Ouvi,
por estes dias esta observação, proferida por um prelado recém-empossado na sua
diocese: o que precisamos – padres e leigos (e não bispos?) – é de menos missas
e mais Missa.
Que
significará este trocadilho? Haverá nele algo de desafio ou de acomodação? Será
sinal de que estaremos a sacramentar sem evangelizar ou andaremos a desperdiçar
missas com quem não a quer nem cuida? Será fácil implementar uma proposta deste
teor que não seja redutiva da Igreja nem redutora das igrejas?
1. Desgraçada ou salutarmente a
pandemia veio peneirar muito farelo consumidor de sacramentos, alguns mais em
versão social do que cristianizada. A pandemia também serviu para separar o que
era por obrigação daquilo que se pode entender mais por devoção e/ou convicção.
Houve casos que foram criando mais adeptos da religião de pantufas ou mesmo de
sofá em roupa de andar por casa… Nitidamente fomos percebendo que a fé
celebrada nem sempre estava esclarecida nem era fé anunciada…
2. De vez em quando surgem vozes
alertando contra o excesso de sacramentalismo sem evangelização, caindo-se
quase sempre na prevenção de que poderá haver missas sem a devida preparação ou
mesmo a necessária vivência. Recordo com tristeza a delapidar expressão de
alguns antigos colegas do seminário – ‘forçados’ a irem à missa diária no tempo
de estudos – que já tiveram missas para o resto da vida. Como se, tendo comido
todos os dias, já se tivessem alimentado para o resto dos seus anos. Talvez se
deva ter cuidado com ‘provocações’ de teor minimalista, pois poder-se-á
extrapolar para outros campos e a argumentação capitula por insuficiente e algo
fugaz.
3. É com razoável confusão que ouço
certas observações – mais em jeito de lições para os outros do que indicações
de comportamento – quanto à duração do tempo de homilia. Recentemente o Papa
Francisco alertou para o tempo máximo da dita: dez minutos. Citamos a exortação
apostólica ‘Alegria do evangelho’ (n.º 138): «a homilia não pode ser um espetáculo de
divertimento, não corresponde à lógica dos recursos mediáticos, mas deve dar
fervor e significado à celebração. É um género peculiar, já que se trata de uma
pregação no quadro duma celebração litúrgica;
por conseguinte, deve ser breve e evitar que se pareça com uma conferência ou
uma lição. O pregador pode até ser capaz de manter vivo o interesse das pessoas
por uma hora, mas assim a sua palavra torna-se mais importante que a celebração
da fé. Se a homilia se prolonga demasiado, lesa duas características da
celebração litúrgica: a harmonia entre as suas partes e o seu ritmo. Quando a
pregação se realiza no contexto da Liturgia, incorpora-se como parte da
oferenda que se entrega ao Pai e como mediação da graça que Cristo derrama na
celebração. Este mesmo contexto exige que a pregação oriente a assembleia, e também
o pregador, para uma comunhão com Cristo na Eucaristia, que transforme a vida.
Isto requer que a palavra do pregador não ocupe um lugar excessivo, para que o
Senhor brilhe mais que o ministro».
4. Atendendo à inquestionável falta
de formação de boa parte dos nossos ‘praticantes’ da missa será conveniente
acertar os tempos de homilia. Seria bem mais útil recorrer a celebrações da
Palavra do que em andarmos a despachar missas a quem parece estar impreparado
para a celebração da eucaristia. Porque será que as pessoas têm tempo e
disponibilidade para duas horas de futebol, de cinema ou de almoço/jantar de
festa e regateiam uma parca hora para a missa, ao domingo? Será falta de gosto
ou de consciência da necessidade daquela? Se não entrarmos no mistério que
celebramos corremos o risco de fazer de algo tão excelso e sublime uma espécie
de ato social mais ou menos bem atamancado com adereços dispensáveis e com intérpretes
nem sempre motivados e espiritualmente enraizados…
5. Deixo um breve caso que me
contaram há anos. Um monge espanhol tinha por hábito sair uns dias do mosteiro
e visitar as igrejas na capital. Por vezes, após a celebração, aproximava-se do
celebrante-presidente e perguntava-lhe: o senhor acredita naquilo que esteve a
fazer? E nós: acreditarão ao verem-nos na missa?
António Sílvio Couto
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