As
notícias mais recentes, no âmbito da justiça, percorrem o caminho mais ou menos
comum do dinheiro, particularmente, na abundância ou na tentativa dela:
passaportes dourados (visa gold), subvenções vitalícias dos políticos, detenção
dum ex-governante… e, já anteriormente, falência dum banco, turbulência na
saúde ou nos transportes, greves/manifestações/austeridade… O dinheiro circula
por tudo isto: umas vezes a falta dele, noutras a ganância em o conseguir e
subjacente a (quase) tudo o querer ser rico – ou, ao menos, parecê-lo – a todo
o custo!
= Se
fossemos para a rua perguntar às pessoas por que razão trabalham, a maioria
diria que é para ter dinheiro. Se questionássemos o esforço diário de vida de
tanta gente, obteríamos por resposta: ganhar dinheiro. Se tentarmos explicar
muita da criminalidade – contra pessoas ou contra bens – novamente o dinheiro
poderá ser a principal motivação.
= Não é
por acaso que Jesus Cristo adverte: «não podeis servir a Deus e ao dinheiro».
Isto é tanto mais provocador, quanto ao tempo de Jesus o ensinamento religioso
dos fariseus apontava o sucesso e o ganhar muito dinheiro como uma espécie de
bênção divina, misturando Deus que seria mais benéfico a quem tivesse muito
dinheiro e quem fosse pobre poderia ser visto como um amaldiçoado e quase
castigado por Deus.
= Hoje
vivemos numa sociedade marcadamente materialista e onde o culto do dinheiro
reveste múltiplas manifestações, desde as mais subtis e ‘inocentmes’ até às
mais elaboradas e fraudulentas… tanto na forma como no conteúdo. De fato, o
deus dinheiro tem uma religião muito bem estruturada – desculpem a apropriação
de termos, de figurações e de simbolismos – que é o consumismo, com os seus
patriarcas e purpurados, gurus e mentores, sacerdotes e acólitos, lacaios e
servidores. A economia em grande medida fez do dinheiro o motor e inspirador de
tudo, criando santuários e catedrais, nichos de culto e estátuas de grande
veneração… Torna-se quase impossível sair imaculado do contato com o dinheiro –
em moeda, em nota, em cartão ou noutra apresentação mais ou menos ritual – pois
ele fascina e seduz, cria hábitos e faz-se atrativo… desde a mais tenra idade e
em todas as circunstâncias da vida pessoal, familiar, social e cultural.
= Não ter, poder ter e perder a
capacidade de ter
Quem
passasse, há tempos atrás, pelas nossas cidades e vilas veria que, em cada
canto, emergia uma loja de ‘compra e venda de ouro’. Este fenómeno poderia ser
escolhido como um exemplo da exploração da debilidade do nosso povo, que, em
maré de dificuldade, levava ‘ao prego’ – era a expressão doutros tempos
idênticos aos que vivemos recentemente – o que podia dar alguma ajuda imediata nas
economias. Ora, segundo dados divulgados por entidades oficiais, nos últimos
dois anos fecharam quase mil dessas lojas de compra/venda de ouro…
De fato,
temos vivido fenómenos de contínua mudança na nossa sociedade: pessoas e
famílias que viviam nalguma miséria – repare-se na migração – melhoraram com
esforço a situação económica. A geração seguinte foi educada sem ter de passar
dificuldades e a nova geração tem quase tudo sem esforço e, em muitos casos,
recebe o que não pediu nem trabalhou para ter, por isso, não aprecia e desperdiça.
Tudo
isto aconteceu com muita velocidade e criou pessoas nem sempre gratas para com
aquilo que hoje usufruem, gerando um certo poder reivindicativo sem nexo nem
razão… O mais grave é perder a capacidade de ter, depois de já ter tido. Temos
estado a viver nesta etapa da nossa história humana e cultural… e isto trará
consequências muito gravosas para a paz social e económica. Há empresas que
nasceram, cresceram e morreram no espaço de três gerações: o avô trabalhou, o
filho cuidou e o neto esbanjou… Se passarmos este sistema para o âmbito do país
poderemos perceber porque estamos no estado socio-financeiro atual e com
tendências para (ainda) se agravar…se não mudarmos de paradigma a curto prazo.
O
dinheiro é importante, mas não dá total felicidade. Esta não se mede pelo só material,
mas pela dimensão psicológica e espiritual… que têm estado a faltar em excesso!
António
Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)
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