Fomos
assaltados, nos dias e semanas mais recentes, por notícias de figuras gradas da
nossa vida pública que estão a contas com a justiça: banqueiros, altos
funcionários da administração do estado, políticos (para já ex-governantes!),
administradores de grandes empresas… numa catadupa de acontecimentos e de
episódios que se vão sobrepondo uns aos outros, quase não dando descanso à
nossa capacidade de digestão noticiosa.
De
repente, os comunicadores – isto é, os jornalistas – tornaram-se alvo das
invetivas dos amigos dos visados, com declarações insidiosas, com impropérios
contra os mensageiros, desculpando os noticiados… Eis senão quando o caçador é como
que caçado!
= Por
muitas e diversas vezes os mesmos intervenientes – acusados, acusadores e
difusores das notícias – reclamam a (tal) ética republicana, onde não se faz
diferença entre os vários cidadãos… até ao momento em que são atingidos de
forma direta ou nos seus mais próximos, sejam amigos ou apaniguados. Agora a tal
ética pretende que possa haver diferença de tratamento, mesmo que isso possa
contradizer o que antes se afirmava. De fato, como se torna perigoso pensar com
a emoção (o coração até corre risco de colapso) e deixar transparecer que a tal
ética republicana é boa, se for a nosso favor e contra os adversários reais ou
fictícios, mas como se torna dura, se nos atinge!
=
Quantas vezes se percebe que há uma justiça para pobres e outra para ricos.
Estes podem pagar caução – em tempos recentes largos milhões de euros – e ter
penas de coação menos gravosas. Os pobres pagam no silêncio e, quando muito,
vão-lhes permitindo pagar com trabalho social/comunitário, pequenas infrações
para que as cadeias não sejam superlotadas…
Embora,
como sempre, todos sejam inocentes (ou não-culpados) até ser transitado em
julgado, há situações em que o pior juízo é o da (dita) opinião pública,
sobretudo se o atingido pode ser menos bem querido por alguma das fações
sociais, económicas ou políticas…
= Quando
de tantas e tão variadas formas se faz da exposição da vida pessoal uma espécie
de espetáculo público, torna-se correlativo que, casos de justiça, sejam usados
com pretensões de notícia, quando deveriam ser tratados no recato e respeito
pela intimidade da pessoa humana, sobretudo quando ela está mais vulnerável.
Não é isso que temos visto. Pelo contrário, vamos assistindo à devassa da vida
privada, nalguns casos quase fazendo justiça pelas próprias mãos, ao menos na
forma tentada. Deste modo cresce uma sensação de insegurança e onde uns tantos
pensam ser donos da vida dos outros, esquecendo que, um dia, lhes pode tocar em
sorte idêntico tratamento.
Há os
que se querem mostrar e, por seu turno, há os que são tratados sem respeito nem
consideração pelos hipotéticos erros e ações menos adequadas à vida social e
pública. Urge, por isso, reformular a (tal) ética republicana, pois se
continuarmos nestes trilhos de conduta será a própria justiça a ser
desacreditada na forma e no conteúdo.
= Para
que sejamos todos iguais diante da lei é preciso que a lei não permita a uns
tudo fazer e nada lhes acontecer e a outros estarem sempre sobre escrutínio até
dos mais vis e maldosos servidores da lei e não só. Quantas é vezes é o próprio
legislador que não adverte as consequências, mesmo que pretenda cuidar das
causas. Pelo caminho que temos percorrido pode-se ser rico até que não se
descubra donde são oriundos os proventos, tal era assim a cultura espartana,
que permitia roubar desde que não foi visto nem descoberto… Ora nós já
percorremos outras etapas da História e da nossa cultura… Temos de recolocar no
centro da lei o respeito integral da pessoa humana, particularmente quando esta
se encontrar em fase de vulnerabilidade… e disso ninguém está isento, mais
tarde ou mais cedo.
António Sílvio Couto
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