Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sexta-feira, 23 de março de 2018

Voando sobre um antro de morcegos


Ao ouvirmos e ao vermos as reações ‘oficiais’ e/ou oficiosas ao mais recente relatório sobre os fogos de outubro do ano passado parece que estamos perante um largo setor (político) que ainda não se apercebeu da sua responsabilidade naquela como na anterior tragédia de junho… Com efeito, não basta enrolar as palavras sem dizer nada de substantivo, antes quedando-se pelos adjetivos incoerentes, ignorantes e abusivos…Varrer para debaixo do tapete o que possa incomodar é, antes de tudo, uma espécie de negligência e de má conduta…ética (dita republicana), social e cultural.

Que importa dizer que se aceita as propostas do relatório para o pseudo-futuro, se não se assumem as culpas do passado? Será isto revelador dalguma esperteza de quem manda ou manifesta a cobertura dalguma comunicação social ao serviço do poder estabelecido, tolerado e desculpado?

Como se pode entender – com razoabilidade e um mínimo de sensatez – que se pretenda fazer-de-conta que nada se passou, quando morreram vítimas de incúria centenas de pessoas em fogos não devidamente combatidos e, ao que dizem os técnicos, sem meios adequados? Foi a cristalização de quatro anos de política florestal – do governo anterior – que conquistou tão altas façanhas de terror? Não haverá quem não pense sobre o que diz antes de dizer sem pensar ou devia saber dizer? Para quem ‘limpou’ das fotos os adversários, noutros regimes totalitários não são, afinal, esses que agora suportam a governação? A história não se repete, mas saber um pouco da sua filosofia faria bem a quem quer fazer crer na recriação abusiva dos factos e dos episódios… Se quem governa não tem culpa, porque aceita, então, pagar indemnizações tão chorudas a quem se apresentou como vítima e a seus familiares? 

= Muitos dos nossos ‘políticos’ – a colocação entre aspas quer tão-somente significar que esta designação é, por vezes, abusivamente dada a figuras que não têm o interesse comum, mas antes quase só o seu! – podem ser figurados pela simbologia dos morcegos…sem que quase nenhum tenha as caraterísticas do ‘batman’… defensor dos outros em aflição sob a forma de filantropia.

‘Morcego’ vem das palavras ‘mur’ (rato) e ‘cego’, isto é, rato-cego… Por isso, incluir certas figuras e figurões na classe dos morcegos será como que vê-los como ratos cegos, que, para além de voarem de noite, se alimentam à socapa, empestando os ambientes e dando-lhes um ar lúgubre e malcheiroso… 

= Ao observarmos a nossa vida coletiva – nas suas mais diversificadas expressões – dá a impressão que uma razoável maioria se comporta como os morcegos: veem por andarem no escuro e o seu olhar é de tal forma turvo que, colocando os óculos do interesse ideológico, religioso ou setorial, pouco mais conseguem enxergar do que aquilo onde se reveem em contentamento. De facto, falta inteligência para conseguir, ao menos de forma intelectual, compreender as coisas, as pessoas e os acontecimentos… Mas falta ainda discernimento capaz de saber medir, avaliar e ponderar o que é mais conveniente para todos e não só para os que lhe são próximos, correligionários e adeptos.

Não será com dirigentes-morcego que seremos capazes de descobrir novos líderes para os tempos futuros, pois se se vão adulando uns aos outros para terem lugar no pedestal, como encontraremos novas visões com alcance para além do perímetro do próprio corpo ou só com o alcance do seu quintal mal-amanhado? É urgente fomentar escolas de liderança onde seja premiado o mérito e não a mera confiança naqueles que dizem sim ao chefe…seja um autarca, um governante, um dirigente desportivo ou até um responsável dalguma estrutura eclesial… Dar responsabilidade, seja a quem for, implica riscos e não serão os meninos/as de corte que poderão gerar renovação, antes tentarão gerir a continuidade pela contenção… do ‘status quo’!

Os morcegos voam, mas nem sempre atingem grandes distâncias. Dizem que se se envencilharem nos cabelos será difícil de os tirar… Há por aí muitas cabeças onde os morcegos estão a fazer criação. Até quando? 

    
António Sílvio Couto





Sem comentários:

Enviar um comentário