Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Inimigo do inimigo…será amigo?


Na imensa cadeia de relações e de conhecimentos, de transações e de referências… com pessoas de vários estratos e códigos, de diversos momentos e em etapas díspares… vemos que a nossa vida se tece e entretece numa razoável complexidade, que, por vezes, conseguimos abranger e noutras situações como que nos ultrapassam.

A citação da frase – ‘o inimigo do meu inimigo é meu amigo’ – reporta-se ao contexto da segunda guerra mundial e teve as seguintes implicações históricas: Joseph Stalin à frente da Rússia aliou-se aos Estados Unidos da América do presidente Franklin Roosvelt e a Winston Churchill, primeiro-ministro britânico… todos contra Adolf Hitler que geria a Alemanha.

Decorridos tantos anos parece que emergem, de quando em vez, alguns laivos dessa aliança, agora configurada a outros interesses, desde os mais mesquinhos até aos mais sublimes… se é que tal caraterística de sublimidade se pode a aplicar a algo que tenta explorar os outros e até usá-los conforme possa convir. 

= Por estes dias surgem, de facto, sinais que podem ser preocupantes para a nossa identidade coletiva. Esta ‘nossa’ é mais do que uma leitura ideológica que pretenda ver ameaças em tudo e em todos que não pensem à nossa maneira. Quem, assim, se vê e interpreta os outros poderá comportar, mesmo que de forma subtil, uma carapaça de ditador encolhido, pois os outros nunca são (nem podem ser) ‘inimigos’ se não se identificam, totalmente, connosco e com as nossas manias… algumas delas bem ressabiadas e preconceituosas.

Veja-se a forma acintosa com que certos setores olham e julgam o resultado das eleições nos EUA e daí querem, rapidamente, tirar lições para o resto do mundo, desde que não sejam da sua cor nem perfilem os seus ideais. Com efeito, essas pessoas têm memória curta, dado que a sua cortina caiu somente há menos em trinta anos (1989) e julgam que o perigo se diluiu só porque que se ‘democratizaram’! 

= Urge, por isso, sabermos quem são (ou podem ser) os inimigos reconciliados, pois do diagnóstico bem conseguido poderá estar dependente o futuro das relações entre povos e culturas, entre propostas e programas, entre quem sonha e quem querer comprometer-se em realizar algo mais que a imposição de soluções, mesmo que de conveniência.

No nosso país precisamos de fazer sair da lura ou saltar do sofá essa imensa maioria silenciosa que se tem calado e acomodado com os desvarios da governança. Não podemos deitar a perder os sacrifícios dos anos transatos pela simples razão de que tudo tem de ser revertido, pagando favores a dirigentes sindicais e tentando conquistar votos com migalhas dum bolo esfarelado e azedo.

Quando os inimigos se zangarem poderemos compreender quem enganou quem, qual é a fatura que todos teremos de pagar e como iremos assumir as consequências de tanta ‘amizade’ interesseira. Não temos a menor dúvida que muita coisa vai fazer-nos voltar ao ‘dejá vu’… mais cedo do que tarde. 

= Desde o princípio do cristianismo se diz: ‘se alguém não quer trabalhar também não coma… ganhem o pão que comem com um trabalho tranquilo’ (2 Ts 3,10.12). Ora, o que temos visto e observado é que há muita gente a viver sem trabalhar, fazendo vida de rico e, ao que parece, com bolsa de pobre. Algo vai mal neste reino do ‘faz-de-conta’, pois não se pode repartir nem auferir melhores salários se não há investimento nem produção. Desgraçadamente ainda não vimos este perigo?

Tolhe-nos um complexo de inferioridade coletivo, pois queremos dar a entender que temos nível de vida – social, económica e cultural – mas os princípios pelos quais nos regemos – ou nos dizem governar – são falaciosos e articulados na mentira. 

= Há muita gente e instituições – algumas delas de solidariedade social da Igreja católica – que estão compradas pela boca, umas vezes porque precisam de quem governa para permitir cumprir as suas obrigações e outras vezes calando o que se pode e devia dizer, pois isso poderá colocar em risco a sobrevivência de tantos postos de trabalho. Haja verdade e coerência!

