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domingo, 19 de abril de 2020

Escravos em abril: parecer ou ser?


Pelo jeito que as coisas estão a ser conduzidas, o mês de abril será de renovado condicionamento, com a terceira dose do ‘estado de emergência’, a contenção no contato social…à mistura com certas expetativas de, em breve, regressarmos à normalidade possível.

Desde logo uma ressalva de princípios: considero um abuso intolerável que haja, quase cinco décadas depois, quem se arvore em ser ‘dono’ da dita ‘revolução dos cravos’, nem que se apresentem como arautos alguns dos que mais contribuíram para o desvirtuamento disso que a utopia quis insuflar no país/nação. Muitos daqueles que querem dar lições esquecem-se de fazer antes um ato de consciência cívica sobre o modo como tem sido gerida a (tal) democracia: só a deles e dos seus apaniguados (cor ou ideologia) é que vale, os outros seriam quase dispensáveis até para darem algum valor às suas vitórias…muitas delas pírricas.

= A nova dose (terceira) de ‘estado de emergência’ entra pelo próximo mês de maio. Digamos que o mês de abril – pretensamente apelidado da ‘liberdade’ – é vivido em estado de não-total liberdade ao menos exterior. Tal como noutros temas, também neste temos visto algum atabalhoamento nas decisões: um dia diz-se, no outro vem uma correção; num dia alarga-se a bitola, no seguinte afunila-se o entendimento; num dia há um decreto-lei, no outro aparece uma portaria com um sentido divergente da legislação anterior…

Diz-se que deve continuar o confinamento social e um certo espaço de distanciamento entre as pessoas (dois a quatro metros, dependendo da cubicagem de cada um), mas para a sessão evocativo/funerária da ‘revolução’ os intervenientes podem acotovelar-se sem risco nem perigo… Idêntico folclore se avizinha para o dito ‘dia do trabalhador’… 

= Dado que este tempo de recolhimento tem permitido refletir sobre os mais díspares problemas, deixo aqui algumas questões de inquietação:

- Quando assumirão os seus erros e falcatruas os inveterados da ‘revolução dos cravos’?

- As empresas que faliram ou foram descapitalizadas não merecem serem mais do que escombros de tempos gloriosos, arruinadas e agoirentas?

- Os sindicatos que arruinaram tantas das empresas não deveriam ir a julgamento, repondo o que desviaram?

- As forças políticas ditas democratas, quando serão responsabilizadas pelo afundamento repetido, contumaz e ciclo do país em quatro décadas?

- Ser livre será só fazer o que lhe apetece, protegendo os seus compinchas ou não deverá passar pela defesa da liberdade na diferença?

- A esponja da farsa não deveria ser lavada para desinfetar quem a usou mais do que para continuar a sujar quem com ela foi prejudicado?

- Qual será a diferença entre gritar liberdade ou ter liberdade para gritar?

- Quando aprenderemos a aceitar as ideias dos outros mais do que as manhas e subtilezas das ideologias?

- A iniciativa privada ainda é entendida como obstáculo à mentalidade estatal ou esta sobrevive porque aquela trabalha, produz e paga impostos para alimentar quem engorda nos (ditos) serviços públicos?

- Até quando continuaremos a ver promovidas e a vivermos em ‘classes’ sociais, mais marcadas pelo preconceito do que pela eficiência, mais à luz do compadrio do que da qualidade, mais no favorecimento da mediocridade do que da meritocracia?

- Por que há tanto revanchismo e desvirtuamento da história quando se trata de denunciar os milhentos erros do comunismo e se faz alarde com idênticos crimes do nazismo e quejandos?

- A história terá mesmo de ter filtros e manipulações, dependendo dos interesses (ignorâncias, cumplicidades ou manipulações) subjacentes?

 

= Em abril estamos confinados pelo estado de emergência, aproveitemos para refletirmos sobre nós mesmos, os outros, o nosso mundo e os deles, o nosso futuro e as possibilidades alheias… Sem desenrascanços subtis, sejamos dignos da história de país/nação com quase nove séculos de altos e baixos, de heróis e de santos…

 

António Sílvio Couto

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