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segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Haverá (total) serviço nas lides político-partidárias?


‘Tu és ainda militante? Pago-te as cotas e tu votas num determinado candidato’!

Esta breve conversa era feita por um dirigente concelhio, que não foi escolhido pelas chefias para integrar a lista às últimas eleições… Agora passou-se para as hostes de um outro candidato, que, certamente, lhe terá prometido o tal posto desejado…sobretudo se estiver em final de tempo de serviço autárquico!

Na noite de rescaldo das votações internas de um certo partido ouvimos, por diversas vezes – umas de forma explícita e outras de modo mais insinuado – um dos dois que vão disputar a liderança a proclamar que nele ninguém votara com a promessa de vir a ter um qualquer lugar que o votante/eleitor almejasse…Por ele e para ele todos devem estar ao serviço do país, através do partido, e nunca querendo servir-se dos postos para conseguirem outros objetivos…

Daquilo que vemos e pelos resultados obtidos, será mesmo assim tão grande o despojamento em quem anda nas lides partidárias? Não se sentirá, na maioria das agremiações partidárias, uma espécie de antecâmara para outros voos e melhores lugares? Não será tão habitual assim não vermos jovens a entrarem nas formações juvenis dos partidos para conseguirem, num futuro mais ou menos próximo, um melhor lugar de trabalho (ou de emprego), desde as autarquias até às fimbrias do poder nacional? Alguém acredita mesmo que, pelos tiques manifestados, não temos tantos/as na profissão, sem nunca exercerem outra de forma clara, correta e capacitada? Ao vermos a corrida aos partidos de acesso ao poder, não seremos tentados a considerar que as iniciativas se podem confundir com projetos de candidatura a empregos melhor remunerados? Não se confundirão, por vezes, os desempenhos com os princípios e valores que deveriam informar os projetos?

 

= A partir de uma perspetiva cristã podemos e devemos questionar-nos sobre a presença e participação dos cristãos – particularmente os leigos – na vida social e política. Desde logo é fundamental esclarecer que a presença/participação dos cristãos na política é muito mais do que a mera envolvência partidária, pois esta, pela própria configuração terminológica de ‘parte’, poderá significar uma das partes e não a totalidade…

Atendendo aos desafios dos evangelhos – ‘vós sois o sal da terra; vós sois a luz do mundo’ – e às proclamações do magistério da Igreja católica, podemos considerar que a participação dos cristãos na vida do mundo sempre foi não só incentivada como feita a marca dos cristãos na intervenção no seu meio, isto é, reduzir a vivência religiosa ao culto nem sempre se faz cultura.

Quem conhecer as múltiplas referências do magistério na vida política recordará o celebre texto da ‘epístola a Diogneto’ (século II) onde se faz o elogio da presença dos cristãos no mundo, como sua alma e mesmo salvaguarda, até aos momentos mais significativos dos últimos papas (João Paulo II, Bento XVI e Francisco) sem nunca esquecermos a visão prospetiva do Concílio Vaticano II, especialmente na constituição pastoral ‘Gaudim et spes’.

Eis um breve excerto deste documento conciliar: «todos os cristãos tenham consciência da sua vocação especial e própria na comunidade política; por ela são obrigados a dar exemplo de sentida responsabilidade e dedicação pelo bem comum, de maneira a mostrarem também com factos como se harmonizam a autoridade e a liberdade, a iniciativa pessoal e a solidariedade do inteiro corpo social, a oportuna unidade com a proveitosa diversidade. Reconheçam as legítimas opiniões, divergentes entre si, acerca da organização da ordem temporal, e respeitem os cidadãos e grupos que as defendem honestamente. Os partidos políticos devem promover o que julgam ser exigido pelo bem comum, sem que jamais seja lícito antepor o próprio interesse ao bem comum» (n.º 75).

Se todos soubéssemos ocupar o nosso lugar nos vários círculos de presença, de intervenção e de compromisso conseguiríamos construir uma sociedade mais participativa tanto no serviço quanto na diversidade, onde cada um respeita os outros e coloca ao seu dispor as qualidades/dons que possui.

Continuar a fazer a figura dos ‘marretas’ – série televisiva com mais de quatro décadas – onde dois velhos rezingões tudo criticavam e contestavam, desde o seu camarote, vendo, preferencialmente, os defeitos alheios…não deixará rasto de mudança. Queira Deus que sejamos mais interventivos do que intervencionistas, cada qual no seu âmbito mais simples e sincero…     

 

António Sílvio Couto

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