A avaliar pelas várias, multiformes e altissonantes
condecorações, conferidas pelo ‘estado português’ – no passado ou nos tempos
mais recentes – podemos considerar que há uma espécie de saldos nesta distinção
nacional. Não estão em causa muitas dessas benesses auferidas por figuras que
se destacaram nas mais díspares atividades de presença de portugueses/as no
mundo e/ou no recanto mais lusitano. Há, no entanto, uma inflação de figuras,
de figurões ou de figurinhas que nos deixam alguma perplexidade, senão mesmo um
certo desagrado a este conformismo inexplicável.
Se fizermos uma espécie de resumo das condecorações
distribuídas pelos presidentes após o ’25 de abril’ poderemos considerar uma
razoável lista – onde começa a rarear quem não caberá como ainda não-agraciado
– podendo dar a desprestigiar quem assim foi galardoado…
A título
de exemplo apresentamos as distinções – medalhas ou condecorações – dadas pelos
últimos presidentes da república: Eanes – 2005; Soares – 2505; Sampaio – 2374;
Cavaco – 1565; Marcelo (com o mandato quase a terminar) – à média de cem por
ano, isto é, cerca de 300…
Mesmo
que de forma sucinta quais são as categorias das ordens honoríficas em
Portugal? São três: antigas ordens
militares – ordem militar da torre da espada, do valor, lealdade e mérito;
ordem militar de Cristo, ordem militar de Avis; ordem militar de Sant’Iago da
espada; ordens nacionais: ordem do
Infante D. Henrique e ordem da liberdade; ordens
de mérito civil: ordem de mérito, ordem de instrução pública, ordem de
mérito empresarial (agrícola, industrial, comercial).
Quais os
graus? Há duas categorias de membros – titulares e honorários. Os graus por
ordem descrente de preeminência – grande-colar, grã-cruz, grande-oficial,
comendador, oficial e cavaleiro – dama/medalha. O título de membro-honorário
pode ser atribuído a instituições ou localidades… Para além dos cidadãos
nacionais também os cidadãos estrangeiros podem ser agraciados com as ordens
honoríficas portuguesas.
Feita
esta breve resenha das putativas condecorações segundo as ordens honoríficas,
como que se podem colocar algumas questões mais de âmbito geral do que
fulanizado em qualquer dos (já) agraciados.
– Certamente
todas essas pessoas foram exímias cumpridoras das suas obrigações –
profissionais, sociais, culturais e até mesmo humanas, no mínimo – mais
elementares. Porque teriam de ser destacadas do resto dos mortais? Não será o
cumprimento do dever o melhor reconhecimento, seja de quem for? Não soará a
injustiça premiar quem se limitou a fazer o melhor que sabia e, em muitos
casos, sendo bem pago para tais feitos? Este clima de condecorações não andará
a camuflar certas incompetências sublimadas?
Ora, dentro
de pouco tempo será preciso recorrer à distinção tão simplista quão
desagradável: ‘recusou ser condecorado’… para que se possa reconhecer mais o
mérito do que a (pretensa) adulação.
– Por
certo não estará em causa o devido reconhecimento dos feitos de tantos/as dos
agraciados com os vários graus de reconhecimento, poderá é dar-se o caso de
haver situações em que o comportamento posterior ao agraciamento possa ser
questionado ou mesmo questionável. Vimo-lo em casos recentes e foi uma trabalheira
para quase justificar o injustificável. Será ainda de mau tom que se retirem os
títulos, sejam quais forem as causas, sobretudo se a sua consignação não tenha
sido tão digna quanto era desejável.
– Seria
ainda mais repugnante que se defende-se uma posição de só condecorar quem já
tivesse morrido. Isso não serviria de exemplo para os que beneficiaram do
testemunho humano, cultural e pessoal dessa pessoa, conferindo maior empenho em
comprometer-se com o seu trabalho em favor dos outros. Será que tantos/as dos agraciados
têm sido mesmo bons exemplos de cidadania, como era suposto serem mais do que
parecerem?
– Se
descermos ao âmbito autárquico e às condecorações distribuídas teremos muito a
questionar mais pela inutilidade das distinções do que pela oportunidade dos
acontecimentos. Com que facilidade se veem emergir figuras,
coletividades/associações ou personalidades que mais não passam de glutões
efémeros ou enfeites de ocasião…e, em maré de campanha eleitoral, é um fartote
de casos, de situações ou de remendos.
– Na
minha parca compreensão cristã tenho por princípio essa frase bíblica: depois
de terdes feito tudo o que vos foi mandado, dizei – somos servos inúteis, só
fizemos o que devíamos fazer! Por isso, questiono as condecorações e não os
agraciados… hoje como ontem!
António Sílvio Couto
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