Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sábado, 14 de dezembro de 2019

Vergonha



«O senhor deputado utiliza com demasiada facilidade as palavras vergonha e vergonhoso, o que ofende muitas vezes este parlamento e ofende-o a si também».
Foi desta forma ríspida que o presidente do parlamento português passou um ralhete – com a retirada da palavra no hemiciclo – a um deputado que, ao que parece, usa, excessivamente, estes termos nas suas intervenções…por sinal poucas, dado que é sozinho na sua representação partidária. Desta vez falava sobre a questão do amianto nas escolas…em comparação com as verbas usadas para os subsídios vitalícios…
Segundo uma contagem já realizada, o tal deputado usou mais de vinte vezes, desde o início da legislatura (nove sessões), o termo pelo qual foi repreendido… Será que já chega ou não?
Ora – pasme-se – uma outra deputada (de esquerda, em sintonia com o presidente da AR, embora de partido diferente) utilizou, de seguida, a mesma palavra ‘vergonha’ e não recebeu qualquer corretivo da ‘ínclita’ figura que conduz os trabalhos parlamentares… colocando, em seu entendimento, termos aceitáveis e expressões mais ou menos consideradas democráticas no léxico político a frasear nos trabalhos. Isto ainda não chega! 
= Em tempos mais ou menos recuados era costume referir-se: ‘há quem core de vergonha, enquanto outros têm vergonha de corar’!
Deste modo se associava à vergonha algo que poderia ser um tanto ofensivo para a própria pessoa e no seu relacionamento com os outros. Ao servirmo-nos da palavra ‘vergonha’ para falarmos sobre os outros como que estamos a censurar algo neles ou sobre quem nos queremos pronunciar em juízo. A essa vergonha associamos algo de indecoroso ou de coisa mal feita, criando em nós e talvez nos outros um sentimento desagradável com o receio de desonra ou de ridículo…
Se assim é ou pode ser interpretado, poderemos considerar que há por aí escondidas muitas vergonhas. Aliás, o termo ‘vergonhas’ exprime em linguagem popular aquilo que devemos esconder e não mostrar de forma indecorosa ou sem respeito. 
= Atendendo ao contexto do parlamento luso não será de considerar que muito daquilo que lá se passa é, de facto, um fenómeno de pouca vergonha nacional? Muitos/as dos que ocupam aqueles assentos não deveriam refletir sobre a vergonha pelo modo como se tratam nas discussões e tomadas de posição? Não haverá um pingo de vergonha que seja sobre a atitude malcriada com que se dão a conhecer nas intervenções uns dos outros? Sem pretensão de nenhum juízo de valor, não será uma vergonha o modo como vemos os parlamentares a contestarem as posições alheias, sem decoro nem respeito? 
= Urge, por isso, introduzir no léxico de tantos dos momentos de relacionamento das pessoas umas com as outras a referência à vergonha, na medida em que nem tudo vale, quando se trata de discordar, seja qual for o alcance da divergência. Na convivência cívica em que nos encontramos faltam muito as regras de educação e de civilidade, pois, a continuarmos a trilhar o caminho em que vamos, tornar-se-á impossível não entrarmos em conflito mais indecoroso e indesejável… e, então, vergonhoso.
Chega ou não chega de falar de vergonha?

António Sílvio Couto

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Endividamento das famílias…novamente


A cada hora que passa, as famílias portuguesas pedem dois milhões de euros de empréstimo: o crédito à habitação atingiu o máximo da última década, enquanto o crédito ao consumo equipara-se ao recorde de há quinze anos.

