A apresentação cénica do candidato à presidência da
república – António Sampaio da Nóvoa – no passado dia 29, teve tanto de
simbólico, quanto de escuro… no conteúdo e mesmo na forma:
- frases feitas e coladas de revivalismo cançonetista e
quase panfletário – como se tudo tivesse sido só mau nos 41 anos da (dita)
democracia – e ele surja como o profeta do não-realizado,
- a penumbra da sala, onde as palmas faziam ecos de
concordância às críticas desfiadas aos tempos mais recentes,
- uns certos chavões refinados numa leitura mais ou menos
ideológica e preconceituosa a quem pensa de forma diferente dele… no todo ou em
parte,
- e, sobretudo, um ar intelectual sobranceiro de quem se
diz sem participação partidária, mas que quer colher os resultados mais ou
menos requentados dum certo setor amuado da sociedade portuguesa… democrata
para com os que concordam com as suas posições, mas abespinhada com os adversários
e opositores.
Numa palavra: para quem se diz que veio para unir, criou,
desde já, demasiados ângulos e atritos que irão certamente alfinetar
sensibilidades e até possíveis concorrentes...pois, alguns se perfilam para
aplaudir mais pela contestação do que pelas razões racionais e culturais
sérias.
1. De todos ou para
todos?
Tem sido recorrente nas eleições presidenciais querer que
o eleito é o ‘presidente de todos os portugueses’. Ora, não há nada de mais
errado do que querer dizer que isso seja verdade. Se tivermos em conta os
quatro presidentes eleitos por sufrágio direto e universal, quase sempre houve
uma razoável parcela do povo português que não elegeu o dito... e muitas vezes
essa porção de não-eleitores não têm sido bem tratada no que ao lugar concerne no
desempenho da função... Bastará lembrar o episódio de um dos ocupantes do
palácio presidencial que, nos últimos dias do segundo mandato, se entreteve,
horas a fios, a condecorar tantos dos seus seguidores e quase
correligionários... Isto já para não recordar esse outro que fez do palácio de
Belém uma espécie de laboratório para um partido que nasceu, cresceu e morreu à
sua sombra...
O presidente nunca é de todos os portugueses, mas deverá,
sim, ser ‘para todos os portugueses’... O que nem sempre tem sido visto nem
possível. Com efeito, há como um razoável complexo de fazer sentar naquele
pelouro alguém que seja preferencialmente servidor dalgum aventalismo... Assim
se poderá entender com tanto entusiasmo para com o agora tornado candidato...oficialmente.
2. Força de
bloqueio ou propulsor de patriotismo?
Novamente tendo em conta os inquilinos – sem esquecer o
atual – passados pelo palácio de Belém, precisamos de refletir bem mais sobre a
pessoa do que sobre as (pretensas) ideias que apresente. Ou será o contrário?
Sim. As ideias condicionam a função e esta faz a pessoa.
Todos se dizem – no juramento de tomada de posse –
defensores da Constituição, mas a prática fá-los intérpretes de variadas
posições, que nem sempre se coadunam com o espírito de uma constituição
atualizada e sem peias ideológicas de épocas recuadas numa evolução cultural
necessária.
Sendo um dos símbolos da Pátria – juntamente com o hino e
a bandeira – o Presidente da República precisa de ser mais defendido das
tropelias de certas forças ideológico/partidárias, como temos visto em tempos
recentes... Com efeito, precisamos de maior dignificação da função, sendo mesmo
preciso fazer cumprir a lei por todos e para todos...mesmo os prevaricadores.
De facto, alguns dos paladinos da democracia – nascida em
74 – ainda pensam que esta se constrói com murros na mesa – como disse um certo
militar apoiante do candidato apresentado – ou com golpes de capitulação diante
de propostas urgentes para o futuro do país. Temos de saber se estas pessoas
aceitarão os resultados que não sejam os que almejam, pois a ver pelas posições
inflamadas ainda sonham construir um país à semelhança do sistema que caiu com
o muro de Berlim...
A julgar pelo ensaio vamos ter um longo drama. Ou será
tragédia?
António Sílvio
Couto
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