 

António Sílvio Couto 

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Trumpalhadas


A eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos da América ainda está a ser digerida por muita gente. Quando tantos desejam que fosse Hillary Clinton a aceder ao lugar, os resultados trouxeram o contrário... e por larga margem.

De pouco adianta diabolizar o vencedor, recorrendo às imensas tropelias que disse e que fez durante a campanha eleitoral. Já houve quem referisse: uma coisa é o que se diz na campanha e outra é o que se faz no governo... tentando com isso acreditar que haverá uma outra personagem no lugar do poder!

Certamente poderemos considerar que os americanos não são só estúpidos quando nos convém – sobretudo quando fogem ao modelo de sociedade que nós julgamos o mais adequado – até porque podem estar a ver algo que nós ainda não conseguimos descortinar, pois nos deixamos absorver pelas nossas ideias quase preconceituosas...sobre tantas e tão diversas questões, que nos podemos endeusar na forma e no conteúdo.

Fique claro que nada me identifica com o modo de ser do vencedor e, em muitas das ideias, podemos perceber que elas são resultado das circunstâncias do país-continente em causa. Deste modo esta ‘provocação’ que escrevemos não pretende dizer nada pela escolha, antes esperando que se possa assimilar o que tudo isto significa... para eles e para o resto do mundo. 

As trapalhadas – o título: trumpalhadas, quer aglutinar trapalha (embuste, fraude e confusão) com Trump – em que nos vamos entretendo deixa por agora algumas considerações a que devíamos dar atenção:

- Quem quis vender um presidente antes do tempo terá de corrigir as apostas. Muita da comunicação social – nos EUA e na Europa – quis-nos fazer acreditar nas virtudes da (agora) derrotada, ela que contribuiu em tempos recuados para a crescente amoralização da América. Não se pode colocar filtros na comunicação, quando convém impor quem mais favorece as nossas ideias e comportamentos... Como irão engolir o que foi dito e escrito? Até onde pode ir a informação e a manipulação? Aos riscos corridos terão os seus mentores de interpretar quem tudo quer, tudo perde...

- A vulgarização – levada ao ridículo e ao achincalhamento – de quem não pensa como nós vai sendo uma das linhas de conduta na nossa sociedade...ocidental. Ora, dos problemas e das soluções temos de saber escutar e não podemos espremer o assunto até que aquilo que nos dizem caiba na estreiteza da nossa capacidade de ideal...como se fosse um funil que só credita quem pensa de forma idêntica. Isso será liberdade?  Muitos defensores de ideias da candidata vencida terão de questionar-se – mesmo nas franjas dalgum esquerdismo à portuguesa – mais sobre o que virá do que sobre aquilo que já passou.

- Pelo que se viu os candidatos à eleição eram os piores que podiam ter surgido nos dois lados da competição. Por isso, houve quem questionasse como foi possível chegarem à votação candidatos tão maus. No entanto, dum lado e de outro foram surgindo vozes, que por tão exaltadas nas suas argumentações, quase faziam crer que eram os melhores... até agora. Deste modo se pôs a nu a incapacidade de gerar pessoas com valores, critérios e moralidade. Se é assim nos EUA o que poderá acontecer no resto das (ditas) democracias!

- Dizia-se no fervor das leituras dos resultados que os candidatos manifestavam um grande desfasamento da realidade social e política. Mas não é esse o problema de tantos/as que se apresentam a votos? Quantos não conhecem o mundo real do resto da população. Ora, quando surge um ‘iluminado’ – Trump é uma espécie de self made man à escala americana...rica – que fala (mais ou menos) a linguagem dos mortais, consegue atrair e merecer alguma confiança... por algum tempo. 

= Esperamos que o que aconteceu nos EUA possa servir de lição para muitos (ditos e/ou apelidados) intelectuais, por forma a que não queriam ‘influenciar’ a partir dos seus interesses ideológicos e das suas éticas... Com tantas trumpalhadas precisamos de ser mais humildes e verdadeiros para connosco mesmos e uns para com os outros. Nem tudo vale, quando o valor é falso!    