De facto, entre janeiro e outubro deste ano, a banca concedeu mais de 4,2 mil milhões de euros em crédito ao consumo, um máximo desde 2004, verificando-se, ao mesmo tempo, que os juros estão a cair. Por seu turno, os empréstimos para a compra de casa, só em outubro, atingiram 943 milhões de euros, num total de 8.522 milhões de euros, desde o início do ano…

Que significado poderemos ver neste desfile de números? Estaremos a viver com melhores condições? Os bancos, ao abrirem os cordões ao crédito, estão conscientes dos riscos que correm a curto e a médio prazo? Depois da confusão no tempo da ‘crise’ não estaremos a correr para idêntico precipício? Pessoal, familiar e socialmente teremos aprendido, minimamente, as lições não muito longínquas?

 

= Perante estes dados não deixa de ser questionável o muito baixo investimento no sistema de poupança ou em não aferrolhar das pessoas e das famílias. Ora, na elaboração deste artigo, encontrei um interessante texto sobre os ’10 mandamentos da poupança’. Eis o elenco: elabore um orçamento, pague a si próprio em primeiro lugar, crie um fundo de emergência, tente aplicar as suas poupanças, defina objetivos financeiros, não gaste mais do que ganha, calcule a sua taxa de esforço, defina estratégias de consumo, pague a crédito, não ceda à tentação de impressionar os outros…

Estes conselhos poderão ser muito oportunos num tempo em que vemos ressurgir essa tendência de querer gastar mais do que se pode ou de viver nessoutra vulnerabilidade do ‘chapa-ganha; chapa-gasta’.

 

= É claro que somos – quem a tal presta culto e faz participação – constantemente aliciados para entrarmos no consumismo desenfreado, onde muita gente vai tentando colmatar ou preencher com coisas aquilo que deveria ser melhor apreciado como os valores humanos, psicológicos e/ou espirituais.

Com que facilidade se atira dinheiro para o bolso dos mais incautos, não lhes permitindo refletir sobre as consequências quanto à má gestão das suas economias. Com que ostentação vemos pessoas desfiarem a longa lista de cartões de uso nas compras…muitos deles mais parecem ser decorativos, mas alguns têm uso ou abuso em maré de deixar boa impressão a quem vê ou repara. Com que prosápia vemos os atores do governo – da ex-geringonça e o subsequente – fazerem propaganda com a recuperação dos proventos, quando depois os retiram nos impostos encapotados…

 

= Diante das provocações do presépio como que somos desafiados a fazermos um sério exame de consciência sobre o nosso consumismo, pois não podemos hipotecar mais uma vez o nosso futuro.

Diz-nos o Papa Francisco na carta apostólica ‘O admirável sinal’: «nos nossos Presépios, costumamos colocar muitas figuras simbólicas. Em primeiro lugar, as de mendigos e pessoas que não conhecem outra abundância a não ser a do coração. Também estas figuras estão, de pleno direito, próximas do Menino Jesus, sem que ninguém possa expulsá-las ou afastá-las de um berço de tal modo improvisado que os pobres, ao seu redor, não destoam absolutamente. Antes, os pobres são os privilegiados deste mistério e, muitas vezes, aqueles que melhor conseguem reconhecer a presença de Deus no meio de nós.
No Presépio, os pobres e os simples lembram-nos que Deus se faz homem para aqueles que mais sentem a necessidade do seu amor e pedem a sua proximidade (...) Do Presépio surge, clara, a mensagem de que não podemos deixar-nos iludir pela riqueza e por tantas propostas efémeras de felicidade... Nascendo no Presépio, o próprio Deus dá início à única verdadeira revolução que dá esperança e dignidade aos deserdados, aos marginalizados: a revolução do amor, a revolução da ternura. Do Presépio, com meiga força, Jesus proclama o apelo à partilha com os últimos, como estrada para um mundo mais humano e fraterno, onde ninguém seja excluído e marginalizado
» (n.º 6).

Como é rude e contrastante o nosso mistério com a manifestação do mistério de Jesus, ontem como hoje!   

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Regionalização: por quê ou para quem?


