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segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Entrar de chancas…em sapatinhos de fivela


Quando um alto responsável do governo se irrita, levanta a voz – mesmo que possa dizer depois o contrário – e ameaça, isso é ‘entrar de chancas’ sobre quem se lhe opõe, critica a sua atuação, vê de forma diferente da sua ou não precisa de usar truques para ludibriar.

Quando se fazem propostas para reduzir o ‘desemprego’, trocando funcionários do turismo para trabalhadores do setor social, isso é ‘entrar de chancas’ à custa de lavagem de números e/ou de venda de soluções insidiosas.

Quando se tenta usar todos e mais alguns dos argumentos para fazer uma festa política, tentando travesti-la de arranjo simbólico para angariar mais uns fundos para a agremiação, isso é ‘entrar de chancas’ sem reconhecer que os outros já se aperceberam da manha pelo regime de exceção.

Quando, afinal, se vai descobrindo que as chancas já não são feitas de tosca madeira, mas se revestem de finas películas sobre sapatinhos de fivelas – preferencialmente de marca estrangeira – subvertendo o fabrico nacional… Isso revela que as chancas dos aldeões têm agora sucedâneas artimanhas na nossa vida social, política e cultural. As chancas fazem bastante barulho, quando se caminha com dificuldade… 

= Efetivamente temos visto que o vírus maldito veio alterar o comportamento de tantos dos intervenientes nos diversos setores da vida pública e mesmo privada. Dá a impressão que congelou o raciocínio de alguns e fez com que não consigam lidar com a diferença, pois gerir com menos meios é arte, a que não estavam habituados nem sabem como se faz. Um tal habilidoso das finanças fugiu cobardemente porque teria de apertar o cinto e isso ele não consegue nem está preparado para o desenvolver…Do posto que agora ocupa vê de cima e, possivelmente, se rirá, escondendo como sempre os dentes, das tentativas de não fazer pior por parte dos seus sucessores. Os sapatinhos de fivela em que se passeia não passam de chancas enlameadas em maré de tempestade… para os outros.  

= Diante de certos sinais que vemos já na nossa sociedade, é preciso acordar para a verdade – coisa que nem todos cultivam – da situação económica, deixando que nos digam o que se passa sem medo nem aldrabice. Basta de unanimismo, que só tem favorecido os incompetentes. Basta deste clima anódino em que temos andado enredados, pois isso essencialmente favorece os oportunistas. Basta de tentativas de querer calar quem pensa de forma diferente, pois isso revela os velhos tiques da ditadura. Basta de querer estar de bem com tudo e com todos, pois essa era a arma dos manipuladores, que queriam o silêncio cúmplice dos comprados a troco do comer e da diversão.  

Dá a impressão que paira uma nuvem de desconfiança sobre muitas das pazes na nossa sociedade, pois, nalguns casos, isso é, sobretudo, resultado de que, quem manda ter na mão a torneira que alimenta tantas das obras sociais no trabalho do setor social. Com efeito, estamos a pagar a fatura dessa fatídica ilusão de fazer das paróquias e afins espaços de trabalho na área da economia social. Os ‘elefantes’ – tenham a cor que lhes quiserem dar – foram engordando e as respostas não conseguiram acompanhar as exigências do tempo… salários e regalias, contribuições e acordos, subvenções e subsídios… foram crescendo ou minguando sem que se possa considerar que estamos a salvo de crises eminentes. 

= Talvez tenhamos de fazer mais barulho, batendo com as chancas no soalho da comunicação social. Talvez se devam denunciar os apertos a que estamos submetidos. Talvez deva haver mais verdade no trato entre todos os parceiros, não favorecendo os da mesma cor nem amordaçando quem possa corretamente discordar…

Aos sapatinhos de fivela está, normalmente, associada uma indumentária e um certo cheiro a perfume caro. Desta vez parece que a indumentária foi mantida, mas esqueceram-se de retirar a toscas chancas…senão só no conteúdo, ao menos na fórmula… E não diz a bota com a pretensão!

 

António Sílvio Couto

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