 

António Sílvio Couto


segunda-feira, 7 de novembro de 2016

TPC’s: sim, não…talvez


A sigla TPC quer dizer: ‘trabalhos para casa’, que ocupam, desde muito cedo, as crianças em idade escolar. Nos tempos mais recentes têm-se colocado algumas questões sobre este vetor do tempo de aprendizagem das crianças: são necessários? São dispensáveis? Que utilidade podem ter? Com tais tarefas – extraescolares – onde fica o tempo para brincar? Não andaremos a sobrecarregar as crianças, ocupando-lhes o tempo em excesso?

Ora, foi notícia por estes dias que, em Espanha, durante o mês de novembro, os pais das crianças que frequentam as escolas públicas, vão estar em greve aos trabalhos de casa, aos fins-de-semana. A iniciativa é duma confederação de associações de pais e mães e pretende com isso recusar que os trabalhos de casa invadam o tempo das famílias e que possam violar o direito ao recreio, à brincadeira e a que crianças e pais possam participar em atividades artísticas e culturais…

Por seu turno, uma associação portuguesa congénere daquela espanhola manifestou-se solidária, acentuando que é preciso repensar o sistema de ensino, pois está em causa a qualidade de tempo, tanto das escolas como das famílias em casa…

Se dissermos que na situação em Espanha as crianças passam, em média, seis horas semanais com os trabalhos de casa, enquanto em Portugal parece que estas tarefas ocupam quatro horas por semana… teremos matéria suficiente e necessária para, ao menos, enfrentar a questão sem preconceitos, com soluções mal estudadas ou implementadas à pressa… como parece que ainda vamos resolvendo o problema do tempo extraescolar ao cuidado da família! 

= Há situações em que os trabalhos de casa são uma espécie de tortura para crianças e educadores (pais e encarregados de educação, avós e afins), pois fazem com que todos tenham tempo e capacidade para ajudar as crianças, o que nem sempre se verifica.

Claro que há, por outro lado, diversos modos de ultrapassar este engulho: umas vezes é entregando as crianças em ‘explicações’ – pagas fora da escola, com pessoas disponíveis e, espera-se, capacitadas para o fazerem – em complemento do tempo passado na escola; outras vezes poderá ser confiando as crianças/adolescentes a ‘centro de atividades de tempos livres’ (CATL’s), normalmente associados a jardins-de- infância de instituições preparadas para o efeito; outras vezes confia-se na boa vontade dos avós, que vão ajudando enquanto podem e sabem…  

= Será absolutamente necessário que as crianças tenham de levar trabalhos para fazer em casa, quando passam tanto tempo em área de aprendizagem escolar? Não será que a desculpa de ocupar as crianças confunde aprendizagem com estudo? Não será que o (pretenso) modelo de trabalhos de casa ainda vive numa visão de família, que está desconjugada da atualidade?

Talvez seja preciso que as crianças continuem a estudar em casa – seja nela mesma, seja nalguma estrutura que a substitua – tentando assim cimentar o que se aprende, ouvindo, falando, escrevendo… ou, sabe-se lá, brincando. Mas teremos de encontrar uma forma mais consentânea com a vida atual das famílias – onde os pais passam tanto tempo fora de casa e sem os filhos, possivelmente, entregando-os aos cuidados de avós e de outras ajudas… até pagas – dando a uns e a outros espaço e tempo de qualidade em comum e em intensidade… ao menos ao fim-de-semana. 

= A escola não pode ser só uma espécie de espaço lúdico, tem de ser, essencialmente, o local onde se dá gosto por aprender, embora sabendo as limitações da nossa sociedade e cultura. Por isso, será importante que, quem tem a responsabilidade da educação – tanto ao nível geral e nacional, como nas instâncias locais e mais próximas – saiba resolver os novos problemas com ideias adequadas à complexidade da educação. Ora, os trabalhos de casa são, hoje, questões novas e que devem ter soluções inovadoras. Com efeito, não podemos concordar que os (ditos) trabalhos de casa ocupam em excesso as crianças/adolescentes e nos fiquemos por continuar a apresentá-los como a mais atualizada forma de estudar. Aliás, seria muito útil para todos – educandos e educadores – que bem cedo cada um saiba a sua melhor forma de estudar, pois daí advirá o sucesso no futuro…    




António Sílvio Couto 

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Aprender a ser poupado


Segundo dados revelados nos últimos dias, os portugueses estão cada vez menos a poupar. A fazer fé naquilo que foi publicado, no segundo semestre deste ano, a taxa de poupança cifrou-se em 3,5%, atendendo ao que cada um ganha e àquilo que consegue aferrolhar.