Como se fosse um placebo político, o tema da regionalização entrou na discussão mais ou menos pública. Surgido das conjeturas de quem está aflito com outros assuntos, este tema da regionalização aparece mais uma vez como ‘fait divers’, enquanto outras questões são tratadas nas costas de quem se entretêm a falar dele, que não a discutido com seriedade.
Por ter já acontecido noutras épocas, agora não traz qualquer novidade, sobretudo se tivermos na devida conta que, quem o trouxe à liça, pode parecer mais interessado em salvaguardar o seu futuro do que em ver e refletir sobre o assunto como ele é, de verdade.
Alguns dos opinadores autárquicos e partidários sobre a matéria estão a chegar ao termo do seu tempo de mandato nas autarquias, logo precisarão de algum lugar para não serem colocados na prateleira da política profissão. Para deputados já não terão pachorra, para mudarem de campo ou de localidade a concorrer poderá parecer um pouco menos bom. Por isso, a ascensão a algum lugar daquilo que convierem ser os espaços criados pela regionalização pode assentar-lhe um pouco a contento.
Mas será isto sério, acautelado e com futuro? Claro que não. Seria como que criar chapéus a gosto para cabeças um tanto desmioladas e sem critério de conduta. Pior: andaríamos a reboque daquilo que seria mais favorável a uns tantos que sempre viveram dependurados nas franjas do poder e já não saberiam viver sem ele, mas por ele e para ele.

= A constituição da república portuguesa favorece, claramente, a regionalização?
Na revisão (4.ª) da constituição de 1997 ficou exposto: «As regiões administrativas são criadas simultaneamente, por lei, a qual define os respectivos poderes, a composição, a competência e o funcionamento dos seus órgãos, podendo estabelecer diferenciações quanto ao regime aplicável a cada uma» – artigo 255. No artigo seguinte (256) refere-se: «1. A instituição em concreto das regiões administrativas, com aprovação da lei de instituição de cada uma delas, depende da lei prevista no artigo anterior e do voto favorável expresso pela maioria dos cidadãos eleitores que se tenham pronunciado em consulta directa, de alcance nacional e relativa a cada área regional.
2. Quando a maioria dos cidadãos eleitores participantes não se pronunciar favoravelmente em relação a pergunta de alcance nacional sobre a instituição em concreto das regiões administrativas, as respostas a perguntas que tenham tido lugar relativas a cada região criada na lei não produzirão efeitos.
3. As consultas aos cidadãos eleitores previstas nos números anteriores terão lugar nas condições e nos termos estabelecidos em lei orgânica, por decisão do Presidente da República, mediante proposta da Assembleia da República, aplicando-se, com as devidas adaptações, o regime decorrente do artigo 115º
».
Perante este articulado já foi feito um referendo sobre o assunto, a 11 de novembro de 1998, com os resultados apurados: contra a regionalização – 60,67%; a favor – 34,96%, num universo de 51,71% de abstenção…logo não vinculativo porque não atingiu a percentagem exigida para que fosse aceite a decisão.
Passadas mais de duas décadas, o tema da regionalização é problema de quem – do povo ou dos políticos? Será que não andaremos a voltar a questões sem assunto, dado que nada evoluiu desde então? A forma enviesada como tema entrou na discussão não revela mais oportunismo do que oportunidade?
Agora que, segundo dizem, está em curso um processo de descentralização administrativa, dando mais poderes às autarquias, por que vem a regionalização atrapalhar o que se esteve a delinear? Não parece que algumas forças partidárias estão mais interessadas em defender os seus coitos do que em olhar para o país como um todo? Dada a ditadura (democrática) de partido único nalgumas autarquias, não estaremos perante uma forma encapotada – há quem considere mesmo um golpe palaciano – de prolongar no tempo certas forças e figuras em desgaste acentuado?
Se atendermos aos resultados práticos, sobretudo, nas duas regiões metropolitanas de Lisboa e do Porto, não será de arrepiar caminho para que não se multipliquem mais macrocefalias pelo resto do país? As atuais comissões de coordenação regional não servem para vender mais favores, será preciso instituir outros focos de gastos e de favorecimentos aos correligionários?

