Nos tempos mais recentes vemos ser recuperadas várias devoções religiosas
(cristãs ou nem tanto) e surgirem outras que vão tentando dar resposta a novas
questões… algumas como que distorcendo o ritmo e a vivência dos principais
mistérios cristãos/católicos.
Por ‘devoção’ entendemos aquilo que se pode ter ou não ter, pois poderá não
ser essencial para ter uma fé cristã acreditada, professada e anunciada… e na
dimensão católica como algo que acrescenta algo àquilo que se vive e
testemunha. ‘Devoção’ é algo de benéfico à fé, mas não totalmente necessário…= Há pessoas que abandonam (tácita ou ostensivamente) a vida comunitária – paroquial ou não – para darem cumprimento às suas devoções: umas servidas em igrejas de maior impacto social em cidades, outras em expressões de fé mais redutiva e outras ainda sorvendo como que os mais necessitados e aflitos…
= Quem conhecer da História idênticas movimentações sócio-religiosas saberá interpretar que as devoções tanto podem ser benéficas para a caminhada dos participantes, como poderão atrofiar a mesma caminhada com exercícios (ditos) espirituais, mas com um certo sabor a psicologismo mais ou menos bem organizado e/ou minimamente orquestrado…
= Há, no entanto, uma linha um tanto detetável em muitas das devoções: são mais de consolo do que de compromisso, isto é, a pessoa (poderíamos até dizer o indivíduo) sente-se mais atraída para resolver os seus problemas do que para se comprometer na participação da vida comunitária… tanto em favor dos outros como com os outros… Se quiséssemos usar uma linguagem medieval: estão mais interessadas em salvar a sua alma do que em anunciar a salvação de Jesus aos outros!
= Efetivamente, há uma razoável panóplia de devoções no cardápio em uso – público, privado ou um tanto secreto – servindo-se de anjos e santos, de invocações a Nossa Senhora e até de dimensões de Jesus Cristo… Há, no entanto, muitas devoções que parecem quase uma idolatria a pedido, pois, para cada necessidade se tenta encontrar uma solução, que conforte, que aconchegue ou até que seja um tanto substituta…
1. Nenhuma devoção
pode ofuscar o mistério pascal – da paixão, morte e ressurreição de Jesus.
Ora, uma das devoções mais recentes (e algo universal) foi introduzida para
terminar no segundo domingo do tempo pascal… iniciando-se a (possível) novena
em pleno tríduo pascal. Por muito útil que seja meditar e acolher as graças da
misericórdia divina – o Papa Francisco até convocou para breve um ano jubilar
sobre esta nota teológica de Deus – não poderá ‘distrair-nos’ do essencial,
pois ela mesma está contida na celebração da Páscoa…
2. As devoções criam
vida comunitária… aberta?Pelo que já referimos dá a sensação que muitas das devoções funcionam bastante em circuito fechado, isto é, cada um tenta salvar-se, mesmo que servindo-se de orações, de exercícios espirituais ou mesmo correlações com o divino para que este lhe seja favorável. Assim, muitas devoções têm a marca de tentar conseguir algo de complicado acesso aos humanos – causas difíceis e negócios, casamentos e questões de saúde, angústias e vitórias – invocando a proteção do divino. Será que todos estão acertados no bem comum ou antes no benefício pessoal?
3. As devoções comprometem na evangelização?
Por vezes, conseguido o intento da devoção como que se deixa cair a guarda da perseverança. Dir-se-ia que a fogueira crepita na hora da aflição, mas arrefece com facilidade passada a tormenta e/ou a necessidade. Deste modo como que se explica a afluência de tantos ‘praticantes ocasionais’ a espaços de peregrinação, a lugares de grande devoção… num certo descompromisso posterior na vida cristã do dia-a-dia…Urge, por isso, purificar tais espaços numa sábia harmonia entre a Igreja local e a fé particular, pois acentuar particularismos pouco mais será do que continuar a alimentar alguma ignorância e uma religião de necessitados… itinerantes e pouco agradecidos.
António
Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)
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