Ora, há vinte anos atrás nós – no geral da população – conseguíamos poupar na ordem de 12,5% do rendimento auferido. Quais são, então, as razões deste fenómeno de andarmos a gastar mais…mesmo sem ter? Porque entramos nesta espécie de euforia de ‘chapa-ganha, chapa-gasta’? Que terá havido de tão significativo para vermos as pessoas a pensarem cada vez menos no futuro…como acontecia em tempos não muito recuados? Será que a apologia do consumo – sobretudo no último ano – terá contribuído para esta vivência social de não-poupança? Estaremos a lançar as bases para uma crise mais profunda – a médio e a longo prazo – do que a crise económica do após-2008? Será possível encontrarmos receitas mais ou menos aceitáveis para modificarmos este estado da sociedade? De entre as possíveis soluções qual será aquela que se pode ajustar melhor à situação pessoal e familiar de cada um de nós? 

Recentemente encontrei uma razoável lista de sugestões – com mais de duas dezenas – num órgão de comunicação. Vamos respigar algumas, acrescentando outras questões e alevantando outros assuntos atinentes ao caso e similares na conjugação das matérias em apreço.

Eis a lista para uma cultura de poupança:

- Elaborar um orçamento mensal, onde possam ser incluídas as despesas correntes e as fixas anuais;

- Prever um certo montante para despesas imprevistas e gastos extraordinários;

- Tentar ter um fundo de maneio que consiga fazer frente a pelo menos de três a seis meses de dificuldades;

- Ir construindo um pequeno saldo para a época dos presentes, como no Natal e nos aniversários;

- Estar atento às promoções e aos descontos, tanto dos bens alimentares como do combustível…atendendo a que de manhã ou ao final do dia a gasolina fica mais densa, conseguindo, assim, comprar mais por menos;

- Na lista das compras tentar fugir das escolhas por impulso… tendo em conta os lugares estratégicos das grandes superfícies, que nos podem apanhar desprevenidos;

- Preferir o tomar banho de duche, o que pode poupar até oitenta mil litros de água por ano;

- Na lavagem dos dentes fechar a torneira durante a escovagem, o que pode poupar até dez litros anualmente;

- Vigiar sobre os valores de seguros da casa, do carro, de vida e de saúde, pois há mudanças e atualizações contínuas;

- Estar em atenção às diferentes taxas de telemóvel, de internet, de televisão e de telefone fixo… pois muita coisa muda rapidamente. 

Por certo que há milhentos estratagemas para vivermos num sistema de poupança. Arriscado será se nos limitarmos a tentar implementar um regime de poupança. Comparando: é diferente uma pessoa viver sob um sistema de alimentação para cuidar da saúde do que submeter-se a uma espécie de regime de emagrecimento que pode ter alguns efeitos mais ou menos imediatos, mas que não educa para ter uma saúde compatível com o necessário.

Deste modo é fundamental que se reaprenda a viver na poupança, pois as tão difundidas benesses do ‘estado social’ têm vindo a servir para enganar quem viva gastando tudo (e mais) aquilo que ganha. É urgente denunciar os artífices da mentira, que nos vieram dizer que o consumo fará com que as pessoas vivam melhor, pois se não tiverem algo de reserva com facilidade poderão cair no logro de que o que ganham as sustenta… Isto é pura mentira, sobretudo se as pessoas viverem só dos seus ordenados, dado que poderão receber mais, mas serão aliciadas para gastarem ainda muito mais…

É diante deste capitalismo encapotado que temos de dizer que há gente neste país que diz ter intentos sociais – alguns até a coberto das ações socio-caritativas da Igreja católica – mas que não deixarão mais do que um rasto de miséria, pois enganaram as pessoas, fazendo-lhes crer que no gastar é que está o ganho, pois deveria ser, com humildade e verdade, ao poupar no presente poderemos cuidar do futuro. O resto é patranha! 