António Sílvio Couto

domingo, 8 de dezembro de 2019

Denúncia ou profetismo?


Não deixa de ser algo preocupante que a voz da Igreja católica – pelas intervenções do magistério (Papa e bispos) ou pelas iniciativas locais – possa parece um tanto frouxa senão mesmo não-escutada.
Por vezes setores de protesto – partidos, grupos sociais ou franjas culturais – parecem ter mais aceitação do que as declarações do Papa ou a voz de algum bispo – quando os há que estejam atentos e lúcidos – na comunicação social ou nas ditas redes sociais.
Quando os gestos falam mais do que as palavras – nessa clarividente intervenção do Papa Paulo VI, na encíclica ‘Evangelii nuntiandi’, n.º 42 – e se ouvem as palavras para explicar os gestos e as atitudes, teremos de tentar aferir-nos aos sinais que este tempo nos quer dizer.

– No rescaldo da ‘sexta-feira negra’, o Papa Francisco foi assinar/tornar pública a carta apostólica ‘O sinal admirável’ sobre o significado e o valor do presépio. Fê-lo em Greccio, Itália, o local onde, no século XIII, São Francisco de Assis levou a cabo a feitura do primeiro presépio popular… pois que o original encontrámo-lo na Bíblia, nos evangelhos da infância.
Sabendo da afinidade espiritual do Papa Francisco ao seu homólogo de Assis, compreende-se um tanto melhor que este documento da Igreja pretende não só repor o presépio no seu sentido primigénio, mas também fazer-nos a todos – crentes ou não – colocar perante a realidade da conduta decorrente de estarmos, hoje, a contemplar o presépio.
«Representar o acontecimento da natividade de Jesus equivale a anunciar, com simplicidade e alegria, o mistério da Encarnação do Filho de Deus. De facto, o Presépio é como um Evangelho vivo que transvaza das páginas da Sagrada Escritura. Ao mesmo tempo que contemplamos a representação do Natal, somos convidados a colocarmo-nos espiritualmente a caminho, atraídos pela humildade daquele que se fez homem, a fim de se encontrar com todo o homem, e a descobrirmos que nos ama tanto, que se uniu a nós para podermos, também nós, unirmo-nos a Ele» (n.º 1).
A voz profética do Papa terá acolhimento entre os católicos ou será antes melhor aceite por aqueles que estão fora do círculo – se dissesse ‘circo’ não estaria desfasado! – dos praticantes? Pelos gestos do Papa já percebemos que há um longo caminho de refontalização dos cristãos ao espírito de humildade, de pobreza e de despojamento, decorrentes do presépio? As imagens – de pessoas, de coisas ou de situações – que colocamos no presépio serão resultado da nossa exposição a Deus ou serão meros adereços de enfeite?

– Perante os episódios mais recentes da luta (pretensamente) ecologista não podemos deixar de relembrar que São Francisco de Assis é considerado o patrono da ecologia, embora alguns animalistas pretendam situar a data de 4 de outubro – dia litúrgico deste santo – na fórmula redutora do ‘dia do animal’…Para a atribuição de patrono da ecologia a São Francisco de Assis muito contribuiu a sua visão, sensibilidade e vivência para com as diversas criaturas a quem chamava de ‘irmãs’, desde as estrelas até à água, passando pelos animais cantados e encantados, não esquecendo que Francisco encaminhava das criaturas para o Criador…
Ora, certas tendências ecologistas hodiernas vão procurando destronar o Criador, colocando em seu lugar as criaturas endeusadas…numa tendência neopagã crescente. Estamos a viver uma época pós ‘nova era’ em que já não se vive um panteísmo dissimulado, mas se faz da ‘mãe-terra’, a ‘gaia’ da mitologia grega, como que a base de quase toda a tendência para muitos dos protestos, das iniciativas e mesmo dos ecologismos ‘à la carte’… ou sob planos subterrâneos internacionalistas.
Agora se pode e deve compreender a importância que o Papa Francisco deu a este tema da ‘ecologia integral’, apresentada na sua encíclica ‘Laudato sí’ (palavras de um canto de São Francisco de Assis, que quer dizer ‘louvado sejas’), com data de 24 de maio de 2015. Com efeito, perante um certo cientificismo sobre a natureza, o Papa refere o equilíbrio que deve haver entre todos os seres que vivem na ‘casa comum’, que é o Planeta Terra, naquilo que é para cada um e para todos…
Certas lições e manifestações contra as ‘alterações climáticas’ – mais antigas ou as ainda recentes – servem mais interesses emocionais do que contribuem para que tenhamos um futuro saudável, humano e teísta.

