«Conheço as tuas obras:
não és frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente. Assim, porque és morno – e
não és frio nem quente – vou vomitar-te da minha boca» (Ap 3, 15-169.
Hoje é muito pouco comum
falar-se de tibieza. Se procurarmos nalgum índice analítico de documentos
recentes da Igreja – por exemplo: Catecismo da Igreja Católica, textos do
Concílio Vaticano II… temos alguma dificuldade em encontrar referências
explícitas a este termo, podendo surgir o seu contrário ‘zelo’ e questões afins…
Explicitamente falta algo sobre esta matéria!
Há quatro ou cinco
décadas atrás era muito habitual vermos variadas anotações ao tema da tibieza,
seja nos sinais da mesma, seja nas causas e, sobretudo, nas consequências duma
vida cristã tíbia ou morna, deixando correr ou mesmo vivendo no ‘faz-de-conta’
e na vulgaridade das atitudes para com Deus, para com os outros
(particularmente na vivência em Igreja católica) e até cada um para consigo
mesmo…
= Mas será correto
enfrentar a tibieza se, à nossa volta e em nós mesmos, vemos que tudo nos puxa
para o mais fácil? Não se poderá correr o risco de ser considerado fanático se
se destoa da maioria… dentro ou fora do quadro da Igreja católica? Perante esta
forte onda de desmotivação (social, pessoal, familiar e mesmo eclesial), não
andaremos ao ritmo da tibieza (quase) institucionalizada? Não viveremos todos
numa falta de ardor tal que o melhor será deixar correr… para ver para onde
isto (nos) leva? Quem ousará correr o risco de incomodar tantas consciências
acomodadas ao ‘bem-bom’ quotidiano? Não será que, por vezes, é mais fácil
atirar as responsabilidades para os outros sem nos deixarmos inquietar
minimamente, seja com o que for? Tudo isto não estará a pôr a nu a falta da
verdadeira profecia, nalguns casos, confundindo-a mais com reivindicação e até com
a mera denúncia? Afinal, não será a tibieza uma definição da cultura que temos
estado a criar, a cultivar e a viver?
= Cultura em modus vivendi
Quem melhor do que Santa
Teresa de Ávila – no quinto centenário do seu nascimento – para nos falar da
tibieza, como estado de alma e/ou atitude de vida?
«Passei nesse mar
tempestuoso quase vinte anos, ora caindo, ora levantando. Mas levantava-me mal,
pois tornava a cair. Tinha tão pouca perfeição que, por assim dizer, nenhuma
conta fazia dos pecados veniais. Se temia os mortais não era a ponto de me
afastar dos perigos. Sei dizer que é uma das vidas mais penosas que se possa
imaginar. Nem me alegrava em Deus nem achava felicidade no mundo. Em meio aos
contentamentos mundanos, a lembrança do que devia a Deus me atormentava. Quando
estava com Deus, perturbavam-me as afeições do mundo. Com o auxílio da graça, é
possível sair da tibieza e passarmos da condição de frios e temerosos a
fervorosos no Espírito» (Santa Teresa de Jesus, ‘Vida’ 8, 2).
Sem nos darmos totalmente
conta, vivemos numa cultura cujo modo de ser e de estar é uma espécie de
mediocridade, onde a apatia, o desânimo, a indiferença, o ‘tanto-vale’, a
moleza, a frieza (nas relações com Deus e mesmo uns com os outros), um certo
desprezo até para com os que nos são próximos fazem carreira na vida e no
comportamento de muitas (diríamos, demasiadas) pessoas. E, pior, isto está
alojado em nós mesmos – como se fosse um vírus letal – que nos faz, na maior
parte dos casos, acusar os outros, mas a doença está em cada um de nós…
Mais do que receitas para
os outros, precisamos de fazer o diagnóstico sobre nós mesmos e aceitarmos que
vivemos em estado de tibieza muito galopante, incapazes de ver os sinais
mínimos de Deus na nossa vida. Assim se poderá explicar a desmotivação em (não)
participarmos nos projetos da Igreja universal, na vivência das dioceses e nos
aspetos recorrentes das paróquias. É contra este estado de tibieza que temos de
lutar em força e na força do Espírito Santo. De facto, foi Ele quem investiu os
discípulos temerosos e tíbios, na manhã do Pentecostes, em anunciadores da
Ressurreição na força de Jesus.
Tal como o profeta Ezequiel
(Ez 37,1-14) queremos suplicar ao Espírito Santo que sopre sobre este montão de
ossos ressequidos e os faça reviver como exército do amor de Deus, na esperança
e na coragem!
António Sílvio Couto
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