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segunda-feira, 27 de abril de 2020

Telescola: novo ensino sem intermediários?





Para dar resposta ao confinamento exigido pelo ‘covid-19’ foi ressuscitado, recentemente, um método de ensino que vigorou no nosso sistema de aprendizagem durante alguns anos: a telescola, isto é, a receção de aulas através da televisão.
Se entre 1965 e 1987 [final do governo de Salazar e dois anos após a entrada na CEE], esse modo de ensinar tinha um objetivo, o agora reimplantado tem outro. Naquela época – antes, durante e depois do regime caído em 25 de abril – esse sistema coexistia com o do ensino presencial e era supletivo para quem não conseguia descolocar-se aos postos de ensino por dificuldades muitas delas económicas, a telescola reproposta agora tem outras caraterísticas.
Embora tenham existido outras experiências ligada ao ensino superior – a lecionação do ano propedêutico e também a universidade aberta – em versões de estudos televisionados, entre 1988 e 2013, vamos, no entanto, centrar a nossa atenção nos dois projetos relacionados com o ensino obrigatório.
* A telescola nos anos 60 e 80 dirigia-se aos alunos do quinto e sexto anos de escolaridade, portanto, do ciclo preparatório; o projeto =estudoemcasa envolve desde o 1.º até ao nono ano de escolaridade
* Naquele tempo a telescola era um recurso para quem tinha dificuldades de ir à escola, tanto financeiras como de transporte…chegando às zonas rurais e franjas da sociedade em expansão; agora a situação deve-se à necessidade de não haver contato entre as pessoas devido ao perigo de contágio pelo vírus;
* Naquele tempo as lições eram ministradas por um professor tutelar da disciplina, através de aulas gravadas em estúdio e acompanhadas por um outro professor em sala de aula (mais em escuta), segundo as duas seções de aprendizagem, letras ou ciências…em não muito poucos casos um dos professores-monitor era o pároco da freguesia, com o que tal significava sobre os parcos proventos económicos que auferia; agora não há sala de aula nem professor que acompanha, tudo vai direto ao aluno à distância…em casa, estando o (pretenso) estudante diante da televisão, sem ser perturbado nem sendo perturbador do aproveitamento, em aula.
= Atendendo às potencialidades das novas comunicações temos de reconhecer que foi possível pôr em marcha um plano de ensino à distância que a todos orgulha e que faz crer que somos capazes de fazer melhor do que desdenhar das faculdades alheias. Temos mais do que capacidades de desenrascanço. Já na primeira experiência da telescola nos anos 60 a 80 do século passado fomos considerados pioneiros na arte de fazer chegar a educação aos mais desfavorecidos. Agora, em menos de duas semanas, foi posto em marcha um processo de resposta às necessidades criadas pelo ‘covid-19’. Os nossos alunos e professores podem continuar o mecanismo de ensino-aprendizagem, usando tecnologias inovadoras (ou serão as suas ferramentas habituais?) em ordem a sermos eficientes na forma e com bom conteúdo.              
= Embora este panorama possa parecer simbólico/cultural – atingindo para já o último período do ano letivo – poderemos formular algumas questões um tanto preocupantes:
- a função de professor – como é conhecida e mesmo reconhecida – continuará a ser a mesma? O silêncio dos sindicatos parece ensurdecedor e comprometido, senão com a solução ao menos com a razoável confusão;
- Os alunos/estudantes não terão um novo estatuto e, com isso, possam adquirir mais autonomia em relação a quem ensina em sala de aula? Na época do ‘touch’ parece estar a surgir uma nova geração em aprendizagem.
- Os espaços de aquisição de conhecimentos não poderão ser diferentes desses que tínhamos até agora? Dá a impressão que os casos de mau comportamento na sala de aula podem ter outra solução…
- Não estará a surgir um novo modelo de ensino, que corre o risco de ser mais ideológico do que o das aulas presenciais? De uma forma mais generalizada poderão ser veiculados valores e princípios tendencialmente mais de teor estatizante, com marca mais agnóstica ou até sob a alçada de um saber humanista sem referência à divindade…isto sem esquecer essa outra visão sem valores com que tanta gente se rege, se conduz e vive.
= Sem recurso às mais básicas utopias abrilinas poderemos construir um país/nação onde todos possamos contribuir para uma sociedade mais justa porque mais fraterna, mais solidária porque mais atenta aos outros e não aos nossos vis interesses, pessoais ou de grupo. Assim aprendamos a caminhar de olhos postos na meta e não aferrados ao ponto de partida…


 António Sílvio Couto





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