António Sílvio Couto

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Assoando-se a lenços de papel…


Hoje é uma atitude comum as pessoas usarem lenços de papel em vez dos tradicionais lenços em tecido… que foram motivo de tantas estórias, mesmo românticas e platónicas. Mas não hoje, os lenços de papel estão na moda e com razoável frequência são trocados em horas de constipações, de gripes ou de outras aflições…

Será que este gesto tão vulgar é, minimamente, ecológico, como agora tanto se propagandeia? Não estaremos a prolongar, no tempo próximo, ações nefastas para com o ambiente? Quais serão os custos do uso de lenços de papel nas alterações climáticas? Quantas árvores foi preciso abater para alimentar este gesto (dito) habitual do uso de um simples lenço de papel?

 

= Agora que foi solto o fantasma das ‘alterações climáticas’, todos teremos a reaprender a estar para que sejamos capazes de dar o nosso singelo contributo para recuperar a vida sustentável do Planeta.

* Não será com o folclore de certos meninos/as aos gritos histéricos/as, espicaçados/as por ecologistas melancia – verde por forma e vermelho por dentro – que se criará uma nova mentalidade ecológica. Será, antes, pelo questionamento do nosso comportamento pessoal e pela envolvência em querermos mudar de protótipo de vida e mesmo de civilização…

* Não será desta forma acrítica e quase irracional com que vemos a maior parte das manifestações das ‘sextas-feiras pelo futuro’ – com a ‘sacerdotisa’ Greta Thunberg a pontificar – que mudaremos uma vírgula em favor do Planeta, antes iremos acirrar os ânimos que precisavam de estar serenos para refletirem, de verdade, sobre o futuro coletivo a curto prazo…

* Não será com a manipulação descarada dos mais novos, muitas das vezes com discursos demasiado elaborados para serem naturais e sinceros, que serão absolvidos os erros do nosso passado recente…coletivo. Com efeito, os exageros, como sempre, pagam-se caros e como diz o aforisma: Deus perdoa sempre, a natureza nunca perdoa. Agora que chegamos a uma posição quase irreversível vemos despontar novos oportunistas, eivados de ideias mais materialistas do que defensoras da responsabilidade humana…

* Não será com aproveitamentos ideológico-partidários de uma certa esquerda ressabiada, que usufruiu dos benefícios do capitalismo para agora se arvorar em defensora de uma visão panteísta ateia. De facto, as armas usadas para contestar são as que foram fabricadas para progredir. Os meios de que se servem para difundir as suas ideias são resultado da evolução tecnológica que contestam. A convocação, divulgação e efeitos das contestações só são possíveis porque foram usados recursos não mais primários de civilização, como dão a entender que defendem…

A fabricação deste movimento ecologista em curso está prenhe de mentiras, de falsas verdades e mesmo de infiltrados mal resolvidos nos seus conflitos interiores, psicológicos e emocionais consigo mesmos e para com os outros…

 

= Se o uso dos lenços de papel pode ser um dos sinais mais relevantes da incongruência do nosso tempo, teremos de dar passos que nos façam recuperar o respeito pela natureza, voltando, por exemplo, aos lenços em tecido. Pela minha parte nunca usei lenços de papel. Gostaria ainda que voltassem a ser usados com essa arte e engenho, tal como se via em certas zonas do nosso país…

Pequenos gestos podem fazer grandes e significativas mudanças. Assim sejamos capazes de o fazer e de o viver…enquanto vamos a tempo!       

