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quinta-feira, 13 de agosto de 2020

‘7 maravilhas’… cultura ou poder?


Decorre até final deste mês de agosto o programa ‘7 maravilhas da cultura popular’, numa parceria entre a televisão estatal e algumas empresas particulares, com a colaboração do público em geral.

Desde já fique uma declaração de interpretação: se aquilo que conhecemos e em que participamos é tratado desta forma, o que será possível conjeturar sobre aquilo em que não participamos e que nem conhecemos minimamente.

Estas ‘7 maravilhas’ colocam-nos diante de, pelo menos, duas correntes mais ou menos percetíveis na sua configuração. Efetivamente vou cingir-me àquilo que vi, que senti, que observei e que questiono no contexto da candidatura das ‘7 maravilhas da cultura popular’ no distrito de Setúbal. Vi várias forças (umas explícitas e outras tácitas) em competição; senti movimentações algo suspeitas; observei compromissos politico-autárquicos que seriam dispensáveis; questiono se aquilo que apareceu tem a ver com ‘cultura’ ou se manifesta mais tendências de um certo ‘poder’ ao nível mais subtil…

Acrescento que, neste escrito, sigo três aspetos simples: história, memória e inquietações.

* História – as ‘7 maravilhas da cultura popular’ aparecem na sequência de outras ‘maravilhas’: do património histórico, 2007; do património português no mundo, 2009; das maravilhas naturais, 2010; da gastronomia, 2011; das praias, 2012; das aldeias, 2017; à mesa, 2018; dos doces, 2019.

Em todos estes projetos se notou competição, esmero, qualidade e empenho dos concorrentes. São milhares de horas de televisão e de tantos outros momentos de diversão…

* Memória do caminho das ‘7 maravilhas da cultura popular’, este ano: houve 504 inscritos ao nível nacional, passando a 471 nomeados até se reduzir o leque a 104 apresentados a votação, sete por distrito. As modalidades envolvidas foram: festas e feiras, música e danças, artesanato, procissões e romarias, artefactos, lendas e mitos, rituais e costumes.

Ao nível do distrito de Setúbal houve quinze nomeados e ficaram sete submetidos a votação, na sua maioria na modalidade de procissões e romarias (cinco), artefactos (dois casos) e lendas e mitos (uma situação). Três dos concorrentes eram do concelho de Setúbal, mais outros três da Moita e um do Montijo.

O resultado final consagrou a proposta do Montijo sobre Nossa Senhora da Atalaia, tendo ficado, respetivamente, em segundo e em terceiro lugar, as pinturas tradicionais em embarcações, da Moita e a festa (procissão) de Nossa Senhora da Boa Viagem, também da Moita.

* Inquietações – de tudo quanto me apercebi há aspetos que me deixam algumas inquietações, dúvidas e questionamentos:

- Foi demasiado notória a envolvência das autarquias nalgumas candidaturas e até ao serem apresentadas no programa televisivo. Para além das verbas gastas (direta e indiretamente), haveria necessidade de termos os autarcas – em três casos foram os próprios presidentes da edilidade – na linha da frente? Não há nessas associações envolvidas pessoas capazes de assumirem tais tarefas? O que faz correr por protagonismo quem deve ser suporte e não se devia fazer agente (quase) imprescindível?

- Os cidadãos destas coletividades serão tão menores, que não conseguem viver sem os subsídios autárquicos recorrentes? Por onde anda a maturidade (dita) democrática, se é preciso entregar às chefias máximas as tarefas mínimas? Perante estes episódios talvez não se resolva, a curto prazo, a falência diretiva de tantas coletividades, associações e agremiações (pretensamente) cívicas e civilizadas…

- Será que as iniciativas levadas a concurso escondiam outros interesses, mais do que culturais? A ver pelos resultados de alguns casos, fez-se uma espécie de plebiscito à aceitação popular dos projetos?

 

= Notas finais: porque acredito nas pessoas e não sou favorável à subsidiodependência…tolerando alguma ajuda, mas sem cobrança. Porque acredito que as pessoas crescem e têm de dar provas de maturidade, considero que ainda somos uma ‘democracia’ demasiado tutelada por outros interesses que não o do desenvolvimento integral das pessoas. Porque para mim as pessoas não são mera mercadoria de compra-e-venda, mas antes há valores sem preço nem mais-valias. Lamento: podemos ter princípios diferentes que dão estas visões desencontradas…As coisas podem mudar!    

 

António Sílvio Couto

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