 

António Sílvio Couto 

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Duques & cenas tristes


«Só me saem duques e cenas tristes». Eis uma frase que se ouve com alguma frequência nas conversas de rua e nos grupos de amigos, tentando exprimir que algo não está a correr em conformidade com o desejado... deixando-nos um tanto na expetativa e/ou na deceção.

Os ‘duques’ são as pintas menos valiosas do baralho das cartas de jogar, que, quando saem em sorte, de pouco adiantam para conseguir vencer. Por seu turno, as ‘cenas tristes’ podem ser os episódios menos significativos da vida ou que, por serem insignificantes, podem trazer-nos motivos de tristeza... atual e no futuro.

‘Duques e cenas tristes’ poderão ser, assim, momentos e factos, pessoas e episódios, vivências e situações que manifestam na nossa vida algo que pouco ou nada acrescentam àquilo que já vivemos, mas que fazem parte do nosso existir, podendo ser considerados, se sobre eles repararmos, oportunidades para sairmos da banalidade em que tantas vezes nos envolvemos e/ou nos deixamos envolver no nosso dia-a-dia. 

= Casos e confusões

Na nossa vida política e social temos sido confrontados – nos tempos mais recentes e em situações várias – com casos que por serem tão inverossimeis mais pareceria que podem entrar na classificação de ‘cenas tristes’ sem razão de ser e muito menos de compreender.

Haver pessoas que dizem ter cursos mas que mal os frequentaram e isso ser aduzido como curriculum público para lhes dar credibilidade... no mínimo é de rejeitar seja qual for a cor ou a instância em que tais pessoas se possam apresentar... Mas o que temos visto é que certas forças partidárias ‘moralistas’ se fosse noutras situações não deixariam de clamar pela demissão do titular da pasta, por agora o que têm dito é que basta que os prevaricadores saiam para que tudo possa ficar resolvido...e na mesma.

Estes duques fazem cenas tristes, mas são facilmente desculpados porque que os ‘moralistas caviar’ estão nas franjas do poder e isso poderia emperrar a máquina de fazer crer que cometem erros!

Se outros tivessem sonegado elementos do orçamento de estado – dizem que mais de trinta páginas com dados relevantes para a avaliação da execução do ano em curso – logo seriam apelidados de incompetentes e de estarem a esconder algo que seria trágico para o futuro do país. Agora foram os construtores da máquina e nada se passou... à exceção dum razoável puxão de orelhas dos organismos europeus, mas mesmo estes foram considerados intrometidos na soberania dos prevaricadores.

Estas cenas não deixam muito bem classificados os ‘duques’ do teatro da nossa praça, que, ou são maus atores com um papel de marionetas ou com dificuldade conseguem disfarçar a incompetência, que tem de ser escortinada contínua e seriamente. 

= Perspetivas e soluções

Nesta época um tanto revisionista de coletivismo, torna-se importante perceber como havemos de relançar a visão personalista onde cada um valha pelo que é e não pela filiação partidária e muito menos pela fidelização às promessas estomacais com que os ocupantes do poder vão tendo presos pela boca os seus eleitores. Sim, a liberdade é mais do que essa capacidade de dizer e fazer o que se quer, mas deve alicerçar-se num pensamento de responsabilidade sobre o seu presente e o futuro.

Certos fantasmas do ‘verão quente’ não podem ser ressuscitados com o risco de estarem desfasados no tempo e na história e de poderem servir para cercear a iniciativa privada, que é o motor de qualquer sociedade, dado que ninguém reparte o que não é produzido e muito menos se faz favores com cofres vazios e com os credores à porta.

É chegada a hora de pensarmos se queremos viver na fúria do presente ou se saberemos acautelar o futuro. É hora de sabermos quem nos usa como duques de cenas tristes ou quem nos ajuda a construir o nosso futuro coletivo alicerçado em valores, onde a pessoa seja um sujeito e não um adjetivo descartável. Estes duques com estas cenas tristes, não, obrigado!

 

 

António Sílvio Couto


quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Generosidade no mundo


Segundo uma lista elaborada por um organismo americano e publicada por uma revista de grande tiragem também naquela origem, Portugal ocupa o lugar 90.º dos países mais generosos do mundo. O primeiro lugar é ocupado pela Birmânia… e dos cento quarenta países analisados a China está em último lugar.

