Foi com
estupefação e vergonha que se viu, na Rússia, um jovem ser preso pela simples
razão de ostentar uma folha em branco na rua… As autoridades policiais
consideraram que isso seria uma manifestação individual contra os interesses
políticos da cidade e, por conseguinte, do país…
Já
pensávamos ter visto todas as formas de ditadura, mas, cada dia, somos
espantados como novas figurações de despotismo, mesmo que possa ser legal ou
legalizado, sob a alçada da normalidade ou roçando o que possa ser mais
inverosímil…
1. Por que se mantem uma espécie de
manto silencioso sobre tantas tropelias vindas do país das matrioskas? Será
este conflito – para já com a Ucrânia – mais uma artimanha saída de dentro de
outra e que esconde tantas mais? Teremos estado atentos às subtilezas de
pseudodemocratização que por aquelas bandas disseram existir? Por que há forças
em países sob o regime da democracia que ainda têm laivos de condescendência
para com os sequazes de Lenine, Trotsky ou Brejnev? Os tentáculos imperialistas
alguma vez foram cerceados naquelas regiões?
2. Vivemos num tempo onde é fácil
manipular, mesmo que se pense estar a noticiar. Mais do que as ‘falsas
notícias’ são graves as notícias falsas, pois estas alimentam aquelas e fazem-nos
acreditar em balelas de mau gosto e de péssimo agoiro. Por ocasião dos tempos
de guerra surge, de alguma forma, uma expressão recorrente: a ‘manipulação
psicológica’, isto é, uma espécie de desinformação onde não se diz a verdade
toda (ou só aquela que interessa) e com isso se tenta ganhar ascendente sobre
os contendores: dados mais relevantes são tornados de pouca monta e as pequenas
‘vitórias’ exaltadas como façanhas. Será sempre desconfiar de quem nos quer
dizer ‘a’ verdade, pois pode afinal, estar a impingir-nos a maior mentira. Será
aconselhável que não se veja sempre o mesmo canal nem sequer a mesma cadeia
informativa…
3. Já na pandemia assistimos ao
mesmo fenómeno: uma avalanche de peritos – o termo castelhano é ‘expertos’ – tem
vindo a enxamear os canais televisivos para falarem da guerra: táticas,
argúcias, movimentações, subtilezas…à mistura com posições nem sempre claras
sobre de cada lado da barricada se posicionam… até os jornalistas se convencem
que sabem e nos dizem o que foi colado (literalmente) com saliva, portanto, sem
arte nem jeito para disfarçar a ignorância sobre os assuntos… Esta pantominice
de pequeninos faz com que não saibamos se o que aparece nas televisões é para
entreter ou se manifesta algo de menos sério em tantas das notícias. Quando
quiseram fazer dos noticiários – longos e fastidiosos – espaços de
entretenimento-espetáculo começamos a suspeitar se não querem fazer da miséria
alheia algo a explorar até ao espremer do limão…
4. Olhemos com atenção mínima para
a folha em branco, motivadora do ato censurável de prisão…na Rússia. Recordemos
outras situações em que alguém usou uma folha em branco – com a diferença de
nela ter sido colocado um ponto negro no centro da mesma. Foi solicitado que
escrevessem sobre aquela folha com o ponto negro escrito: uns filosofaram sobre
o espaço vazio; outros – poucos, diga-se – tentaram encontrar a razão do ponto
lá colocado; outros ainda não sentiram inspiração para refletirem sobre a
simbologia da folha-branca-com-um-ponto-negro.
Agora
que estamos em guerra em território europeu – depois de mais de sete décadas
após a segunda guerra mundial, à exceção do tempo de conflito nos Balcãs
(décadas de 80 e de 90) – podemos perceber um tanto melhor como é preciosa a
paz e como ela está presa por arames, se houver alguém que pretenda impor-se
aos outros ou, à maneira medievalesca, conquistar terrenos para expandir as
suas pretensões hegemónicas.
5. Os nossos dias estão mais
sensíveis às questões da paz, da solidariedade e mesmo da justiça, mas faltam
valores e princípios capazes de fazer destes sinais mais difundidos de comunhão
coletiva – pandemia e guerra – como apelos à conversão de vida e de culturas.
Seremos capazes de mudar de critérios?
António Sílvio Couto
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