   

António Sílvio Couto

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Parfois… again… todavía (às vezes… novamente … ainda)


Estas três palavras de idiomas diferentes – ‘parfois’ (por vezes, às vezes) do francês, ‘again’ (outra vez, novamente) do inglês e ‘todavía’ (ainda) do castelhano – podem servir-nos para lançarmos alguns olhares sobre coisas e loisas do nosso tempo.

 

* Às vezes (‘parfois’) vemos situações pouco fáceis de entender, tal é a complexidade dos factos e mesmo a desenvoltura dos meandros… Vejamos casos concretos, mas que podiam ser tantos outros… A iniciativa com cerca de trinta anos (1991) que é ‘banco alimentar contra a fome’. Nela por vezes podemos ver a solidariedade dos portugueses para com 2.300 instituições de assistência, que envolve quase quatrocentas mil pessoas ajudadas. Mas não será uma espécie de ‘profissionalização’ de tantos pobres que dele se socorrem habitualmente? Muitas dessas instituições não se manterão como correias de comunicação de ações de resignação, quando deveriam ser mais ousadas do que retardadoras da saída do estado de pobreza? O sucesso das campanhas não será narcótico para um nível de acomodação mesmo dos poderes políticos e sociais? A ação de voluntariado não poderá correr o risco de se tornar mais uma passerelle de vaidades e não de contributo com desprendimento pelos outros?

 

* Novamente/outra vez (‘again’) poderemos ler tantas das ajudas natalícias mais como contributos de alienação do que como vivências de partilha…para com os (ditos/conotados) desfavorecidos. Dá a impressão que os ‘pobres’ só comem pelo natal ou só precisam de ajuda quando a maioria vive nos excessos…

De igual forma temos de estar atentos à crescente correria com que se caminha no convite ao despesismo pessoal, familiar e coletivo… Apesar de termos ainda na memória a ‘crise do subprime’ de 2008 – foi há pouco mais de dez anos – vemos estarem a ser criadas as condições para voltarmos outra vez à casa de partida desse jogo que tanto custou a ganhar, mas que alguns querem fazer-nos reviver. A diletância de uns tantos vai custar a todos. O pior é serem quase-sempre os mesmos a serem os causadores e a entregarem outra vez aos mesmos a tarefa de recuperação! Não aprendemos nada com a história…

 

* Ainda (‘todavía’) precisamos de mais avisos para não continuarmos a persistir nos riscos? De facto, os atos folclóricos a propósito das alterações climáticas trouxeram à luz do dia certas figuras de outras batalhas, quase sempre, comandadas por uma certa esquerda – caviar ou presunçosa – para quem pensar de forma diferentes deles é ser aquilo que dizem combater. Ainda estão na fase infantil das suas certezas, apelidando os outros com rótulos que lhes assentariam com profícua eficiência e igual rigor.

Não deixa de ser irónico que se combata contra as alterações climáticas, mas se assoem com lenços de papel em vez de lenços laváveis e reutilizáveis ou que cuidem dos filhos – se os têm – substituindo-lhes as fraldas descartáveis… Ainda nos falta um razoável percurso para sermos, no mínimo, coerentes e respeitadores dos outros e não só afáveis para com os da nossa cor clubística ou ideológica!

