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terça-feira, 27 de março de 2018

Entregue por nós…


A atitude dum polícia francês, que se ofereceu em troca por uma refém num assalto terrorista, fez dele um herói nacional…até porque pagou com a própria vida tal façanha no dia seguinte.

Este episódio aconteceu ao início da Semana Santa em que contemplamos, meditamos e rezamos o processo da paixão-morte-ressurreição de Jesus, isto é, o seu mistério pascal.

Neste contexto sócio-religioso tentemos refletir sobre a ação admirada e louvável do polícia francês e o que isso pode/deve colocar-nos em máxima gratidão, em imenso louvor, em intensa intercessão e em humilde petição.  

* O polícia francês fez o que fez porque foi treinado para estar ao serviço das populações e no combate ao terrorismo… Ainda há cerca de dois meses tinha feito com seus outros companheiros um exercício de simulação. Talvez bem mais depressa do que seria expetável teve de passar da teoria à prática: agora enfrentando um ato terrorista bastante mortífero, onde a maior parte das vítimas não tinham nada a ver com as pretensões do autor. O polícia entrou em cena para tentar minorar os efeitos, mas pagou as consequências com a vida… Admirar é, possivelmente, o menos que podemos considerar, sentir e viver.

Certamente que a refém substituída ficará eternamente grata para com aquele polícia. Também a família dela viverá para sempre reconhecida pelo gesto tão altruísta do polícia. Todos quantos tenham tomado conhecimento desta façanha admirarão quem tal protagonizou e até os menos sensíveis à autoridade ficarão com algum sabor de confusão, pois nem todos os polícias são rudes e autoritários…  

* Estamos em contexto da Semana Santa em vias da celebração da Páscoa. Ora, é, neste tempo litúrgico-eclesial, que somos chamados a viver a máxima entrega de Jesus por nós: escutamos os relatos da Sua Paixão, somos confrontados com a dádiva da Sua vida – iniciada mais proximamente com a ‘última ceia’ e levada ao extremo na sua morte na cruz – e em cada palavra, em cada gesto e em cada vivência se perpassa isso que no policial francês foi circunstancial, mas que, para os cristãos, é universal, intenso e pessoal.

– Jesus não só pagou por nós a dívida que tínhamos para com Deus por causa do nosso pecado, mas viveu em amor e por amor a sua total e absoluta entrega para que todos tenhamos a vida nova da graça e da misericórdia divinas. Isto nos leva a viver em gratidão pelo modo como Jesus se fez pecado por nós e, sobretudo, como nos amou quando ainda éramos pecadores. Cada um de nós valeu o sangue de Jesus e não só uma gota – tal bastaria – mas todo o seu sangue derramado por cada um de nós e por nós todos. Isso nos coloca a todos e não só de forma individual em ação de graças: é na eucaristia que vivemos esta vertente de gratidão por excelência. Enquanto não formos capazes de estar nesta atitude, a própria missa poderá ser tudo menos o essencial.

– Ao polícia francês vão conceder um louvor e uma condecoração pelos feitos prestados. Ora, nós, católicos, louvamos a Deus por tudo quanto Ele nos concede – aqui é o presente que está em ato – cada vez que celebramos a dádiva do amor de Jesus entregue, na fórmula da consagração do pão e do vinho como corpo e sangue de Cristo…entregue/derramado por nós… Será preciso maior outro feito para vivermos em louvor permanente por Jesus, com Jesus e em Jesus?

– Deu para perceber que o polícia francês pensou mais na refém do que nele mesmo: intercedeu para que fosse poupada a vida duma cidadã pela imolação da vida dum polícia. Por excelência Jesus fez isto na sua paixão-morte: deu-se de forma gratuita pelos pecadores para tivessem (tenhamos) a vida…em plenitude. Ter em conta os outros sempre foi marca do ser cristão. Será que o vivemos com um mínimo de consciência?

– Ao avançar para aquele ato de bravura, o polícia francês deixou de pensar em si, embora tenha sido treinado para estar ao serviço dos outros. A disponibilidade para se colocar no final da lista de preferência talvez não seja o que hoje caraterize a maior parte das pessoas. Pedir por si mesmo foi aspeto que não ocupou muito a vida de Jesus, no entanto, Ele sentiu, como ninguém, a atrocidade da sua paixão, clamando a Deus-Pai que não O abandonasse. Nas horas de dificuldade confiamos, mesmo, em Deus e na Sua vontade?

Que o episódio do polícia francês possa motivarmos a vivermos melhor a Semana Santa deste ano!   

 

António Sílvio Couto



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