Que significa ser considerado ‘generoso’? Os critérios para este conceito de generoso tem a ver com a prática de doações para obras de caridade, o participar em voluntariado e em ajudar pessoas estranhas…

Como explicação de a Birmânia estar à testa desta lista tem a ver com uma espécie de cultura e de práticas religiosas onde uma larga percentagem de pessoas (quase cem por cento) doa algo em favor dos outros… sobretudo dos monges budistas.

A lista dos dez países do mundo mais generosos é a seguinte: Birmânia, EUA, Austrália, Nova Zelândia, Sri Lanka, Canadá, Indonésia, Reino Unido, Irlanda e Emirados Árabes Unidos… Moçambique (67.º), Brasil (68.º)… 

= Num tempo em que, nitidamente, as pessoas pensam mais em si mesmas e na ‘sua’ felicidade do que naquilo que podem realizar em favor dos outros, torna-se útil e essencial fazermos uma espécie de exame de consciência sobre o nosso trato com os outros e sobre a forma como vivemos a doação em favor deles.

Não é novidade para ninguém o modo que, de tantas e tão variadas formas, podemos fazer dos outros algo (muito menos do que alguém) que nos serve e enquanto nos serve. A isto vem chamando o Papa Francisco a ‘cultura do descartável’, isto é, quando os outros já não nos são úteis deitámos-lhos fora ou colocámo-los numa espécie de reduto em que já não nos incomodam nem perturbam…

Se isto acontece com as pessoas o mesmo fazem os países uns para com os outros, criando novos excluídos e emergentes pobres… ora por ação, ora por inação e até por omissão. Com efeito, os países do hemisfério norte não são dos mais generosos – na lista supracitada mais de metade dos ‘dez mais’ são do hemisfério sul, incluindo mesmo a confrangedora 90.ª posição portuguesa… por contraste com países de língua portuguesa bem melhor posicionados! 

= Se atendermos aos itens – doação em caridade, voluntariado, ajuda a estranhos – poderemos um tanto melhor aferir dalgumas das razões que nos podem levar a encontrar as causas desta não-generosidade e as não nos deixarmos confundir pelas consequências mais ou menos percetíveis.

A retração da generosidade revela, antes de mais, uma certa desconfiança de cada um sobre si mesmo o que se repercute no comportamento para com os outros. Por vezes deixamos que se crie em nós mesmos uma tendência a fechar-nos à doação – seja em caridade, seja em solidariedade ou mesmo em fraternidade – com a desculpa de não sabemos o que será amanhã, sem pensarmos antes na partilha e nessa outra forma de dar hoje aos outros, pois amanhã poderemos ser nós a precisar e gostaríamos de receber…

Tudo isto é grave quando se estende à psicologia dos povos e influência o comportamento coletivo… mais ou menos assumido ou até tolerado.

Por outro lado, tem vindo a crescer a sensação de que o voluntariado está em decrescendo, gerando-se quase a perceção de que o voluntariado se tem vindo a tornar numa ‘profissão’ ou numa ocupação de tempo para quem não tem nada para fazer, em vez de ser purificado e vivido nesse serviço aos outros mais por eles do que por nós mesmos. Também aqui parece que o centro não são os outros e as suas necessidades… 

= Neste imenso mundo de interdependências – mesmo na vulnerabilidade – torna-se urgente que nós, portugueses, nos questionemos sobre tão baixa participação em matéria de generosidade, até porque nós, como povo e nação, sempre recebemos muito da generosidade doutros povos e nações, sobretudo nas horas de menos boa condução dos nossos destinos políticos e económicos. Que seria de nós, hoje, sem a generosidade da União Europeia nestes trinta anos de adesão formal à CEE? Queria seria de nós, como povo emigrado, se outros povos e nações não tivessem aberto as fronteiras às vagas de saídos daqui em busca de melhores condições de vida? Talvez nos vá faltando memória e gratidão!...      

 

António Sílvio Couto 

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Memória dos mortos: culto ou desprezo?