 

= Numa época de convite à simplicidade de vida, que é a tonalidade do Natal, deixamos excertos da recente carta apostólica do Papa Francisco, ‘O sinal admirável’: «Nos nossos Presépios, costumamos colocar muitas figuras simbólicas. Em primeiro lugar, as de mendigos e pessoas que não conhecem outra abundância a não ser a do coração... Os pobres são os privilegiados deste mistério e, muitas vezes, aqueles que melhor conseguem reconhecer a presença de Deus no meio de nós...Muitas vezes, as crianças (mas os adultos também!) gostam de acrescentar, no Presépio, outras figuras que parecem não ter qualquer relação com as narrações do Evangelho... Do pastor ao ferreiro, do padeiro aos músicos, das mulheres com a bilha de água ao ombro às crianças que brincam… Por todo o lado e na forma que for, o Presépio narra o amor de Deus, o Deus que se fez menino para nos dizer quão próximo está de cada ser humano, independentemente da condição em que este se encontre» (n.os 6 e 10).       

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Papa explica-nos o Presépio


‘O sinal admirável’ (admirabile signum’) é o título da carta apostólica do Papa Francisco sobre o significado e valor do Presépio.

Com data de 1 de dezembro – primeiro domingo do Advento – o Papa quis publicitar esta partilha/reflexão em Greccio (Itália), santuário do Presépio.

Respeitando a ordem de apresentação do texto vamos respigar alguns excertos dos dez números que o documento apresenta…colocando algumas questões.

1. O sinal do Presépio
«Quero apoiar a bonita tradição das nossas famílias de prepararem o Presépio, nos dias que antecedem o Natal, e também o costume de o armarem nos lugares de trabalho, nas escolas, nos hospitais, nos estabelecimentos prisionais, nas praças... Desejo que esta prática nunca desapareça; mais, espero que a mesma, onde porventura tenha caído em desuso, se possa redescobrir e revitalizar».
Será que temos feito tudo para o que o presépio continue a nortear a nossa vida pessoal, familiar e social? Certos ‘concursos de presépios’ registam o que é essencial? Não deixemos o presépio banalizar-se...

2. Origem do Presépio
«A origem do Presépio fica-se a dever, antes de mais nada, a alguns pormenores do nascimento de Jesus em Belém, referidos no Evangelho... Jesus é colocado numa manjedoura, que, em latim, se diz praesepium, donde vem a nossa palavra presépio...Na realidade, o Presépio inclui vários mistérios da vida de Jesus, fazendo-os aparecer familiares à nossa vida diária... Em Greccio, naquela ocasião, não havia figuras: o Presépio foi formado e vivido pelos que estavam presentes».
Não poderemos fazer do ‘nosso’ presépio a reprodução da nossa vida quotidiana? Não andaremos a projetar no presépio considerações não-cristãs?

3. Significado do presépio
«Com a simplicidade daquele sinal, São Francisco realizou uma grande obra de evangelização. O seu ensinamento penetrou no coração dos cristãos, permanecendo até aos nossos dias como uma forma genuína de repropor, com simplicidade, a beleza da nossa fé... Desde a sua origem franciscana, o Presépio é um convite a «sentir», a «tocar» a pobreza que escolheu para si mesmo o Filho de Deus na sua Encarnação, tornando-se assim, implicitamente, um apelo para o seguirmos pelo caminho da humildade, da pobreza, do despojamento».
Já captamos a rudeza do presépio perante a moleza da nossa conduta? O presépio toca-me em pobreza, humildade e despojamento?

4. Lendo os sinais
«Os vários sinais do Presépio para apreendermos o significado que encerram. Em primeiro lugar, representamos o céu estrelado, na escuridão e no silêncio da noite... Merecem também uma referência as paisagens que fazem parte do Presépio; muitas vezes aparecem representadas as ruínas de casas e palácios antigos que, nalguns casos, substituem a gruta de Belém tornando-se a habitação da Sagrada Família».
Não será preciso interpretar os sinais do presépio naquilo que podem incomodar tanta da nossa vulgaridade e superficialidade? Temos tempo para parar diante das lições simples do presépio, ontem como hoje?

