Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 22 de junho de 2020

Promovidos à custa do futebol


A UEFA confirmou o que já se falava há dias: de 12 a 23 de agosto, realiza-se, em Lisboa a ‘final 8’ da liga dos campeões da Europa em futebol.

Dizem que para a escolha concorreram três fatores: a FPF (federação portuguesa de futebol) é uma das que tem maior peso/influência ao nível europeu; Portugal passa a mensagem para o exterior de que é um país seguro; grande impacto económico na região de Lisboa.

O anúncio do facto mais pareceu um episódio terceiro-mundista com as mais altas figuras da Nação perfiladas à distância sanitária e dando-lhe honras de diretos nas televisões, onde algum regozijo mais parecia entretenimento de crianças em maré de faz-de-conta. A ver pela fachada com que trataram a matéria será de prever que algo foi jogado nos bastidores para que os intervenientes não quisessem colher os louros já por antecipação.

Ora, fazer de um torneio de futebol um assunto de Estado não revela algum desnorte nos critérios e nas questões essenciais da vida política? Usar o futebol para tentar iludir os problemas mais importantes não deixa a descoberto que algo vai mal na hierarquização das coisas desta república? Instrumentalizar o assunto para colher frutos partidários não parece mais um truque de quem vive de expedientes fúteis para atingir os seus intentos mais ou menos subtis?

Aquele foi um ato de júbilo e contentamento. Dias depois fomos confrontados com outra situação que teve tanto de significativa quanto de caricata: dezena e meia de países europeus abriram as suas fronteiras, mas condicionaram (proibiram) a entrada de cidadãos/turistas portugueses. A maioria desses países fica no centro e no noroeste do continente e são quase todos membros da UE como nós. Por cá emergiram vozes do governo a contestarem o tratamento, pelo menos dois membros do executivo exprimiram-no com mais veemência, mas nada surgiu, nem sequer uma retaliação proporcional de fazerem para com os outros o que nos fizeram a nós.

Estes dois momentos da nossa vida pública têm por sujeito o mesmo assunto: a forma como soubemos cuidar dos efeitos da pandemia do coronavírus ‘covid-19’. Na questão do futebol os dados recolhidos eram benéficos à nossa boa conduta, enquanto no segundo caso terão sido os números crescentes e alarmantes de contágio do vírus na região da grande Lisboa que geraram receio.

Dá a impressão que bastou desconfinar um pouco a populaça e eis que vemos a realidade. Será que temos de escolher entre a saúde e a economia? Não serão compatíveis e harmonizáveis as escolhas e as razões? Seremos todos tão assintomáticos de juízo para não compreendermos que razões maiores justificam os sacrifícios pedidos e vividos? Não saberemos andar de rédea solta e na deriva de cada um fazer só o que lhe apetece? Não andará por aí espalhada uma sensação menos boa de que certos grupos ou mesmo etnias se consideraram imunes, mas são antes difusores silenciosos da pandemia? 

= Nunca como agora se nota a necessidade de que seja feita uma educação generalizada para a cidadania, por forma irmos educando pessoas que saibam respeitar-se a si mesmas – no pudor, no respeito e na sensibilidade à vergonha – e aos outros, isto é, sabendo o espaço que ocupam bem como os direitos alheios e não só os individuais.

Precisamos ainda de aprender a saber gerir os recursos pessoais ou familiares, pois, quando são mais abundantes devem ser poupados para possíveis – e são cada vez mais de forma comum – momentos de dificuldade. Nas várias crises que temos vividos nos últimos dez a quinze anos tem faltado esta atitude educativa para sabermos enfrentar as marés de menor sucesso e de piores rendimentos.

Enquanto continuarmos a querer viver acima das nossas possibilidades cairemos, irremediavelmente, em momentos de colapso e, pior, não aprenderemos a lição de que só no dicionário é que ‘sucesso’ aparece antes de ‘trabalho’. Não nos deixemos ludibriar com números fabricados, tanto do pretenso sucesso económico, quanto das vítimas (pelo nível inferior) da pandemia. Em breve se saberá melhor a verdade!    

 

António Sílvio Couto

Sem comentários:

Enviar um comentário