Por decisão do atual governo, foi revertida a suspensão do feriado do 1 de novembro – à semelhança de outros três (1) – criando novamente a regalia de, por ocasião de uma vivência católica, todos usufruem de um dia sem trabalho, mesmo que não o usem para a finalidade com que foi criado…

Embora não seja diretamente voltado para a veneração dos mortos – isso acontece na liturgia católica no dia seguinte (dia 2) em que se recordam os fiéis defuntos – o feriado do primeiro dia de novembro é usado em muitas circunstâncias – sociais e religiosas, mas também afetivas e económicas – para cuidar dos espaços de relação com os mortos/defuntos.

Embora tenha sido reposto o feriado, este pode continuar a ser mais um dia de não-trabalho do que um dia feriado para ser santificado com a veneração de Todos os Santos. Atendendo às circunstâncias humanas e históricas, este feriado é vivido nalgumas localidades à borda do rio Tejo e não só como momento celebrativo comunitário para agradecer a Deus, a Nossa Senhora e aos Santos a proteção recebida por ocasião do terramoto de 1755… 

= Se atendermos a esta data poderemos interrogar-nos sobre a razão para que tenhamos vindo a assistir à conexão entre este feriado e a promoção do Halloween. Também aqui teremos de recorrer à história dos povos e do cristianismo em particular para encontramos razões e enquadramento desta ligação.

Há, no entanto, questões que se podem colocar: estaremos a viver um processo de neopaganismo, relegando para plano secundário o que antes era motivo de fé cristã mais ou menos sociológica? Ao entrarmos na promoção e na vivência – como acontece em tantas jardins-de-infância e escolas, coletividades, etc. – do Halloween não estaremos a entrar numa lógica do mal, prestando-lhe culto e fazendo-o presente na sociedade? Não estaremos a viver mais uma paganização em contraste com a desacreditação do cristianismo e do catolicismo em particular? Como se pode conciliar o ‘pão por Deus’ com as travessuras do Halloween? Não será que estas coisas do Halloween são menos infantis do que nos querem fazer entender? 

= Surgida no contexto da religião celta, a vivência – para alguns já quase se torna uma celebração – do Halloween pretendia prestar culto ao deus dos mortos, fazendo rituais de fogo e de memória para com os que já morreram, invocando-os e até deixando-se guiar por eles.

Nesta como noutras festas de índole religiosa não-cristã, a Igreja católica tentou, já nos séculos VII e VIII, ‘batizar’ primeiro o panteão romano, tornando-o um templo cristão e depois dedicando a capela de Todos os santos, na Basílica de São Pedro, em Roma, no dia 1 de novembro… Mais tarde, século IX, esta festa de Todos os Santos foi estendida a toda a Igreja. 

= Atendendo à conexão entre a veneração de Todos os Santos, com os resquícios do culto dos mortos na cultura celta, entretanto cristianizada, vemos que a comemoração dos Fiéis Defuntos se tornou fácil de conjugar: num dia celebrámos os Santos e no outro os que já morreram ‘marcados com o sinal da fé e dormem agora o sono da paz’, como se reza no cânone romano da missa.

Se tivermos em conta a evolução da privatização da morte e de quanto a ela está ligado, tornou-se um tanto razoável ver que, em muitos lugares e contextos sociais do nosso país, vamos assistindo a um certo desprezo pelos que morreram… mesmo quando os falecidos eram ainda praticantes da fé cristã. Por contraste com certos meios onde a civilização do cemitério ganha foro de afirmação social – veja-se a cultura das sepulturas bem arranjadas e cuidadas… com mausoléus e jazigos – vemos crescer algum afastamento da atenção aos defuntos/mortos… nem sendo lembrados nas datas de falecimento ou com o recurso ao sufrágio religioso/católico.

Talvez precisemos de refletir cobre o sentido da nossa vida e o feriado (dia santo) de 1 de novembro pode e deve ser aproveitado para sermos gratos para com quem partiu e de termos um tempo de reflexão sobre nós mesmos e quanto ao sentido da nossa vida… tão rápida, apressada e talvez um tanto fútil! 

 

(1). Se repararmos no que se refere ao dito feriado de 1 de novembro – Todos os santos – só incluiu, desde 2013, um dia em tempo de trabalho efetivo…

 

António Sílvio Couto