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quarta-feira, 22 de julho de 2020

Excelentíssimos animais




Foram imagens assaz repetidas essas da libertação de alguns animais apanhados pelos fogos. Dizemos fogos florestais e outros mais incandescentes em maré de promoção de uma nova cultura, essa onde dá a impressão que a vida humana está subjugada aos interesses animais, seja qual for a ideologia onde se alicerça, seja o espaço onde se tenta implantar tal regime…Dá a impressão que estamos a caminha segundo um projeto de neo-paganização, não só pelos critérios de vida e de moral, como pela exaltação do culto dos animais, onde cada um simboliza um deus, capaz de satisfazer as pretensões (ditas) culturais…dos humanos.   

Eis que, de repente, emergiram do tugúrio do anonimato certos defensores pela reclamação de que umas dezenas de cães e gatos estariam em risco de vida. Mas por onde andavam, quando ninguém cuidou deles e os conseguiu recolher? Não sei nem me importa se, quem tinha arrecadado os animais, recebia algum subsídio por exercer tal função. Se recebia, devia ser fiscalizado, se não usufruía de nada e dispunha dos seus meios para fazer tal ação, questiono onde estiveram todos – incluindo autoridades sanitárias e de segurança – sem terem visto tal perigo, antes que isto viesse a acontecer.

Foi algo revelador dessa nova mentalidade/cultura que para salvar alguns animais se possa colocar em causa a vida humana. Independentemente de quem recolheu os animais dever ser chamado à responsabilidade, não pode admitir que haja agressões às pessoas, pondo, inclusive, a vida em perigo. Os excelentíssimos animais saíram da jaula e andam à solta a fazer justiça pelas próprias mãos. Os venerabilíssimos animais tomaram o foro de personalidade jurídica, subjugando os miseráveis humanos e quem ainda os possa considerar com dignidade.

Quando via as imagens enternecedoras dos salvadores dos animais, bailava no meu interior um questionamento atroz…numa catadupa de sentimentos, de perguntas e até de medos sobre o nosso futuro coletivo:

- fariam aqueles heróis por uns velhos em incêndio do lar (tanto em casa como nalguma instituição) aquilo que tão arrojado faziam pelos animais? A ver pelo desprezo a que muitos velhos são votados, eles não valerão muito menos do que tantos animais?

- Os critérios de vida dos nossos contemporâneos não estarão a modificar-se, tendo mais em conta os seus interesses mais sórdidos do que os valores humanos básicos?

- Muitos dos cultivadores da cultura exaltadora dos animais não andarão com as emoções submergindo a racionalidade pessoal e a inteligência alheia?

- A psicologia da substituição do filho pelo cão/gato não nos fará pagar caro esta confusão de ideias e de comportamentos?

- Serão os cães/gatos de companhia e de estimação que suportarão o futuro da segurança social e das reformas dentro de parcas décadas?

Muitas outras questões continuo a ter, mas receio que possa ser considerado fora do tempo ou até podendo receber algum epíteto terminado em ‘fobia’! No entanto, penso que, mesmo defendendo os animais, não podemos questionar a nossa civilização, ainda feita por homens e mulheres, que são conduzidos pela racionalidade, guiados pela emoção/afetividade e ancorados na vontade… tudo o resto poderá ser perigoso a médio e a longo prazo!

 

António Sílvio Couto

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