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sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Felizmente, calaram os papagaios!

Foi com um misto de surpresa e de algum contentamento que vimos serem suspensos os programas televisivos – em canal codificado – de confronto entre adeptos dos (ditos) três grandes do futebol nacional. De facto, aqueles programas eram da mais baixa conduta verbal, intelectual e mesmo cultural…mesmo que alguns tenham sido craques da bola ao seu tempo. Certos programas apareciam no écran nos dias dos jogos, mas outros prolongavam a discussão até meio da semana seguinte, pegando alguns com a jornada posterior e escarafunchavam tudo e todos com análises, debates, discussões, insinuações, repercussões e conversas da pior espécie, se estivéssemos a falar de assuntos minimamente sérios, credíveis ou mesmo suficientes para ocupar a vida… Eis uma lista dos ditos programas – sem identificar o canal ou mesmo a qualidade – sobre o futebol e com essa fechada linguagem do futebolês em quadro dos pretensos representantes dos ‘três grandes’: donos da bola, trio d’ataque, o dia seguinte, play off, prolongamento, pé em riste, liga d’ ouro, grande área… Outros programas se ocupam desta indústria e de tudo o que está à sua volta gira e faz rodar, pois só o objeto bola parece ser redondo, dado que até os três jornais diários desportivos – para além das seções dos outros da imprensa e tantos mais da rádio – pululam com notícias, factos, interesses e tudo o resto! = Qual terá sido, então, a razão mais essencial para esta concertação na suspensão dos programas desportivos televisivos? Teve a ver com a quebra de qualidade ou com a queda de audiências/publicidade? Foram os tempos de pandemia que fizeram pensar melhor ou já se vinha a amadurecer a decisão sobre a irracionalidade dos intervenientes? Não será que os programadores se enganaram ao permitirem que os opinadores se tenham deixado tomar pelas emoções quase-irracionais? Não seria uma tentativa insidiosa de manipulação que a maior parte dos programas era às mesmas horas e nos mesmos dias? Não se terão advertido que o zapping desfazia a contagem de audiências? À força de tanto insistirem num modelo idêntico não terão conseguido enfastiar o povo e de esgotar a deficiente qualidade’ Efetivamente perante certas intervenções nos programas supra citados era algo arrepiante perceber que a instrução de uns tantos se nivelava pelo mais básico quando se pronunciavam sobre o seu clube. Certas discussões eram ainda mais emotivas por tais figuras instruídas do que uns outros sem compreenderem uma letra, quando preenchidos pelos vapores etílicos em maré de derrota. Em certos momentos a alucinação clubística como que ofuscava a valorização sociopolítica de responsabilidade cívica e cultural. Houve casos em que membros do mesmo partido como se ‘transfiguravam’ em rudes adversários, quando se tratava de enfrentar as hostilidades de clubes diferentes… águias, leões ou dragões saiam dos seus redutos enfurecidos para combaterem, mesmo com o recurso a golpes baixos, os seus ‘inimigos’ de estimação. = Apesar do efeito um tanto malévolo de tais programas na visão do futebol no nosso país, houve casos que se foram tornando rampas de lançamento para outros projetos pessoais e sociais. Numa das situações um advogado entrou como comentador, quase diário, num canal e saiu como dirigente/deputado de um partido, confundindo-se a cor do clube com outras pretensões. Diz-se que em tempos idos a mesma coloração desse clube deu cobertura a outras formações partidárias, percebendo-se que, ainda hoje, haja tantos militantes desse partido nesse clube de futebol… Isto nos dá a possibilidade de não perdermos a oportunidade de agora tentarmos mergulhar nas razões desta suspensão/descontinuidade como podendo esconder algo mais essencial sobre o estado político das questões em que nos vamos entretendo… pois amordaçaram – a máscara é disso um bom sinal – a divergência para que possa haver concordância no amorfismo…generalizado. = Já na época de decadência da civilização romana se reduzia a cultura ao ‘pão e jogos’. Agora que acabaram com a discussão dos jogos que virá para entreter o povo? Será que a crise do pão não trará riscos de conflitualidade, que os jogos iludiam? A decisão de calar os papagaios de serviço foi boa e corajosa. O futuro nos dirá que outro fenómeno substituirá o menos mau… António Sílvio Couto

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