5. Figuras representativas
«Uma grande emoção deveria apoderar-se de nós, ao colocarmos no Presépio as montanhas, os riachos, as ovelhas e os pastores! Pois assim lembramos, como preanunciaram os profetas, que toda a criação participa na festa da vinda do Messias. Os anjos e a estrela-cometa são o sinal de que também nós somos chamados a pôr-nos a caminho para ir até à gruta adorar o Senhor».
Não haverá demasiada racionalidade perante a emotividade do presépio? Que há de aprendizagem para o essencial na subtileza das figuras do presépio?

6. Outras figuras simbólicas
«Nos nossos Presépios, costumamos colocar muitas figuras simbólicas. Em primeiro lugar, as de mendigos e pessoas que não conhecem outra abundância a não ser a do coração... Os pobres são os privilegiados deste mistério e, muitas vezes, aqueles que melhor conseguem reconhecer a presença de Deus no meio de nós...Muitas vezes, as crianças (mas os adultos também!) gostam de acrescentar, no Presépio, outras figuras que parecem não ter qualquer relação com as narrações do Evangelho... Do pastor ao ferreiro, do padeiro aos músicos, das mulheres com a bilha de água ao ombro às crianças que brincam».
A projeção da ‘nossa’ vida (tantas vezes com sabor ruralista) significará participação da santidade das vida na condição divina?  Teremos sentido de inclusão em Deus ou de profusão folclórica?

  

7. Maria e José
«Maria é uma mãe que contempla o seu Menino e o mostra a quantos vêm visitá-lo. A sua figura faz pensar no grande mistério que envolveu esta jovem, quando Deus bateu à porta do seu coração imaculado... Ao lado de Maria, em atitude de quem protege o Menino e sua mãe, está São José. Geralmente, é representado com o bordão na mão e, por vezes, também segurando um lampião. São José desempenha um papel muito importante na vida de Jesus e de Maria. É o guardião que nunca se cansa de proteger a sua família».
Num tempo de acentuada crise da família, será que estas figuras interpelam os que são mães e pais? Como poderão ser apresentados, Maria e José, como modelos de pais, sobretudo, cristãos?

8. Menino Jesus
«O coração do Presépio começa a palpitar, quando colocamos lá, no Natal, a figura do Menino Jesus. Assim se nos apresenta Deus, num menino, para fazer-se acolher nos nossos braços. Naquela fraqueza e fragilidade, esconde o seu poder que tudo cria e transforma. Parece impossível, mas é assim: em Jesus, Deus foi criança e, nesta condição, quis revelar a grandeza do seu amor, que se manifesta num sorriso e nas suas mãos estendidas para quem quer que seja».
Jesus é, de facto, o meu celebrado no Natal? Como vou aprendendo a riqueza do amor de Deus diante de Jesus no presépio?

9. Os magos
«Quando se aproxima a festa da Epifania, colocam-se no Presépio as três figuras dos Reis Magos. Tendo observado a estrela, aqueles sábios e ricos senhores do Oriente puseram-se a caminho rumo a Belém para conhecer Jesus e oferecer-lhe de presente ouro, incenso e mirra. Estes presentes têm também um significado alegórico: o ouro honra a realeza de Jesus; o incenso, a sua divindade; a mirra, a sua humanidade sagrada que experimentará a morte e a sepultura».
Tal como os magos, vindos de longe, que é que vou oferecer a Jesus neste Natal?

10. Lições contínuas do Presépio
«Por todo o lado e na forma que for, o Presépio narra o amor de Deus, o Deus que se fez menino para nos dizer quão próximo está de cada ser humano, independentemente da condição em que este se encontre... O Presépio faz parte do suave e exigente processo de transmissão da fé».
O presépio humaniza-me e cristianiza-me verdadeiramente?

 

Lidas, acolhidas e assimiladas estas vertentes do presépio certamente poderemos continuar a renovar esta tradição na Igreja católica, à luz da sua origem…

 

António Sílvio Couto