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terça-feira, 19 de setembro de 2017

Premiar quem cumpre o dever?

Meia volta vemos surgirem notícias sobre distinções dadas a pessoas, instituições ou coletividades que se tenham destacado por algo mais relevante. Em tempos não muito recuados, ao nível nacional, víamos tais destaques por ocasião de datas significativas da nação e não a qualquer hora, como vem a acontecer nos tempos mais recentes. No quadro das localidades essas relevâncias estão mais ou menos ligadas aos momentos de efeméride… No entanto, já surgem exceções e andam os distinguidores à procura dos distinguidos, deambulando por entre interesses particulares…
Nalguns casos nota-se uma espécie de regabofe de comendas e prebendas (*) que quase será mais distinto dizer que rejeitou esta ou aquela do que estar no role dos distinguidos, podendo quase ter-se vergonha de ostentar tais medalhas, tais são os menosprezados que se incluem na listagem!
Há, no entanto, uma categoria de distinções que me faz muita confusão: a de premiar quem cumpre – como é sua obrigação – o seu dever, seja ele no exercício dalgum trabalho, seja na labuta para conseguir uma vitória ou ainda quando alguém atingiu uma meta que almejou com esforço, tendo mais ou menos condições para que tal acontecesse… Refiro-me às conquistas desportivas – seja qual for a modalidade – ou mesmo à obtenção dalgum grau académico ou título social. Quem cumpre o seu dever já está recompensado pela consciência do dever cumprido e não será preciso realçar de entre os demais quem mais não fez do que a sua obrigação moral ou profissional…com brio, competência e seriedade. 

= ‘Depois de terdes feito tudo quanto vos foi mandado, dizei: somos servos inúteis, só fizemos o que devíamos fazer’. É desta forma simples, clara e incisa que o Evangelho nos aponta o caminho do serviço e não o do reconhecimento pelos outros daquilo que podemos ter feito bem, melhor ou suficientemente.
Certamente não é coisa de bom-tom e talvez denote alguma falta de educação que uma pessoa bata palmas a si mesma, como tantas vezes de vê em programas televisivos e noutras sessões. Um pouco de humildade não fica mal ninguém e muito menos ao próprio. De facto, que haja pessoas que tenham um ego um tanto negativo, melindrado e ferido, não será de excluir, mas que isso tenha de ser tão manifesto como se vai vendo por aí, torna-se preocupante, perigoso e inquietante.

= Cada vez mais podemos interrogar-nos sobre o modo como as pessoas se veem a si mesmas e como tentam projetar essa imagem para com os outros. Isto será tanto mais importante quanto somos chamados a estar em espaços e lugares dalguma visibilidade. Saber quem se é, o que se vale e como se é chamado a estar ao serviço dos outros é fundamental para que não tenhamos conflitos tácitos ou explícitos. 
Muitas vezes as pessoas querem camuflar para com os outros as debilidades que não aceitam em si mesmas e isso coloca-as em atrito consigo e com os outros, gerando, quantas vezes, mau ambiente, seja pela maledicência, a intriga ou a bisbilhotice com que se entretêm. Dado que não têm vida própria, então gastam o seu tempo falando – normalmente mal – da vida dos outros. Esta doença social é infetocontagiosa, pois sem nos darmos conta já estamos nessa onda de murmuração e de desgaste psicológico em desfavor dos demais…

= O nível cultural dum povo poder-se-á medir pela capacidade de admirar as qualidades alheias, sabendo corrigir os defeitos pessoais. Na medida em que formos capazes de desenvolver as nossas qualidades, corrigindo os próprios defeitos, pela aceitação das qualidades dos outros e a compreensão para com os seus defeitos (ou até pecados), assim poderemos viver numa sociedade – incluindo a sua expressão em Igreja – mais harmoniosa, fraterna e saudável.
Há coisas que o dinheiro é capaz de comprar, mas a consciência do dever cumprido, com a serenidade de estar ao serviço, tal não tem preço nem se consegue com medalhas ou condecorações. Quem precisa de tais enfeites, respeite quem os dispensa e os abjura. Afinal, somos servos inúteis!

(*) A título de exemplo apresentamos as distinções – medalhas ou condecorações – dadas pelos últimos presidentes da república: Eanes – 2007; Soares – 2508; Sampaio – 2377; Cavaco – 1566; Marcelo (até um ano de exercício) – 145…

António Sílvio Couto

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