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quinta-feira, 9 de abril de 2020

Morrendo destruiu a morte e ressuscitando restaurou a vida


Ele é o Cordeiro de Deus que tirou o pecado do mundo: morrendo destruiu a morte e ressuscitando restaurou a vida’ – rezamos no prefácio pascal I, em que marcamos os parâmetros do mistério da paixão-morte-ressurreição de Jesus.

Se tivermos em conta as duas essenciais vertentes desta oração – morrendo destruiu a morte // ressuscitando restaurou a vida – em Igreja poderemos vislumbrar algo que pode estar contido nas diferentes orações de prefácio do tempo pascal:

– porque a nossa morte foi redimida pela sua morte e na sua ressurreição ressurgiu a vida do género humano (prefácio II);

– foi imolado sobre a cruz, mas não morrerá jamais; foi morto mas agora vive para sempre (prefácio III);

– porque, vencendo a antiga corrupção do pecado, renovou a vida do universo com uma nova criação e restaurou o género humano na sua integridade original (prefácio IV);

– pela oblação do seu Corpo na cruz, levou à plenitude os sacrifícios antigos, e, entregando-se a Vós pela nossa salvação, tornou-se Ele mesmo o sacerdote, o altar e o cordeiro (prefácio V).

Numa primeira leitura podemos encontrar dois binómios: cruz-morte; ressurreição-vida… referenciando-nos à dimensão soteriológica e redentora de Cristo pela Igreja.

De que morte ou de que vida se trata, quando rezamos e, sobretudo, quando cremos, professando a nossa fé? Será ‘morte’ no sentido físico ou na dimensão psicológico-espiritual? A ‘vida’ reduz-se só aos aspetos sensoriais ou envolve outras vertentes, nem sempre tão cuidadas quanto devíamos?

Tentemos elucidar estas questões.

– Antes de tudo ‘vida’ refere-se a tudo quanto faz de cada um de nós e de todos os outros seres viventes, nas suas mais diversificadas referências, que não meramente as de natureza material/animal. Não será que muitas pessoas do nosso tempo se reduzem, preferencialmente, a alimentar o corpo, menosprezando os aspetos de natureza psicológica e espiritual. Quantos vivem como se se confinassem à matéria do seu corpo físico-biológico, apreciando, valorizando e cuidando dos prazeres sensoriais. Reparemos nos adereços com que se envolvem – às vezes mais por fora do que por dentro – para que não corra perigo aquilo que conhecem ou ao qual dão valor. Com o passar do tempo – como este é o melhor mestre da vida – vão (vamos) percebendo que isso a que dávamos tanta importância se vai tornando relativo ou aquilo em que gastavam (gastaram) tantas energias, afinal, vai perdendo a importância tão exaltada.

– Talvez a maturidade das pessoas se possa perceber ou avaliar (sem julgar) mais pela ‘desvalorização’ de si mesmas do que pela exaltação ou até culto do próprio eu. O problema é quando se vive numa sociedade onde a superficialidade faz critério e o papel de embrulho é mais valorizado que o conteúdo. Talvez seja isso em que temos andado entretidos, isto é, a confundirmos o essencial com o urgente ou a trocarmos os critérios pelas circunstâncias.

= O sinal mais central da paixão-morte-ressurreição de Jesus é a Cruz: no contexto do Calvário – o de ontem e o de hoje – tanto ao contemplarmos nela Cristo crucificado, como ao olharmos para ela despida. Sendo símbolo da confluência entre o Céu e a Terra – a haste vertical, que representa o mistério da encarnação; a haste horizontal foi isso que Jesus fez, levando-nos com Ele em toda a sua humanidade e salvando-nos pela sua entrega, pelo mistério da redenção. É na Cruz que está contida em semente a explicação das palavras que rezamos nos prefácios das eucaristias do tempo pascal: ‘morrendo, destruiu a morte’ com tudo quanto envolve rutura com Deus pelo pecado; ‘ressuscitando, restaurou a vida’ naquilo que nos foi concedido na dimensão espiritual, quando aceitamos Jesus Ressuscitado na nossa vida, tudo renasce e ganha novo sentido, a vida nova em Deus.

Podemos – e vamos – continuar a experimentar a morte física, no nosso corpo, composto por matéria frágil e biodegradável, mas, na dimensão espiritual, renasceremos pela configuração com Cristo pelo batismo. Talvez este estado de pandemização, que estamos a viver, nos possa ajudar a rever muitos dos nossos valores e critérios: mais do que solidários na desgraça podemos/devemos tratar de viver uma comunhão na conversão. Isto é um apelo à dimensão comunitária/social com incidências pessoais muito intensas…      

 

António Sílvio Couto

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