperança, porque o Senhor mantém a sua promessa; e
será o próprio Jesus que explicará, mais tarde, esta promessa na sinagoga de
Nazaré: os doentes, os presos, os abandonados, os pobres, os anciãos, os
pecadores… também eles são convidados a entoar o mesmo cântico de esperança, ou
seja, que Jesus está com eles, está connosco (cf. Lc 4, 18-19).
Este cântico de esperança recebemo-lo em herança dos nossos pais. Eles
introduziram-nos nesta «dinâmica». Nos seus rostos, nas suas vidas, na sua
dedicação diária e constante, pudemos ver como este louvor se fez carne. Somos
herdeiros dos sonhos dos nossos pais, herdeiros da esperança que não dececionou
as nossas mães e os nossos pais fundadores, os nossos irmãos mais velhos. Somos
herdeiros dos nossos anciãos que tiveram a coragem de sonhar; e, como eles,
também nós hoje queremos cantar: Deus não engana, a esperança n'Ele não
dececiona. Deus vem ao encontro do seu povo. E queremos cantar embrenhando-nos
na profecia de Joel: «Derramarei o meu Espírito sobre toda a humanidade. Os
vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos anciãos terão sonhos e
os vossos jovens terão visões» (3, 1).
Faz-nos bem acolher o sonho dos nossos pais, para podermos profetizar hoje e
encontrar novamente aquilo que um dia inflamou o nosso coração. Sonho e
profecia juntos. Memória de como sonharam os nossos anciãos, os nossos pais e
mães, e coragem para levar por diante, profeticamente, este sonho» (Papa
Francisco, ‘Homilia da festa da Apresentação do Senhor e XXI dia mundial da
vida consagrada’, 2 de fevereiro de 2017).
Expunhamo-nos à
Luz que iluminou e guiou Simeão…
António Sílvio Couto
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