Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



terça-feira, 7 de julho de 2020

Eucaristia de domingo num contexto secularizante


«A celebração dominical do dia e da eucaristia do Senhor está no coração da vida da Igreja. ‘O domingo, em que se celebra o mistério pascal, por tradição apostólica, deve guardar-se em toda a Igreja como o primordial dia festivo de preceito’». Esta afirmação do Catecismo da Igreja Católica (n.º 2177) é, cada vez mais, desmentida pelo comportamento de uma larga maioria dos nossos católicos.
Estamos num tempo onde se foi perdendo de forma crescente o sentido do domingo, trocado por tantas outras coisas, certamente, salutares, mas que deveriam ser secundárias para os cristãos/católicos conscientes e bem formados na fé. O momento de confinamento que vivemos por causa da pandemia foi gerando respostas que nos devem fazer refletir, por forma a não reduzirmos a ‘prática dominical ‘ à missa na televisão com o risco de uma certa religião acomodada ao sofá e ao reduto de pantufas.
Nesta época de ‘cristandade profana’ vemos ainda coexistirem momentos de celebração religiosa do domingo com outras circunstâncias de evasão à vivência da fé em contexto paroquial de proximidade. Sem disso fazermos pedra de contestação podemos/devemos questionar alguma da pastoral de certos santuários, sobretudo naquilo que pode ser mais de religiosidade do que de cristianismo.

Vejamos breves aspetos:

* Da obrigação à necessidade ou vice-versa
Dos tempos pós-apostólicos é dito, por diversas vezes: ‘não podemos viver sem o domingo’, pois para ele converge e dele se irradia uma vida cristã testemunhal. Que diremos, hoje, desta asserção profunda de vida cristã? Que nada disso tem mais possibilidade de ser continuado, tais parecem ser as seduções do mundo. No entanto, temos de ser claros: não foi derrogada a obrigação do preceito dominical, nem mudaram os preceitos – tão pouco em maré de pandemia – ao sabor de uma acédia generalizada. Quanto a este preceito ocorre-me sempre a comparação com a amizade humana: se tenho pouca ou fraca proximidade com alguém, cumprir as minhas obrigações para com ele pode ser fastidioso, se esse para com tenho pouca afinidade me obriga, mas se a intimidade/proximidade é mais vinculativa, o mais pequeno desacerto poderei considerá-lo desrespeitoso ou até ofensivo. Isto é, faltar à missa para além de ser ofensa a Jesus, cuja ressurreição celebro em cada domingo, também se torna ofensivo para com os outros a quem devo tributo de comunhão e vínculo de unidade… Enquanto não descobrirmos, verdadeiramente, a necessidade de viver esta celebração semanal, tudo o resto soará a obrigação à qual se arranjará escusas, nem que sejam sem nexo! De facto, falta-nos uma igreja evangelizada antes de ter sido sacramentada, pois de outra forma não se explica a debandada em tempo de férias ou o acomodamento em maré de pandemia!

* Ritmo de vida: compromisso com Deus e para com os irmãos
É tristemente constatável ver crianças e pais, adultos e mais velhos trocarem – desde as prioridades até aos locais – a celebração da missa de domingo paroquial por qualquer outra iniciativa ‘consoladora’ de uma certa religião à la carte. Sem conflitualidade será de questionar tantos que vão aos santuários em cumprimento de promessas, mas que não têm vínculo à fé celebrada nos espaços de proximidade onde moram. Esta pode tornar-se numa espécie de ‘anonimato’ que, além de ser questionável, deveria ser tratado com mais cuidado por quem recebe, não só as esmolas, mas também as fés aí manifestadas. Se atendermos aos dados publicados, por exemplo, pelo santuário de Fátima, a questão é digna de questionamento: dos cerca de sete milhões de peregrinos, em 2019, comungaram nas missas menos de dois milhões de fiéis…o que dá quase um terço dos participantes nos atos religiosos.
Estas singelas observações querem tão-somente contribuir para que os santuários a pastoral que lhes está adstrita possam enquadrar tantos dos cristãos ‘pirilampo’ que flutuam por esses espaços para que não se quedem nas devoções, mas possam descobrir o compromisso com Deus e para com os irmãos…ao domingo ou noutros dias. De que adianta dizer-se que queremos que os santuários sejam espaços essencialmente religiosos, se neles são cobradas, depois, taxas exorbitantes pelos atos sacramentais?


António Sílvio Couto

Sem comentários:

Enviar um comentário