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quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Condecoração: porque sim ou para que não?


A avaliar pelas várias, multiformes e altissonantes condecorações, conferidas pelo ‘estado português’ – no passado ou nos tempos mais recentes – podemos considerar que há uma espécie de saldos nesta distinção nacional. Não estão em causa muitas dessas benesses auferidas por figuras que se destacaram nas mais díspares atividades de presença de portugueses/as no mundo e/ou no recanto mais lusitano. Há, no entanto, uma inflação de figuras, de figurões ou de figurinhas que nos deixam alguma perplexidade, senão mesmo um certo desagrado a este conformismo inexplicável.

Se fizermos uma espécie de resumo das condecorações distribuídas pelos presidentes após o ’25 de abril’ poderemos considerar uma razoável lista – onde começa a rarear quem não caberá como ainda não-agraciado – podendo dar a desprestigiar quem assim foi galardoado…

A título de exemplo apresentamos as distinções – medalhas ou condecorações – dadas pelos últimos presidentes da república: Eanes – 2005; Soares – 2505; Sampaio – 2374; Cavaco – 1565; Marcelo (com o mandato quase a terminar) – à média de cem por ano, isto é, cerca de 300…

Mesmo que de forma sucinta quais são as categorias das ordens honoríficas em Portugal? São três: antigas ordens militares – ordem militar da torre da espada, do valor, lealdade e mérito; ordem militar de Cristo, ordem militar de Avis; ordem militar de Sant’Iago da espada; ordens nacionais: ordem do Infante D. Henrique e ordem da liberdade; ordens de mérito civil: ordem de mérito, ordem de instrução pública, ordem de mérito empresarial (agrícola, industrial, comercial).

Quais os graus? Há duas categorias de membros – titulares e honorários. Os graus por ordem descrente de preeminência – grande-colar, grã-cruz, grande-oficial, comendador, oficial e cavaleiro – dama/medalha. O título de membro-honorário pode ser atribuído a instituições ou localidades… Para além dos cidadãos nacionais também os cidadãos estrangeiros podem ser agraciados com as ordens honoríficas portuguesas.

Feita esta breve resenha das putativas condecorações segundo as ordens honoríficas, como que se podem colocar algumas questões mais de âmbito geral do que fulanizado em qualquer dos (já) agraciados.

– Certamente todas essas pessoas foram exímias cumpridoras das suas obrigações – profissionais, sociais, culturais e até mesmo humanas, no mínimo – mais elementares. Porque teriam de ser destacadas do resto dos mortais? Não será o cumprimento do dever o melhor reconhecimento, seja de quem for? Não soará a injustiça premiar quem se limitou a fazer o melhor que sabia e, em muitos casos, sendo bem pago para tais feitos? Este clima de condecorações não andará a camuflar certas incompetências sublimadas?

Ora, dentro de pouco tempo será preciso recorrer à distinção tão simplista quão desagradável: ‘recusou ser condecorado’… para que se possa reconhecer mais o mérito do que a (pretensa) adulação.  

– Por certo não estará em causa o devido reconhecimento dos feitos de tantos/as dos agraciados com os vários graus de reconhecimento, poderá é dar-se o caso de haver situações em que o comportamento posterior ao agraciamento possa ser questionado ou mesmo questionável. Vimo-lo em casos recentes e foi uma trabalheira para quase justificar o injustificável. Será ainda de mau tom que se retirem os títulos, sejam quais forem as causas, sobretudo se a sua consignação não tenha sido tão digna quanto era desejável.

– Seria ainda mais repugnante que se defende-se uma posição de só condecorar quem já tivesse morrido. Isso não serviria de exemplo para os que beneficiaram do testemunho humano, cultural e pessoal dessa pessoa, conferindo maior empenho em comprometer-se com o seu trabalho em favor dos outros. Será que tantos/as dos agraciados têm sido mesmo bons exemplos de cidadania, como era suposto serem mais do que parecerem?

– Se descermos ao âmbito autárquico e às condecorações distribuídas teremos muito a questionar mais pela inutilidade das distinções do que pela oportunidade dos acontecimentos. Com que facilidade se veem emergir figuras, coletividades/associações ou personalidades que mais não passam de glutões efémeros ou enfeites de ocasião…e, em maré de campanha eleitoral, é um fartote de casos, de situações ou de remendos.

– Na minha parca compreensão cristã tenho por princípio essa frase bíblica: depois de terdes feito tudo o que vos foi mandado, dizei – somos servos inúteis, só fizemos o que devíamos fazer! Por isso, questiono as condecorações e não os agraciados… hoje como ontem!    

  

António Sílvio Couto

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